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Reforma tributária

Uma boa semana para a economia, mas nem tanto para o governo Lula

Aprovação de medidas não deve iludir Planalto sobre tamanho de sua base ou reconquista da governabilidade

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Brasília

A supersemana econômica na Câmara dos Deputados chega ao fim com o avanço da mais ampla Reforma Tributária em quase seis décadas e do projeto que devolve ao Ministério da Fazenda o poder de preservar cobranças de dívidas quando há empate nos julgamentos do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais).

Não fosse pelo adiamento do novo arcabouço fiscal para agosto, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teria completado a trinca de propostas que estão no topo da agenda de prioridades do ministro Fernando Haddad (Fazenda).

Mesmo com esse revés temporário, o saldo é, sem dúvida, bastante positivo para a economia e para o país, que deu um passo importante na direção de um sistema tributário mais racional e na recuperação de receitas essenciais para o reequilíbrio das contas públicas.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), na votação da Reforma Tributária - Gabriela Biló - 06.jul.2023/Folhapress

Uma leitura rápida do resultado poderia indicar um governo vitorioso em suas negociações, mas não é essa a avaliação nos bastidores. Nas entrelinhas, o Congresso deu um recado duro ao Executivo, que serve de alerta para a condução das articulações a partir de agosto, após o recesso legislativo.

Ao inverter a pauta e passar a Reforma Tributária à frente do projeto do Carf e do novo arcabouço, tidas como mais urgentes pela equipe econômica, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) mostrou que não é a pauta do governo que vai prevalecer no Legislativo.

O Centrão jogou com o fato de o Executivo ter enviado o projeto do Carf para tramitar em regime de urgência, o que trancou a pauta da Câmara e impediu o avanço do arcabouço fiscal, mas não travou a PEC (proposta de emenda à Constituição) da Reforma —agenda que Lira abraçou em busca de uma espécie de selo de qualidade para sua gestão.

Minúcias regimentais usadas para justificar o movimento são só cortina de fumaça para a verdadeira intenção do presidente da Câmara, que era dar uma demonstração de força perante o Palácio do Planalto num momento em que seu grupo político eleva a pressão por cargos no primeiro escalão do governo, liberação de emendas e uma fatia dos ganhos com os projetos recém-aprovados.

A Fazenda já obteve vitórias importantes e certamente celebra a aprovação da Reforma Tributária, mas nunca foi uma preferência de Haddad ou de seus auxiliares enfileirar as três propostas em uma mesma semana. Já se antevia que, ao final, essa combinação se voltaria contra o próprio governo, que se viu obrigado a ceder nas propostas e abrir o cofre das emendas para obter algum avanço na Casa.

O foco da equipe econômica era o projeto do Carf, essencial para fechar as contas do Orçamento de 2024, que têm um buraco de cerca de R$ 150 bilhões a ser preenchido pelo lado das receitas.

Nas estimativas apresentadas em janeiro, a Fazenda esperava um impacto permanente de R$ 20 bilhões anuais, além de um ingresso extraordinário de ao menos R$ 50 bilhões em 2023 com um programa de renegociação de dívidas dos contribuintes.

Os números transformaram o Carf em "bilhete premiado" aos olhos dos parlamentares e em valioso instrumento de barganha nas mãos do Centrão, que usou os seguidos adiamentos da votação para ampliar a fatura —com o governo e com atores privados.

Segundo diferentes interlocutores, o relator, deputado Beto Pereira (PSDB-MS), passou dois dias inteiros sem atender às ligações do ministro da Fazenda, dando prioridade às agendas com lobistas e representantes de diferentes grupos de interesse. A postura irritou auxiliares de Haddad e levou Lira a intervir para restabelecer o diálogo em torno do texto.

Em meio às idas e vindas, o projeto, inicialmente pautado para a segunda-feira (3), só foi aprovado na sexta-feira (7). O texto legal, que originalmente tinha apenas 2 páginas, ganhou corpo e alcançou 15 páginas. Os técnicos ainda estão passando o pente-fino para rastrear os jabutis e calcular o estrago.

Na Reforma Tributária, o governo também precisou aceitar a ampliação das exceções para diferentes setores e atividades, mas foi recompensado com a aprovação folgada do texto, com um placar expressivo de 382 votos a 118.

O avanço de agendas econômicas estratégicas, porém, não deve iludir o governo sobre o tamanho de sua base ou a reconquista da governabilidade. O governo depende de Lira para aprovar os projetos de que precisa. O presidente da Câmara sabe disso e cobra um preço alto pelo domínio que exerce sobre o plenário.

Até agora, o governo Lula aceitou pagar por isso, não totalmente livre de alguns sobressaltos. Mas quanto mais souber conciliar propostas de interesse comum do Executivo e do Centrão, menor será o custo e o desgaste para aprová-las.

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