Descrição de chapéu mudança climática China

Crise climática vai abaixar nota de crédito de países e aumentar custo da dívida, diz estudo

Fracasso global em reduzir emissões piora rating de ao menos 59 países já na próxima década; no pior cenário, Brasil teria custo adicional de R$ 1,9 bilhão por ano com juros

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Um fracasso global em reduzir as emissões de carbono será responsável por uma onda de rebaixamento em notas de crédito soberano já na próxima década, provocando um aumento nos custos da dívida em pelos menos 59 países.

É o que indica um estudo conduzido pela Universidade de Cambridge e pela UEA (Universidade de East Anglia), ambas no Reino Unido. Finalizado em 2021, o trabalho foi publicado nesta segunda-feira (7), na revista Management Science.

Os pesquisadores propõem um sistema de rating ajustado ao clima considerando vários cenários de aquecimento global e cumprimento de metas ambientais.

De acordo com o modelo, China, Índia, Estados Unidos e Canadá vão precisar desembolsar mais em seus serviços de dívida já em 2030. O Brasil aparece na lista de rebaixados na previsão mais pessimista para 2100. O país teria classificação piorada em 1,57 grau, numa escala que varia de 1 a 20. Isso levaria a pagamento de juros anuais adicionais de até US$ 1,9 bilhão (R$ 9,3 bilhões na cotação de hoje), segundo os autores.

Imagem mostra fumaça saindo de chama de fogo
Fumaça em refinaria de petróleo em Lanzhou, na China - Stringer - 31.mai.07/Reuters

O estudo treinou modelos de inteligência artificial nas classificações existentes da S&P Global, uma das principais agências de rating do mundo. Em seguida, combinou isso com modelos econômicos climáticos e as próprias avaliações de risco de desastres naturais da S&P para criar novas classificações para vários cenários climáticos.

Um dos cenários avaliados considerou a ausência de políticas climáticas, com as emissões aumentando continuamente. Dentro dessa circunstância (chamada de RCP 8.5), haveria rebaixamento na nota de 59 países soberanos em 2030.

A título de comparação, 48 nações sofreram rebaixamentos entre janeiro de 2020 e fevereiro de 2021 durante a pandemia de Covid-19.

Projetando o mesmo cenário para 2100, 81 países teriam suas notas de crédito rebaixadas. Os mais afetados em termos de variação seriam Chile, China, Eslováquia, Malásia, México, Índia e Peru, todos com perdas superiores a cinco graus na classificação.

A pedido da Folha, Patrycja Klusak e Matt Burke, pesquisadores que assinam o estudo, destacaram os valores referentes ao Brasil.

Num cenário otimista, em que as emissões são controladas, o país não deve sofrer rebaixamentos consideráveis. Segundo Burke, isso ocorre em parte porque o Brasil já está em uma categoria baixa de grau especulativo.

Contudo, no cenário pessimista, o país sofrerá um rebaixamento de quase 1 grau até 2050, aumentando o pagamento anual de juros da dívida em até US$ 910 milhões.

"A situação piora quando horizontes mais longos são considerados. Estima-se que em 2070 a classificação do Brasil cairá 1,39 grau, enquanto em 2100 cairá 1,57. Este último resultará em pagamentos de juros anuais adicionais de US$ 1,3 bilhão a US$ 1,9 bilhão", diz Burke.

O estudo também calculou o efeito dos "downgrades" (rebaixamentos) induzidos pelo clima sobre o custo da dívida soberana. Isto é, o acréscimo nos pagamentos anuais de juros devido à piora na nota de crédito.

Em toda a amostra, a crise climática pode aumentar os pagamentos anuais em US$ 45 bilhões (no cenário otimista), chegando a US$ 203 bilhões (no pessimista).

O problema também chegaria às empresas, que teriam custos adicionais entre US$ 10 bilhões e US$ 62 bilhões.

"Nossos resultados sustentam a ideia de que adiar investimentos verdes aumentará os custos de empréstimos para os países, o que se traduzirá em custos mais altos de dívida corporativa", disse a pesquisadora Patrycja Klusak à agência Reuters.

Segundo os autores, os mercados precisam de informações confiáveis sobre como as mudanças climáticas se traduzem em riscos materiais.

Embora as agências de classificação de crédito reconheçam a vulnerabilidade das economias às mudanças climáticas, até agora elas têm sido cautelosas ao quantificar esses riscos em seus exercícios de recomendação por causa das incertezas sobre a provável extensão dos danos.

O aumento dos custos da dívida seria apenas uma faceta extra do dano econômico geral que as mudanças climáticas já estão causando. A gigante dos seguros Allianz estima que as recentes ondas de calor já teriam reduzido 0,6% da produção global neste ano.

Os pesquisadores abrem o artigo dizendo que as mudanças climáticas são "a maior falha de mercado que o mundo já viu", com amplas implicações para a estabilidade financeira, econômica, política, social e ambiental.

"Os principais modelos de economia climática estimam perdas econômicas decorrentes das mudanças climáticas entre 2% e 22% do PIB global até 2100", diz o estudo.

Grandes inundações, tempestades e incêndios, por exemplo, têm impactos em diversos setores, influenciando o desempenho da economia —e consequentemente do risco do país.

Como mostrou a Folha, enquanto projetos de adaptação são raros, o clima já ameaça agro, portos e até internet.

Mas as ameaças climáticas vão muito além de perdas na produção agregada. Há consequências no âmbito do consumo (incluindo boicotes, protestos, e perdas de reputação), riscos de transição (regulamentações e encalhamento de ativos) e riscos de litígio (ações judiciais por danos ambientais, por exemplo).

Segundo o estudo das universidades do Reino Unido, há estimativas de que o "valor climático em risco" dos ativos globais chega a US$ 2,5 trilhões.

A escolha por traduzir os impactos financeiros por meio da nota de crédito soberano, dizem os autores, foi motivada pela facilidade com que esses indicadores são interpretados por investidores, instituições financeiras e reguladores.

Gestores de ativos, inclusive, vinculam decisões às classificações e podem ser obrigados a retirar determinado investimento após uma nota cair para um nível específico.

Além disso, as classificações soberanas atuariam como "guardiões" para os mercados globais, influenciando significativamente o custo e a alocação de capital entre os países.

"Os rebaixamentos soberanos aumentam o custo da dívida pública e privada, influenciando o desempenho econômico geral e com implicações potencialmente significativas para os negócios em todos os setores", diz o estudo.

Cumprir meta ambiental neutraliza perdas

No entanto, o cenário apocalíptico para a economia global pode ser amenizado caso o mundo consiga cumprir a meta do Acordo de Paris de manter o aquecimento bem abaixo dos 2ºC na comparação com os níveis pré-industriais.

Autoridades climáticas vêm repetindo que a janela para chegar a esse objetivo está praticamente fechada, mas que ainda há tempo —caso os esforços sejam coordenados e imediatos.

"Nossos dados sugerem fortemente que uma política climática rigorosa consistente com o Acordo Climático de Paris resultará em mudanças mínimas no perfil de classificação atual", dizem os autores.

De acordo com o modelo proposto, esse cenário otimista está associado apenas a pequenos rebaixamentos na maior parte do mundo. Alguns países, inclusive, (como Argentina, Iraque e Equador) chegam a receber melhoras na nota de crédito.

"Não há vencedor", disse Klusak em entrevista à agência Reuters.

As descobertas surgem no momento em os reguladores de todo o mundo procuram entender melhor quanto dano às economias e ao sistema financeiro global esperar das mudanças climáticas. Um documento do Banco Central Europeu no ano passado pediu maior clareza sobre como esses riscos estavam sendo incorporados às classificações de crédito.

No Brasil, o Banco Central passou a exigir que as instituições financeiras passem a incorporar à sua política de gerenciamento de riscos potenciais perdas com questões relacionadas às mudanças climáticas.

Com Reuters

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.