Descrição de chapéu Financial Times

Ex-CEOs recorrem a coaches para se adaptar à rotina após aposentadoria

Profissionais estão intervindo para ajudar os executivos a descobrir o que fazer quando começar o descanso

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Oliver Balch
Financial Times

Treze meses após sua aposentadoria, Mark Cutifani se sente mais em forma e mais à vontade do que nunca. O ex-executivo-chefe da mineradora Anglo American está finalmente aproveitando a oportunidade para tirar o pé do acelerador.

Não que ele tenha desacelerado muito. Quando não está visitando sua casa de férias na Toscana ou fazendo exercícios diários, gasta seu tempo apoiando várias empresas ligadas à transição energética de baixo consumo de carbono.

"Um dos meus bons amigos me disse: 'Você deveria ter um hobby, porque ainda está trabalhando'", lembra o homem de 65 anos. "Eu disse: 'Bem, eu gosto do que faço, portanto é meu hobby'."

Desenho mostra mulher sentado em uma cadeira de escritório em frente a uma mesa com um computador. Há uma mala no chão ao lado da mesa. A personagem aponta um papel com a logo do INSS para frente.
ilustraçao sobre aposentadoria

Cutifani teve sorte. Ao contrário de muitos executivos-chefes, ele deixou o cargo em boas condições no momento de sua própria escolha e, mais importante, com uma noção clara do que queria fazer a seguir. Ele planejava "trabalhar em projetos nos quais acredito, com pessoas de quem gosto... [para] dar uma contribuição mais social".

Muitas vezes a história é outra. Acostumados a estar no centro da ação –com batalhas na sala de reuniões, entrevistas na televisão e convites VIP para Davos–, os CEOs que se aposentam podem se sentir perdidos e "sem rumo", segundo Bill George, coach de executivos e ex-diretor da Medtronic, empresa global de tecnologia de saúde. Em um artigo na Harvard Business Review em 2019, George admitiu que deixar um emprego exaustivo que ocupa de 70 a 80 horas por semana pode parecer "como cair de um penhasco".

Mas ele insiste que não precisa ser assim. "Deve haver mais na vida quando você se aposenta do que apenas jogar golfe", reflete George. "No mínimo, é uma tragédia porque são pessoas com um enorme talento."

Richard FitzGerald concorda. Ex-CEO do clube de futebol Aston Villa, ele deixou o cargo principal na empresa britânica de gerenciamento de direitos televisivos Racecourse Media Group em 2020.

Funcionou bem para ele –agora joga golfe, passando os meses de inverno aprimorando seu jogo na África do Sul, mas também se tornou um grande investidor em start-ups relacionadas a esportes.

No entanto, ele admite que sua única certeza real ao deixar a sala de reuniões foi sobre o que não queria fazer: chega de estresse, chega de agenda sobrecarregada e chega de trabalhar todas as horas. "Eu senti que estava cansado e era hora de... de modo geral, dar um passo para trás, embora eu ache que nenhum de nós sabe realmente o que significa recuar."

Ajuda para se adaptar

Uma rede pequena, mas crescente, de coaches de executivos especializados em ajudar CEOs a descobrir o que fazer após o início da aposentadoria está à disposição.

Muitas vezes esses treinadores já trabalhavam com um determinado líder empresarial antes. Cada vez mais, entretanto, uma oferta de coaching pessoal vem como parte –embora menor– do processo formal de sucessão numa empresa.

Como chefe da consultoria global Kearney, Paul Laudicina estava sujeito a um mandato máximo de seis anos. Um ano antes de sua saída obrigatória, ele nomeou a empresa de recrutamento americana Korn Ferry para ajudá-lo e a sua equipe principal a se preparar para a transição.

O processo incluiu reuniões com um coach privado, durante as quais Laudicina teve de redigir uma "declaração de propósito" pessoal. O resultado foi uma máxima que soava muito como consultoria: "Eu para o Terceiro Poder" –uma forma elaborada de dizer que queria ajudar outros executivos a causar mais impacto.

O homem de 73 anos, que se mudou de Washington D.C. para Santa Fe, no Novo México, quando se aposentou em 2012, desde então escreveu vários livros de administração e lançou um podcast de sucesso. Ele atua no Conselho de Exportação do presidente dos EUA, Joe Biden.

"Deixar o cargo de executivo-chefe parece ser fácil; você simplesmente sai, fecha a porta e partiu... mas, a menos que você seja muito intencional e determinado sobre o que virá a seguir, pode ser extremamente difícil", observa ele.

Apenas diga não

Janet Feldman, ex-treinadora de Laudicina na Korn Ferry, visa ajudar os clientes a encontrar seu próximo desafio, fazendo perguntas abertas como: "O que lhe dá realização? Como você imagina o seu legado? Quais relacionamentos você mais valoriza?"

Um dos benefícios mais imediatos desse exercício é saber quando dizer "não", observa ela. A menos que um CEO saia numa situação muito obscura, a maioria enfrenta um excesso de ofertas assim que a notícia de sua saída é divulgada. Convites para atuar como membro não executivo de conselhos, dar palestras em uma escola de administração ou oferecer consultoria são típicos.

A tentação de pular no que quer que seja oferecido pode ser forte, acrescenta Feldman.

Parte disso se resume ao desejo de permanecer ativo e engajado –a idade média dos CEOs que saem das empresas S&P 500 era de 62,6 anos em 2022, portanto, há muito tempo para uma nova função. Mas aceitar posições de destaque também pode representar um esforço para recuperar o status pessoal, alerta ela.

"Muito de sua identidade está ligada a seus papéis, então aposentar-se é uma grande mudança. Quando as pessoas perguntam: 'O que você faz?', você continua a dizer: 'Sou o ex-CEO da empresa X?'."

O coach de executivos americano Mark Thompson notou uma tendência semelhante entre os líderes empresariais que estão se aposentando. Dizer "sim" com muita frequência não apenas balcanizará seu diário, diz ele, como também poderá impedi-los de ter espaço para aceitar uma oportunidade melhor.

"A questão não é tentar encontrar algo significativo para fazer. A questão é encontrar algo que seja o mais significativo", diz ele.

Janet Harvey, outra coach de executivos dos EUA, aconselha os CEOs que estão saindo a reservar de seis a 12 meses para "descomprimir" –a maioria está mais estressada do que imagina, acrescenta ela. Reconecte-se com a família e os amigos, tire um tempo para viajar, explore novos hobbies; e evite assumir compromissos de longo prazo, ela aconselha.

"A maioria [dos CEOs que estão se aposentando] refletiu para resolver problemas, mas raramente passou o tempo fazendo perguntas mais existenciais [do tipo] 'Como tive o privilégio de fazer o que fiz durante 25, 35, 40 anos?' e 'Quem sou eu se não sou esta identidade?'"

Conexões familiares

Como presidente da Chief Executive Alliance, uma rede de líderes corporativos apenas para convidados, Thompson organiza sessões de discussão privadas para pequenos grupos de executivos seniores e diz que eles rapidamente assumem um rumo pessoal.

"Às vezes acabamos entrando em conversas sobre a maior complexidade da vida, como: 'O que vou fazer com meu parceiro da vida toda?', 'Como vou me relacionar com meu cônjuge?', 'Que diabos está acontecendo com nossos filhos?'"

A maioria dos coaches pressiona para que os CEOs tenham seus parceiros de vida junto com eles ao falar sobre o que virá a seguir. O programa Korn Ferry, por exemplo, inclui um intensivo de residência de três dias para o qual os CEOs e seus parceiros são convidados.

Para alguns cônjuges, a perspectiva de seu parceiro passar menos tempo no escritório pode ser fonte de considerável inquietação, observa Feldman. "Eu me casei com ele/ela para o bem ou para o mal, mas não para o almoço", diz uma piada frequentemente citada.

Para outros, a aposentadoria pode representar uma oportunidade valiosa de passar mais tempo juntos, ou permitir que o parceiro siga sua própria carreira ou paixão particular há muito tempo suspensa.

"Reunimos as duas partes para falar sobre relacionamentos significativos e o tempo que ambos querem gastar em coisas como viajar e ver seus filhos."

No caso de Cutifani, não precisou de um treinador para aconselhar que sua mulher era "muito independente" e que a ideia de ele passar o dia todo em casa "a horroriza". Felizmente, os bloqueios da Covid permitiram que eles praticassem o que estava por vir. Além disso, ela é uma entusiasta do fitness, diz ele. "Então ela me pôs para trabalhar nisso."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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