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'Nunca tive medo de ouvir um não', diz empresário que começou limpando túmulos

Clóvis Souza, 53, começou limpando túmulos no cemitério; hoje tem o maior e-commerce de flores da América Latina

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São Paulo

Sou filho de uma mãe solo, não conheci meu pai. Comecei a trabalhar bem cedo, aos 8 anos, para ajudar em casa. A gente morava em frente ao cemitério da Quarta Parada, na zona norte de São Paulo. Perto de Dia das Mães, Finados, o pessoal ia para ver como estava o túmulo. Eu me oferecia para limpar, pintar os santinhos. Foi uma maneira que encontrei de arranjar algum dinheiro, sempre fui muito independente.

Quando fiz 10 anos, minha mãe, que trabalhava em uma creche, ficava preocupada de me ver na rua depois da escola. Pediu que a dona de uma floricultura, que ficava em frente ao cemitério, arrumasse um trabalho para mim. Foi lá que eu comecei a fazer arranjos de flores, coroas, buquês. Aprendi muito.

Fiquei nessa floricultura até os 17 anos. Mas percebi que poderia ganhar mais se trabalhasse para mais gente ao mesmo tempo. Então saí e comecei a oferecer meus serviços para três floriculturas diferentes.

homem branco de camisa azul mexe em arranjo de flores
Clóvis Souza, dono da Giuliana Flores, a maior operação de comércio eletrônico de flores da América Latina. - Karime Xavier/Folhapress

Um dia, quando voltava do trabalho, não consegui chegar em casa. Uma enchente tinha levado tudo que a gente tinha. Nessa época, a gente morava em São Caetano do Sul (SP), no bairro Fundação. Minha mãe já era casada e eu tinha três irmãos –Juliano, Michelle e Jefferson, que hoje trabalham comigo. Foi em 1986, a maior enchente da história da cidade.

Prometi para a minha mãe que um dia iria comprar uma casa para ela.

Depois da enchente, fomos morar nos fundos de uma igreja. Era engraçado, porque eu chegava à noite do trabalho e às vezes estava tendo velório. Tinha que passar no meio da cerimônia para chegar na minha casa improvisada, que era um quarto, sala e cozinha para três adultos e três crianças.

Quando eu tinha 20 anos, em 1990, surgiu a oportunidade de alugar a loja de um amigo. Pedi que ele fizesse um aluguel camarada. Lá instalei a minha floricultura. Eu comprava as flores, fazia os arranjos, deixava a minha namorada na época, a Giuliana, cuidando da loja, enquanto eu fazia o meu tour pelas três floriculturas onde trabalhava, eram uns 40 arranjos por dia. Não podia largar os empregos, tinha que garantir o dinheiro do aluguel.

A mãe da Giuliana, a Ivana, foi a minha sócia no começo do negócio, que acabou ficando com o nome da filha até hoje.

Naquela época, tinha uma Variant 1972. Ia ao Ceagesp comprar flores de madrugada. Mas na volta, a bobina da Variant esquentava e eu precisava parar na rodovia Bandeirantes, tirar todas as flores do porta-malas e colocar um pano para a bobina esfriar... Demorava mais ou menos uma hora nisso.

Aos 22 anos, eu consegui juntar um dinheiro e fui procurar uma casa para a minha mãe. A gente ainda estava morando nos fundos da igreja. Ela viu um sobrado e gostou. Eu só tinha metade do dinheiro e falei para o dono: 'Olha, consigo pagar metade agora e a outra metade em 12 vezes'. Ele recusou, disse que já tinha uma oferta. Mas dois dias depois me ligou, perguntando se a proposta ainda estava de pé. Conseguimos o sobrado!

Naquela época, eu fazia panfletagem, distribuía folhetos da Giuliana Flores pela cidade inteira. Até que, no ano 2000, eu vi um catálogo virtual. Achei aquilo maravilhoso, porque não precisaria mais gastar dinheiro com folhetos. Era fazer um site e expor os produtos, ninguém falava de venda pela internet ainda.

Mas doce ilusão: como as pessoas iam descobrir meu site? Eu tinha que continuar panfletando. Um dia, recebi uma fatura do Bradesco com um folheto de alguma empresa. Naquela época, já tinha uma assistente. Pedi para ela ligar no banco, onde eu era cliente há muito tempo, e saber como a gente poderia colocar o nosso folhetinho na fatura deles também.

Falei com um, falei com outro e acabei fechando o negócio pelo telefone. Ainda bem, porque se eles viessem numa lojinha de 22 metros quadrados, não iam sentir firmeza. Consegui atingir a cidade inteira e com o respaldo de uma marca forte, o Bradesco. Foi a partir daí que a Giuliana Flores começou a crescer.

Nunca fiquei com medo de chegar junto deles e perguntar se era possível, na vida você não pode ter medo de ouvir não.

Hoje tenho uma filha de 8 anos e um filho de 1,5 ano, frutos do meu terceiro casamento. Ensino a ela o valor das coisas. Para cada presente ou roupa que entra, alguma coisa sai para doação. Quero que ela comece a trabalhar aqui, fazendo algum arranjo, um dia por semana, a partir dos 10 anos. Para ela entender o valor do trabalho. E da família também: todos os meus irmãos trabalham aqui comigo, meu sobrinho. Eu só cresci porque minha família me apoiou.

Nunca fiquei deslumbrado com dinheiro. Sei que posso comprar, por exemplo, uma calça de R$ 3.000. Mas para quê? O bom de ter grana é olhar para alguma coisa, saber que pode comprar, mas dizer: não preciso.

Depoimento a Daniele Madureira

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