Defendido por Lula frente à UE, pequeno negócio responde por um terço das compras públicas

Em 2023, já foram aprovados mais de R$ 17 bilhões em vendas de micro e pequenas empresas

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Brasília

Prioridade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas negociações do acordo entre Mercosul e União Europeia, micro e pequenas empresas respondem hoje por cerca de um terço do total das compras públicas do governo brasileiro.

O levantamento foi feito pelo Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) com base nos dados do painel de compras do governo federal e mostra que as vendas de pequenos negócios ao setor público –União, estados e municípios– chegaram a R$ 17,3 bilhões no primeiro semestre do ano. O volume total de aquisições públicas no período foi de R$ 57,8 bilhões.

Entre os produtos licitados pela administração pública, destacam-se alimentos para merenda de escolas públicas, medicamentos e insumos hospitalares para o SUS (Sistema Único de Saúde), além de equipamentos da área de tecnologia.

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) comentou negociações do acordo Mercosul-UE em Bruxelas - Ricardo Stuckert - 19.jul.2023/Divulgação

Décio Lima, presidente do Sebrae, vê os pequenos empreendedores como "o alicerce do processo econômico" e a participação desse grupo no mercado das compras públicas como motor para economias locais, com a geração de mais empregos e renda.

Os números coletados pelo Sebrae indicam que a participação de MEIs (microempreendedores individuais) e de micro e pequenas empresas no mercado de compras públicas tem crescido a cada ano.

O valor de contratos firmados saltou de R$ 24,8 bilhões em 2019 para R$ 42,4 bilhões em 2022. Dos 566 mil fornecedores do governo, a participação do setor equivale hoje a 66,8% do total.

Para o presidente da entidade, a expansão decorre de um processo de inclusão, além de um fator de demanda, e o volume pode crescer ainda mais nos próximos anos. "Os programas que estão sendo retomados no governo Lula vão aumentar a presença dos micro e pequenos empreendedores no alcance do grande espectro da economia brasileira", afirma.

De janeiro de 2019 a junho deste ano, foram homologados R$ 569,2 bilhões em processos licitatórios para todos os portes de empresas. Desse montante, a fatia dos pequenos negócios corresponde a R$ 145,2 bilhões. O valor representa em torno de 26% do total em compras públicas –incluindo governos municipais, estaduais e federais.

Também de acordo com a entidade, do total de contratos firmados, R$ 51,9 bilhões foram efetivamente adquiridos no intervalo de análise pelas três esferas de governo –com R$ 7,9 bilhões tendo sido transferidos aos pequenos negócios.

O Sebrae pondera que grande parte das contratações é formalizada por outros instrumentos, como notas de empenho, autorizações de fornecimento, dispensas de licitação, e que muitos órgãos recorrem a meios alternativos ao portal pela falta de integração de sistemas.

O tema das compras governamentais é visto como crucial para o Brasil nas negociações do acordo Mercosul-UE, pactuado em 2019 pela então gestão de Jair Bolsonaro (PL). Isso porque o atual governo considera o mecanismo um instrumento para poder exercer suas políticas públicas voltadas ao desenvolvimento e à redução de desigualdades.

O texto prevê que, ao assumir compromissos em relação aos mercados de compras públicas, os dois blocos garantam maior concorrência e acesso nas licitações domésticas. Também estabelece que os fornecedores de bens e serviços de cada lado receberão "tratamento nacional" nas licitações realizadas pela contraparte.

Os pequenos negócios vêm sendo defendidos pelo presidente Lula nas tratativas. Em entrevista a jornalistas em Bruxelas na quarta-feira (19), o chefe do Executivo disse que compras governamentais são "um instrumento de desenvolvimento interno" para pequenas e médias empresas e que, portanto, o Brasil não pode abrir mão desse potencial.

"Os Estados Unidos fazem isso, a Europa faz isso, a Alemanha faz isso e o Brasil tem o direito de fazer isso. É assim que a gente consegue incentivar o pequeno e médio empresário a sobreviver e a crescer", afirmou.

Apesar das declarações de Lula, membros ligados à equipe econômica defendem que as micro e pequenas empresas continuarão preservadas após o acordo mesmo em um cenário de potencial aumento concorrencial entre companhias brasileiras e europeias. Hoje, estrangeiras já podem participar das licitações nacionais.

Além disso, o acordo prevê uma lista de exceções que inclui, por exemplo, licitações realizadas por órgãos de governos estaduais e municipais, bem como aquelas relativas a parcerias público-privadas envolvendo insumos da lista estratégica do SUS (Sistema Único de Saúde).

Lima, do Sebrae, se mostra favorável ao acordo comercial entre os dois blocos e destaca o potencial de expansão dos negócios das micro e pequenas empresas brasileiras no mercado internacional se o tratado prosperar.

"Temos que nos qualificar, preparar os pequenos empreendedores para agregar valor aos nossos produtos e disputar mercados no mundo inteiro, como já ganhamos protagonismo [como fornecedores] de commodities. Não temos que ter receio", diz.

A legislação brasileira garante hoje que os pequenos negócios, inclusive MEIs e pequenos agricultores, tenham tratamento diferenciado nos processos licitatórios, como exclusividade em compras de até R$ 80 mil.

A lei ainda prevê uma cota de até 25% para contratação de bens e serviços de microempresas e empresas de pequeno porte por parte dos entes federais, estaduais e municipais.

Alguns críticos alegam que o acordo Mercosul-UE vai de encontro à nova lei de licitações, sancionada em 2021, argumento que é contestado pela ala do governo que defende apenas ajustes finos no texto.

Nesse caso, a legislação nacional prevê que a margem de preferência para bens manufaturados e serviços nacionais resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica no país poderá ser de até 20%. Segundo técnicos ouvidos pela Folha, esse percentual é uma possibilidade, não é algo mandatório, e precisa de regulamentação do Executivo.


COMPRAS PÚBLICAS E O ACORDO MERCOSUL-UE

O que são compras governamentais?
Aquisições e contratações de bens e serviços feitas por empresas do setor público, das esferas federal, estadual ou municipal. O processo envolve a realização de uma licitação pública, de modo a atender alguns princípios, como igualdade entre os concorrentes e escolha da proposta mais vantajosa para o órgão.

Quais produtos se enquadram nesse processo de compra?
Alimentos para merenda de escolas públicas, medicamentos e insumos hospitalares para o SUS (Sistema Único de Saúde) e equipamentos da área de tecnologia são alguns exemplos.

Empresas estrangeiras podem participar de licitações no Brasil?
Sim. Desde 2020, fornecedores estrangeiros podem participar de licitações nacionais. As empresas só precisam ter um representante legal no país no momento da execução do contrato, podendo participar livremente das concorrências.

O que prevê o acordo Mercosul-UE nesse ponto?
Prevê que, ao assumir compromissos em relação aos mercados de compras públicas, os dois blocos garantam maior concorrência e acesso nas licitações domésticas e que os fornecedores de bens e serviços de cada lado recebam "tratamento nacional" nas licitações realizadas pela contraparte.

Por que esse tema é tão central nas discussões do acordo Mercosul-UE?
Estudos mostram que as contratações públicas movimentam cerca de 12% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro por ano, incluindo os entes subnacionais e estatais. No entanto, só uma parcela disso entraria no escopo do tratado comercial entre os dois blocos. As compras governamentais também são um mecanismo pelo qual o governo pode exercer suas políticas públicas para cumprir objetivos de desenvolvimento e redução de desigualdades, visão próxima à que vem sendo compartilhada por Lula.

Qual o tamanho do mercado de compras públicas?
O mercado de compras públicas no Brasil totaliza cerca de R$ 750 bilhões. Desse montante, R$ 166 bilhões são relativos ao governo federal (valor referente a 2022), mas só uma faixa de 10% a 20% entraria no acordo Mercosul-UE, conforme estimativa de um interlocutor do Executivo.

O texto do acordo Mercosul-UE pactuado em 2019 prevê exceções?
O acordo prevê na lista de exceções licitações realizadas por órgãos de governos estaduais e municipais, bem como licitações relativas a parcerias público-privadas envolvendo insumos da lista estratégica do SUS (Sistema Único de Saúde), entre outros itens.

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