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Acelerar corte nos juros por pressão política gera risco de inflação, diz ex-secretário do Tesouro

Kawall afirma que ata trouxe critérios objetivos para definição dos próximos passos do Copom

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Brasília

Se os diretores do Banco Central defenderem cortes mais intensos de juros na próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) por pressão política, ignorando os fundamentos elencados na última ata, haverá sério risco para inflação, alerta Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro Nacional.

Em entrevista à Folha, o economista ressalta que o documento divulgado na terça-feira (8) delimitou condições objetivas a serem avaliadas pelos membros do colegiado na definição dos próximos passos. Para ele, desrespeitar tais critérios seria uma oportunidade perdida de fazer um processo de flexibilização monetária sem ruídos.

"Comunicação hoje é a alma da política monetária. Não só o movimento em si, mas aquilo que sinaliza à frente. Ao lado da ata que deixou bastante claros os limites para fazer uma aceleração do ritmo [de corte de juros], é importante que isso seja perseguido até a próxima reunião [em setembro]", afirma.

Carlos Kawall, 60, diretor do ASA Investments e ex-secretário de Tesouro Nacional no governo Lula
Carlos Kawall é ex-secretário do Tesouro Nacional e sócio-fundador da Oriz Partners - 2.jul.2021/Divulgação

Kawall afirma também ver o voto do presidente do BC, Roberto Campos Neto —que sacramentou a redução de 0,5 ponto percentual da taxa básica (Selic), a 13,25% ao ano, em uma decisão dividida (5 a 4)—, como parte de uma tentativa de assegurar a convergência do grupo nas reuniões seguintes.

"Se não der certo, significa que não há um compromisso dos novos diretores e eventualmente dos futuros escolhidos em ter uma política monetária que realmente busque a convergência [da inflação à meta], mas uma política monetária que é mais leniente com a inflação", diz.

Divisão do Copom
Uma pesquisa pré-Copom feita pela XP tinha um percentual de 60% a 40% a favor do [corte de] 0,25 [p.p.]. Das 121 pessoas que participaram, só uma optou pelo [corte de] 0,5 [p.p.] com o placar de 5 a 4. Achei uma amostra bem eloquente de quão inesperada foi do ponto de vista do mercado. A maioria achava que não seria [uma decisão] unânime, mas com votações mais dilatadas.

De trás para frente, já com o benefício da ata, se vê que tem elementos que corroboram tanto o [corte de] 0,5 [p.p.] quanto [de] 0,25 [p.p.]. Quando a votação não unânime aparece no comunicado, quem divergiu achou por bem deixar isso claro, por questões ligadas a suas convicções. Já era esperado que isso ficasse mais normal na medida em que vai integrando a diretoria com outros membros ligados a indicações do atual governo.

Não é que o ruído tenha sido ligado à divergência, mas muito mais pelo placar dividido e pelo fato de que no final quem decidiu a reunião foi o presidente Roberto Campos Neto, que optou pelo [corte de] 0,5 [p.p.], seguindo o voto dos dois diretores que estreavam no Copom e não o grupo de diretores que ele mesmo havia indicado.

Estratégia do presidente do BC
Entendo que tem um fundamento técnico [na opção pelo corte de 0,5 p.p.]. Houve ali eventualmente na hora de definir entre os dois grupos um pensamento no sentido de ir pelo movimento mais ousado, garantindo que daqui para frente essa divisão vai estar superada, pelo menos num futuro previsível, que esse grupo está disposto a caminhar até o final do ano dentro de uma determinada lógica de cortes de 0,5 [p.p.] desde que não haja um grande progresso do lado das expectativas, serviços, tudo aquilo que eles alinharam.

Houve a tentativa de uma costura política nesse sentido, inclusive levando em conta que isso eventualmente mitigaria ruído dentro do governo, com o Ministério da Fazenda? Acho que sim. Mas não significa que está fazendo algo irresponsável.

Cenário fiscal brasileiro
Nós temos uma grande dificuldade em produzir a convergência das metas por causa do gasto excessivo. Isso vale para o Brasil, mas também para os Estados Unidos. Vem do governo Bolsonaro —desde 2021, em especial. Um gasto que, antes do atual governo, crescia acima do que permitia o teto, pelas excepcionalizações. E agora, dentro desse novo arcabouço, com crescimento real do gasto muito acima daquilo que a economia está crescendo. Isso é negativo do ponto de vista fiscal e prejudica a atuação da política monetária. Leva a gente a ter um juro real de equilíbrio maior. Se falava em 3% antes da pandemia, hoje já se fala em juro de equilíbrio de 4,5% até 5% em termos reais.

O arcabouço fiscal é insuficiente por causa da dependência que ele tem de aumento de receitas. Até agora, o que o governo tem colocado como aumento de receitas que eventualmente garantiria o superávit zero no ano que vem não foi convincente a ponto de garantir que isso efetivamente vá ocorrer. No final de agosto o governo tem de mandar o PLOA (projeto de Lei Orçamentária Anual), e a gente vai ter mais detalhes.

O que estamos vendo inclusive a cada revisão bimestral do Tesouro das previsões de receitas e despesas deste ano: o déficit [fiscal] previsto está subindo. Ele vai ficar abaixo da meta [formal, de rombo de R$ 238 bilhões] neste ano porque ainda tem gordura.

Quando foi anunciado o arcabouço, se falava que esse ano deveria ser um déficit de 0,5% do PIB, está muito acima disso agora, o próprio ministro [Fernando Haddad] falou em -1% [do PIB]. Já não parece factível. A gente está dentro de um arcabouço fiscal frouxo, que vai necessariamente implicar aumento da dívida/PIB ao longo dos próximos anos.

Passos futuros do Copom
O importante agora é observar daqui até o próximo Copom esse comprometimento que se colocou de que não é provável uma aceleração da queda [de juros], porque temos ainda elementos de preocupação do ponto de vista do processo de convergência da inflação.

Na ata, foi importante eles dizerem que isso dependeria da intensidade de três movimentos.

Um é o processo mais rápido de ancoragem, ou seja, a gente estacionou nas [expectativas de] inflações de 2025 e de 2026 nos 3,5%. Se houver movimento significativo na direção de 3%, isso seria positivo para poder acelerar o ritmo de corte de juros.

Além disso, a maior convicção de convergência da inflação de serviços, que, nas últimas leituras, voltou a subir na ponta. E, por último, a questão do hiato do produto. Se a gente tivesse um enfraquecimento da economia adicional ou um mercado de trabalho que sinalizasse uma distensão do nível de atividade, também ajudaria no processo de desinflação.

A se observar o progresso dessas três variáveis. Acho que fica difícil para o Copom na próxima reunião a ideia de aceleração [do corte da Selic]. Isso posto, deveríamos ter um corte de 0,5 [p.p.] unânime dessa vez [em setembro].

Pressão por cortes mais agressivos
Se nos aproximarmos do Copom, as pressões começarem novamente e houver da parte de diretores que votaram por [redução de] 0,5 [p.p.] uma defesa de um corte maior sem ter o fundamento que eles próprios colocaram na ata, vamos ter um sério risco de desancoragem das expectativas de inflação.

A dificuldade de desinflacionar aumenta e complica tudo. Pode ter de novo a elevação de juros longos, de novo pressão sobre os ativos, sobre a Bolsa, sobre o dólar, e a gente perderia essa oportunidade de fazer um processo de flexibilização monetária mais ordenado, sem ruídos.

Entendi que a decisão do Copom, especialmente do presidente [Campos Neto] foi muito na linha de "vamos nos dar o direito de divergir hoje para convergir nas próximas reuniões", tentando contratar um menor grau de ruído à frente.

Se isso não der certo, significa que não há um compromisso dos novos diretores e eventualmente dos futuros escolhidos no final do ano em ter uma política monetária que realmente busque a convergência [da inflação à meta], mas uma política monetária que é mais leniente com a inflação, como a gente viu no passado e sabe que não dá certo ao longo do tempo.

Nada garante que isso não vá ocorrer. Vamos aguardar as próximas semanas para avaliar, inclusive nos pronunciamentos dos novos diretores, em especial do Gabriel Galípolo.

Para quem apostava no [corte de] 0,25 [p.p.] como eu, a decisão [de cortar 0,5 ponto] é plausível, não é algo que em si possa dizer que foi totalmente errada, muita gente do mercado apostou nesse corte maior, não é nenhuma barbaridade. Mas a comunicação hoje é a alma da política monetária. Não só o movimento em si, mas aquilo que você sinaliza à frente. Ao lado da ata que deixou bastante claros os limites para fazer uma aceleração do ritmo, é importante que isso seja perseguido agora até a próxima reunião.

Tamanho do ciclo de cortes
Isso é bem complexo e divide muito os economistas. Qual é o juro de equilíbrio hoje? É 4%, 4,5%, 5%? Qual vai ser a expectativa de inflação daqui a 12 meses? Quando a gente deve estar chegando mais perto do fim do ciclo? A expectativa de inflação vai ser 3%, 3,5% ou 4%? A economia já estará próxima de um equilíbrio ou o nível de atividade vai estar ainda acelerado por conta do gasto fiscal? Se juro de equilíbrio é 4% e tiver com uma inflação à frente de 3% e a economia estiver mais equilibrada, [a Selic] poderia ir até 7%.

Se o juro de equilíbrio é 5%, mas a inflação esperada for 4%, 5% e a economia está desequilibrada, talvez eu não possa nem chegar a um dígito [na Selic]. Então, tem um intervalo que é de pelo menos uns 3 pontos percentuais [de qual será a Selic ao fim do ciclo de afrouxamento], a depender da combinação dessas variáveis.

No nosso cenário, a gente tem Selic de 11,75% no final do ano, chegando em setembro de 2024 a 9%. Pode ser um pouco antes eventualmente.


RAIO-X

Carlos Kawall, 62
É sócio-fundador da Oriz Partners e foi secretário do Tesouro Nacional no governo Lula, em 2006. Foi também diretor da ASA Investments, economista-chefe do Citibank e do banco Safra e diretor financeiro e de mercado de capitais do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). É formado em Economia pela FEA-USP (Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo), com mestrado e doutorado em Ciência Econômica pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)

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