Descrição de chapéu Congresso Nacional

Governo entrega Orçamento de 2024 em meio a deterioração da perspectiva fiscal

Limite de despesas vai crescer 1,7% acima da inflação em 1º ano do novo arcabouço fiscal, mas receitas são dúvida

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Brasília

Sob o ceticismo do mercado e de integrantes do próprio Executivo, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) entregou nesta quinta-feira (31) sua proposta do Orçamento de 2024, com a promessa de arrecadar mais R$ 168 bilhões para conseguir zerar o déficit fiscal no ano que vem.

A materialização dos números despertou no mercado uma perspectiva de deterioração do cenário fiscal, em meio à incerteza sobre a disposição do Congresso de aprovar o amplo pacote de novas receitas pleiteado pelo governo federal.

Esta é a primeira peça orçamentária elaborada sob as regras do novo arcabouço fiscal, sancionado na manhã desta quinta.

Os ministros Fernando Haddad (Fazenda), à esquerda, e Simone Tebet (Planejamento), à direita, em coletiva sobre o Orçamento de 2024, realizada no Ministerio do Desenvolvimento. Haddad está desfocado e veste preto. Tebet está de sombrancelhas inclinadas e boca curvada para baixo. Randolfe aparece apenas de relance.
Os ministros Fernando Haddad (Fazenda), à esquerda, e Simone Tebet (Planejamento), ao centro, e o senador Randolfe Rodrigues, à direita, em coletiva sobre o Orçamento de 2024, realizada no Ministerio do Desenvolvimento - Gabriela Biló/Folhapress

Pelas regras, o governo poderá expandir suas despesas em até 1,7% acima da inflação no ano que vem, abaixo do limite máximo de 2,5% permitido pelo arcabouço e acima do piso de 0,6%.

Para poder usufruir desse espaço sem correr o risco de precisar contingenciar verbas de ministérios, o governo terá de buscar apoio no Legislativo para aprovar um amplo pacote de medidas para ampliar as receitas.

O temor de que haja bloqueios em despesas como investimentos em pleno ano de eleições municipais tem motivado a pressão da ala política por mudança no alvo central da política fiscal. O Ministério da Fazenda, porém, vê o movimento como "fogo amigo".

Em entrevista antes da entrega formal do Orçamento, os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) reafirmaram o compromisso do governo de perseguir o objetivo estipulado para 2024.

"Não estamos negando o desafio, não estamos negando a dificuldade. O que estamos afirmando é o nosso compromisso, o compromisso da área econômica em obter o melhor resultado possível", disse Haddad.

Apesar das declarações do ministro, o mercado manteve-se reticente. A Bolsa fechou o pregão em queda de 1,52%, enquanto o dólar registrou alta de 1,65%, cotado a R$ 4,949.

Além de depender do pacote de receitas extras com verbas até discutidas na Justiça, que podem não se confirmar, a Câmara armou uma pauta-bomba na quarta (30), com mais gastos nos próximos anos, ao estender a todos os municípios a redução da contribuição previdenciária paga ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) até 2027.

No mesmo dia, as contas do governo registraram o terceiro déficit seguido, de R$ 35,9 bilhões, em julho.

Em 2024, o governo terá, ao todo, uma expansão de R$ 128,93 bilhões em relação ao limite vigente neste ano. Boa parte do espaço adicional será consumida por despesas obrigatórias, como benefícios previdenciários, assistenciais, os pisos de Saúde e Educação e o novo valor mínimo para investimentos.

Parte desse valor, R$ 32,42 bilhões, está condicionado à aprovação pelos congressistas de um crédito suplementar no ano que vem, para incorporar os ganhos com a aceleração da inflação até o fim de 2023.

O novo arcabouço fiscal permite o crescimento das despesas acima da inflação, desde que respeitado o intervalo de 0,6% a 2,5%. A definição do percentual exato depende da arrecadação: a fórmula prevê que ele seja equivalente a 70% da alta real das receitas nos 12 meses acumulados até junho do ano anterior (neste caso, 2023).

O governo observou uma expansão de 2,43% nas receitas no período, já descontada a inflação. Por isso, pela regra, a ampliação real possível das despesas é de até 1,7%.

No entanto, o arcabouço contém uma brecha para que esse percentual fique maior no primeiro ano. O Executivo poderá, em maio de 2024, incorporar um valor adicional, caso a estimativa para a arrecadação no ano que vem indique um desempenho melhor do que esse avanço de 2,43% já detectado.

Nas estimativas do governo, esse dispositivo pode ampliar o limite de despesas em mais R$ 15 bilhões no ano que vem.

A expansão é considerada necessária para desafogar os ministérios, que ficaram com despesas discricionárias em patamar semelhante ao de 2023 diante da retomada de outras regras, como os pisos de Saúde e Educação —que voltam a ter vinculação com a dinâmica da arrecadação.

As regras constitucionais, que voltarão a valer com a sanção do arcabouço, destinam 15% da RCL (receita corrente líquida) para a Saúde e 18% da RLI (receita líquida de impostos) para a Educação.

A conta resulta em um mínimo R$ 50 bilhões maior para a Saúde e R$ 8,5 bilhões superior para a Educação em relação ao que o que vinha sendo aplicado sob a regra do teto de gastos.

O secretário do Tesouro, Rogério Ceron, ressaltou que esse novo crédito só poderá ser executado se houver um incremento ainda maior nas receitas, equivalente a esses R$ 15 bilhões, para manter o resultado primário dentro da meta de déficit zero.

Ceron disse que, além das medidas de arrecadação, o governo mapeou uma série de itens que podem gerar uma espécie de folga no Orçamento do ano que vem.

Uma delas é a própria banda de resultado primário, criada pelo novo arcabouço fiscal. Na execução orçamentária, o governo tem flexibilidade para registrar um déficit de até R$ 28,8 bilhões.

Além disso, o descumprimento da meta não gera punição, desde que o Executivo tenha adotado as medidas necessárias para buscar o alcance da meta —como o contingenciamento.

O secretário do Tesouro também citou uma média histórica de R$ 22 bilhões em recursos que costumam ficar "empoçados" nos ministérios (o gasto não ocorre por entraves técnicos, mesmo com a verba liberada). Isso ajuda o governo a melhorar o resultado primário.

"Tivemos um ótimo começo de governo, mas esse trabalho tem que continuar. Você tem uma peça que permite o atingimento de um equilíbrio [fiscal]. É sempre comum ouvir que essa medida pode não ter todo esse impacto previsto, ou levar um tempo para ser aprovado e atingir parcialmente a receita prevista", disse Ceron.

"Bom, mas há outros elementos, e começa a partir de hoje o trabalho para a construção de outros itens para a execução orçamentária de 2024", disse ele, citando fatores como o empoçamento de recursos e o chamando preço de transferências.

Há ainda outras medidas de arrecadação que ainda não foram incluídas no Orçamento de 2024, mas podem render outros R$ 20 bilhões, estimou Ceron.

Segundo ele, "é sempre comum ouvir que essa medida pode não ter todo esse impacto previsto, ou levar um tempo para ser aprovado e atingir parcialmente a receita prevista".

Bom, mas há outros elementos, e começa a partir de hoje o trabalho para a construção de outros itens para a execução orçamentária de 2024", disse ele, citando fatores como o empoçamento de recursos.

Salário mínimo e ministérios

Em 2024, o salário mínimo previsto é de R$ 1.421 no ano que vem. O valor, antecipado pela Folha. Serão R$ 101 de aumento em relação ao valor de 2023, hoje em R$ 1.320.

A cifra segue a fórmula de correção da política de valorização proposta pelo Executivo, que inclui reajuste pela inflação de 12 meses até novembro do ano anterior, mais a variação do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes (neste caso, a alta de 2,9% observada em 2022).

A nova política foi aprovada pelo Legislativo e sancionada na segunda-feira (28) por Lula, simbolizando a retomada da fórmula que já havia vigorado em gestões anteriores do PT.

Na Esplanada, as principais pastas a receberem verbas são os ministérios da Previdência Social (R$ 935 bilhões), do Desenvolvimento e Assistência Social (R$ 281 bilhões), da Saúde (R$ 231 bilhões) e da Educação (R$ 180 bilhões).

Receitas extras e déficit zero

Como mostrou a Folha, o governo incluiu R$ 168 bilhões em medidas para elevar a arrecadação e, assim, conseguir entregar o Orçamento dentro da meta fiscal de zerar o déficit em 2024. As medidas ainda precisam da aprovação do Congresso ou implementação pelo Executivo.

As iniciativas para elevar a arrecadação estão divididas em três pilares.

O primeiro é o de recomposição da base fiscal e correção de distorções, com duas ações. Uma é o projeto de lei que muda as regras de julgamentos de conflitos tributários no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). A expectativa do governo é arrecadar R$ 54,7 bilhões, valor que estará na proposta de Orçamento de 2024.

A outra ação é a MP (medida provisória) que vai regulamentar a decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) sobre a tributação de benefícios fiscais do ICMS.

A equipe econômica espera obter R$ 35,3 bilhões, o que inclui apenas o fluxo futuro de receitas, sem contabilizar a solução para o estoque do que não foi pago devidamente pelas companhias em anos anteriores.

O segundo pilar trata de isonomia tributária e enfrentamento a abusos. Nesse grupo de medidas estão a MP para taxar fundos exclusivos de investimento no Brasil e o projeto de lei, com urgência constitucional, para tributar os fundos e recursos offshore (mantidos em paraísos fiscais fora do país).

Os dois atos foram editados por Lula na segunda-feira (28). A expectativa é arrecadar R$ 13,3 bilhões com fundos exclusivos e R$ 7,05 bilhões com offshores no ano que vem.

O governo, porém, admite que o valor final das receitas com fundos exclusivos pode ficar menor em meio às negociações com o Congresso.

Uma terceira medida do eixo de isonomia tributária é o fim do JCP (Juros sobre Capital Próprio), uma forma alternativa de uma empresa remunerar seus acionistas recolhendo menos tributos. A avaliação do governo é de que o uso do mecanismo foi desvirtuado, o que justifica sua extinção.

O governo prevê no Orçamento obter R$ 10,5 bilhões com o fim do JCP. Essa fonte de arrecadação, no entanto, é uma das mais incertas dentro do pacote, já que o debate é considerado pouco maduro pela equipe econômica.

O terceiro eixo é uma demanda das próprias empresas e consiste no que o governo tem chamado de uma melhora no relacionamento com a administração tributária federal.

O governo vai colocar em prática novas modalidades de transação tributária —uma espécie de renegociação de dívidas de contribuintes sob condições mais atrativas, com possibilidade de descontos— ainda não exploradas pelo Executivo.

Uma delas será executada pela PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) e vai oferecer negociação para contribuintes resolverem disputas envolvendo grandes teses do Judiciário. O governo prevê arrecadar R$ 12,1 bilhões com essa iniciativa.

O governo também vai explorar o instrumento da transação tributária no âmbito da Receita Federal. A proposta de Orçamento vai incluir cerca de R$ 31 bilhões com essas negociações .

O Orçamento também prevê receitas com outras medidas, como a regulamentação de apostas esportivas. Uma MP e um projeto de lei já foram enviados ao Congresso Nacional. A expectativa é arrecadar R$ 728 milhões com a tributação das apostas e outros R$ 918,7 milhões com taxas ligadas à atividade.

O governo prevê ainda arrecadar R$ 2,86 bilhões com o aumento de fiscalização das compras de mercadorias internacionais, o que inclui iniciativas como o Remessa Conforme.

O programa prevê isenção do imposto de importação para compras de até US$ 50 para as empresas que possuem certificação. Para remessas acima desse valor (incluindo frete e outros encargos), é cobrada uma alíquota de 60%.

Apesar da meta fiscal de déficit zero, o resultado primário previsto, em números absolutos, é um superávit de R$ 2,84 bilhões nas contas do governo central, que compreende o Tesouro Nacional, o Banco Central e a Previdência Social. Essa cifra atende à meta fiscal, uma vez que o valor corresponde a 0% do PIB (Produto Interno Bruto).

A proposta de Orçamento não prevê reajuste em 2024 para o Bolsa Família, principal vitrine social do governo Lula, como antecipou a Folha. No documento, foram reservados R$ 169,47 bilhões para o programa de transferência de renda no ano que vem.

Uma eventual elevação do montante destinado para o Bolsa Família no próximo ano vai depender da revisão do Cadastro Único e da atualização da base de dados do programa. Esses processos ainda estão sendo conduzidos pelo governo.

O governo também não previu recursos para corrigir a tabela do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física) no ano que vem. Segundo os técnicos, o tema será discutido futuramente.

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