Apps de entrega e transporte não garantem salário mínimo, segundo relatório

Foram ouvidos de oito a dez funcionários de cada plataforma; empresas buscam melhorias em grupo de trabalho com governo e representantes dos trabalhadores

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São Paulo

As maiores plataformas de entregas, transportes e outros bicos não garantem pagamento mínimo de R$ 6 por hora, mostra relatório sobre o Brasil divulgado nesta terça (25) do projeto Fairwork, sediado na Universidade de Oxford. O valor fica abaixo do equivalente à hora do salário mínimo nacional, de R$ 1.320.

Apenas a plataforma de entrega criada sob a promessa de remuneração justa AppJusto e o aplicativo de serviços domésticos Parafuzo atendem aos critérios eleitos pelo levantamento de pagamento do valor mínimo por hora e de pontualidade.

Os pesquisadores revisaram contratos e termos de condições e ouviram oito a dez trabalhadores de cada empresa para chegar à avaliação indicada no relatório. No total, foram 96 entrevistas a profissionais de 11 empresas. A pesquisa é aplicada em 38 países e as informações são comparadas em um relatório internacional.

Movimentação de entregadores de comida por aplicativo, durante fase emergencial da pandemia, em frente ao shopping Center 3, na avenida Paulista, na capital São Paulo. Cerca de dez entregadores estão reunidos, com motos bicicletas e baú de entrega
Movimentação de entregadores de comida por aplicativo, durante fase emergencial da pandemia, em frente ao shopping Center 3, na avenida Paulista, na capital São Paulo - Mathilde Missioneiro/Folhapress

O Fairwork dá dois pontos para cinco critérios: remuneração, condições de trabalho, contratos, gestão e representação dos trabalhadores. Um por atingir padrões básicos, como o salário mínimo, e outro por atingir patamares considerados dignos pela metodologia. As empresas são procuradas antes da publicação e têm 15 dias para responder com evidências ou adequações.

A 99, por exemplo, garantiu em 2021 pagamento de ao menos um salário mínimo aos motoristas do aplicativo, o que deu um ponto à empresa na categoria remuneração justa, segundo os pesquisadores. Porém, perdeu a pontuação por não conseguir apresentar evidências de cumprir a promessa.

Assim como a 99, Americanas Entrega Flash, Uber, GetNinjas, Rappi, Lalamove e Loggi zeraram. A avaliação vale para o período entre julho de 2022 e o mesmo mês deste ano.

Na avaliação do Fairwork, nenhuma plataforma no Brasil promove condições de trabalho justas, com organização de treinamentos e fornecimento de equipamentos para garantir segurança e saúde aos seus trabalhadores.

Apenas AppJusto alcançou três pontos de dez possíveis. O aplicativo, contudo, tem apenas 2.700 entregadores registrados, contra 200 mil do iFood —que recebeu dois pontos por gestão e contratos justos. Ainda falha em questões como liberdade de associação e apoio em termos de saúde e segurança.

Na comparação com o relatório divulgado em 2021, os aplicativos ganharam pontos. Para o professor da Universidade de Toronto Rafael Grohmann, coordenador da pesquisa no país, a melhora é reflexo da pressão de movimentos de trabalhadores e da discussão com o governo.

A edição de 2021 avaliou o UberEats, que deixou de funcionar em março de 2022. Americanas Entrega Flash, Lalamove, Loggi, AppJusto e Parafuzo foram avaliados pela primeira vez.

A outra plataforma que promete remuneração justa, a Parafuzo, não pontuou no critério contrato justo porque não teria apresentado evidências de implementar medidas para reduzir a desigualdade na plataforma. Não há transparência também sobre o funcionamento do algoritmo, segundo o levantamento.

Na semana passada, o iFood anunciou mudanças em sete cláusulas de seu contrato para se adequar aos critérios do Fairwork de contrato justo.

Procurado pela Folha, o iFood afirma que integra o grupo de trabalho criado pelo governo federal para discutir a regulação do trabalho intermediado por aplicativos. Segundo a plataforma, a maioria dos eixos do relatório Fairwork Brasil está contemplada nas discussões do GT.

"Em julho deste ano, aumentamos o ganho em 4,5% —é o terceiro ano consecutivo com reajustes, e somos a primeira empresa brasileira a apoiar a Carta-Compromisso Ethos sobre Trabalho Decente em Plataformas Digitais", diz o iFood.

O Uber afirma que o documento do Fairwork carece de rigor científico. "A Uber esclarece que não participou do relatório e apresentou seus problemas há mais de seis meses, quando foi convidada por representantes do Fairwork Brasil a colaborar com a iniciativa."

Segundo a Uber, a pesquisa não considera, a flexibilidade que motoristas têm para decidir quando e quanto dirigir e quais solicitações de viagens querem atender.

O Movimento Inovação Digital, do qual participam 99, Loggi, GetNinjas, Parafuzo e Americanas, afirmou que busca alcançar uma solução sustentável por meio do diálogo entre empresas, representantes dos profissionais e governo. O grupo também participa das discussões com o governo federal.

A Parafuzo, a partir do diálogo com o Fairwork, adotou um programa de seguros para acidentes pessoais e de vida decorrentes desses acidentes para todas as diaristas e montadores que utilizam a plataforma. "Publicamos informativos de segurança e aprimoramos canais de suporte em tempo real e ouvidoria para receber e tratar as preocupações, reclamações ou sugestões", diz o aplicativo em nota enviada à Folha.

Americanas Entrega Flash, Loggi, e Lalamove não responderam até a publicação desta reportagem.

Em nota enviada à reportagem, AppJusto diz que atende, desde o lançamento, às principais reivindicações da categoria: mínimo de R$ 10 por corrida, fim de bloqueios sem direito de defesa e código de confirmação em todas as corridas. "Essa é a medida de quão comprometidos somos com a causa do trabalho decente e com a busca por constante aperfeiçoamento da nossa operação."

A Amobitec que reúne iFood, Uber, 99 e Lalamove afirma em nota à Folha que o trabalho intermediado por plataformas de mobilidade e entregas "de maneira alguma configura uma atividade profissional menos decente do que qualquer outra." A Amobitec também participa do GT proposto pelo governo.

A entidade diz que, segundo pesquisa do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), 48% dos entregadores e 37% dos motoristas têm outros trabalhos. A jornada média de trabalho de motoristas está entre 22 e 31 horas semanais, e de entregadores, entre 13 e 17 horas por semana.

O GetNinjas afirma que, no seu modelo de operação, contato, negociação e pagamento do serviço entre profissional e cliente são realizados fora da plataforma. "Nosso funcionamento e perfil de usuários se diferenciam dos demais citados na pesquisa."

Também em comunicado, a 99 informa que os condutores de aplicativos têm renda líquida média mensal de R$ 2.925 a R$ 4.756, com jornada semanal de 40 horas. A fonte também é a pesquisa do Cebrap.

"Para a 99, o bem-estar dos motoristas parceiros é prioridade", diz a plataforma, que tem 1 milhão de profissionais cadastrados. A empresa afirma que lançou, em março de 2022, o adicional variável de combustível, um auxílio no ganho do profissional, que conforme o preço da gasolina.

O Rappi afirma, em nota, que mantém um diálogo constante com os entregadores e está atento a soluções que possam favorecê-los. "A empresa oferece centros de atendimento presenciais, suporte em tempo real, cursos de capacitação, informativos de segurança no trânsito, botão de emergência para situações de risco, seguro para acidente pessoal, invalidez permanente e morte acidental e dois planos de assistência à saúde."

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