Descrição de chapéu tiktok

Sorteio, show, desfile: vale tudo para vender ao vivo nas redes sociais

Na China, live shopping deve movimentar R$ 3 trilhões neste ano; TikTok deve lançar botão 'comprar' no Brasil

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São Paulo

Jéssica Andrade, 26, tinha um problema ao final de março. Uma pequena parte da coleção da sua marca de roupas fitness Hílare estava encalhada.

Ela precisava bater a sua própria meta de vendas —além de criadora, ela é a "faz-tudo da marca": compra os tecidos, contrata designer de estampas, modelista, costureira e divulga os produtos nas redes sociais.

Decidiu usar o Instagram para fazer um live shopping, ou vendas ao vivo, chamando as seguidoras da Hílare e as clientes cadastradas no site da marca.

"Consegui vender em uma noite o que eu venderia em um mês", diz Jéssica, uma advogada de São Vicente, no litoral paulista, que decidiu empreender no mercado fitness depois da pandemia.

Duas mulheres gravam uma cena diante de um celular
Jéssica Andrade (à esq.) e uma amiga durante uma das lives da marca de moda fitness Hílare - Divulgação

Ela não se limitou a ligar a câmera e oferecer os produtos, mas fez dos 90 minutos da live um entretenimento: fechou parcerias com outros fornecedores, como extensionista de cílios, clínica de depilação a laser, hamburgueria, de quem fez propaganda, e sorteou cupons entre os cerca de cem seguidores que acompanharam a transmissão do início ao fim. A live atingiu quase 300 pessoas simultaneamente.

"Eu me senti o Faustão", brinca. "Fazia tudo isso nos intervalos das trocas de roupas das modelos", diz Jéssica, que contou com amigas para desfilar as peças diante da câmera.

"Se pudesse, faria lives com mais frequência, mas é difícil para quem tem de organizar tudo sozinha", diz ela, que também aproveitou o evento ao vivo para apresentar (e vender) a nova coleção, que ainda nem tinha ido para o site.

O exemplo de Jéssica ilustra o quanto os live shopping, também chamados de live commerce, estão se disseminando entre pequenos empreendedores.

Além das grandes marcas que começaram a utilizar a ferramenta na pandemia, como Samsung e Natura, a estratégia de promover vendas ao vivo pelas redes sociais vem se consolidando entre os pequenos varejistas, mesmo com a abertura das lojas físicas.

"É uma evolução natural do comércio eletrônico", diz João Ramirez, professor de trade marketing da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing). "Para além de um catálogo digital, com foto, preço e descrição do produto, o público volta a contar com a figura do vendedor ao vivo, com quem pode barganhar o valor do serviço ou da mercadoria e ainda tirar suas dúvidas sobre o que está comprando."

A ferramenta já é uma febre na China, onde a popularização deste conteúdo se deu por aplicativos como WeChat (o WhatsApp local) e Douyin (o TikTok chinês).

"A cada cinco compras na China, uma é por live shopping", diz Ramirez, que também é CEO da Live Cake, que apoia grandes empresas na produção de live shopping.

Segundo a empresa americana de pesquisas de mercado e-Marketer/Insider Intelligence, só na China, o live shopping deve superar os US$ 623 bilhões (R$ 3 trilhões) de faturamento neste ano, uma alta de 30% sobre 2022, o que vai representar 19,4% das vendas totais na internet.

Durante a transmissão, os clientes podem conhecer melhor os produtos, tirar dúvidas no chat, ganhar descontos e comprar do próprio celular.

Nas produções mais sofisticadas, como as da Samsung, que promove três lives por semana, o consumidor se depara com um QR code na tela, que o leva direto para a plataforma de vendas.

Mas os pequenos varejistas empregam alternativas mais modestas. "Eu anoto o nome das pessoas, o que elas querem e por qual preço, e no dia seguinte à live entro em contato com elas", diz Jéssica, da Hílare.

Já Márcia Garbin, dona da Gelato Boutique, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, prepara-se para realizar a sua primeira live para venda de sorvetes no mês que vem.

"Vamos vender vouchers para resgatar em loja", diz a empresária, que também presta consultoria para quem quer montar sorveterias. A ideia é promover as lives pelo YouTube e pelo Instagram.

"Eu acho que a live tem um efeito positivo também na divulgação: mesmo quem não compra o produto na hora pode ficar curioso e querer conhecer a marca pessoalmente", diz Márcia.

TikTok Shop promete compras sem sair da rede social

De acordo com João Ramirez, a grande expectativa é pelo lançamento no Brasil do botão "comprar" do TikTok.

"Quando o público brasileiro, que é um dos que mais consomem redes sociais no mundo, puder ver o produto ou serviço sendo exibido e simplesmente colocar no carrinho, sem sair do aplicativo, vai ser uma revolução, as compras vão disparar", afirma. "A geração Z, que só consome vídeo, vai comprar assim."

Quando o público brasileiro, que é um dos que mais consomem redes sociais no mundo, puder ver o produto ou serviço sendo exibido e simplesmente colocar no carrinho, sem sair do aplicativo, vai ser uma revolução, as compras vão disparar. A geração Z, que só consome vídeo, vai comprar assim

João Ramirez

professor de trade marketing da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing)

Questionada pela Folha sobre os planos de lançar o seu modelo de compras ao vivo (o TikTok Shop) no país, a rede social controlada pela ByteDance respondeu, por meio da sua assessoria de imprensa, que "está sempre explorando oportunidades no mercado para atender melhor a comunidade TikTok."

A ByteDance, dona do chinês Douyin, lançou o TikTok Shop no Reino Unido em 2021, o seu primeiro mercado fora da Ásia, e neste mês promove a sua estreia nos Estados Unidos.

O serviço permite que marcas e influenciadores instalem links em vídeos para compra de produtos ou transmitam ao vivo para vender produtos que podem ser adquiridos com o aplicativo.

Mas, de acordo com o jornal inglês Financial Times, o serviço não obteve tanto sucesso quanto na China. Daí a empresa, que estaria pronta para lançar o TikTok Shop no Brasil neste semestre, decidiu recrutar esforços para consolidar o serviço no Reino Unido e nos Estados Unidos.

Em outros países da Ásia, como Indonésia, Filipinas, Malásia, Singapura e Vietnã, o modelo de compras ao vivo do TikTok vai bem.

homem branco de camiseta preta segura pote azul
Rafael Di Cessa Iacovella ensina como usar tinta acrílica em live na sua loja na Shopee - Divulgação

Antes que o TikTok Shop chegue ao Brasil, a também asiática Shopee, que se tornou o aplicativo de compras mais baixado pelos brasileiros, pretende demarcar território nas vendas ao vivo pela internet.

A empresa está investindo alto nos live shopping: dos atuais 3.000 lojistas ("sellers") habilitados e treinados para usar a ferramenta, a plataforma quer chegar, no mínimo, a 200 mil até o fim do ano. Quanto mais os sellers venderem, maior a comissão da Shopee.

"A frente de live commerce é uma prioridade para a Shopee", diz Rodrigo Farah, gerente de marca da Shopee no Brasil. "Vamos preparar centenas de milhares de sellers para usar a ferramenta". Hoje, a empresa conta com cerca de 3 milhões de sellers no país.

A Shopee realiza entre duas e três lives por semana em seu estúdio, em São Paulo, com celebridades e influenciadores, para promover marcas de grandes anunciantes, como Nivea, L'Oréal e Pão de Açúcar. São eventos com direito a shows ao vivo.

Mas, fora isso, tem capacitado os lojistas cadastrados na plataforma para fazer suas próprias lives, atraindo o público para os eventos por meio das redes sociais.

"O seller pode promover cupons, fazer sorteios, fazer enquetes e propor desafios ao público, que consegue acumular moedinhas da Shopee que rendem descontos", diz Farah. "É uma troca genuína entre vendedor e consumidor, que reforça o senso de comunidade."

De acordo com o executivo, existem casos em que os lojistas conseguem aumentar em 450% as vendas em dias de live (em comparação a dias sem a atração) e em 300% o número de pedidos.

Em todas as datas dobradas, como a do último dia 8 (8/8), a Shopee promove um dia especial de promoções. Foram mais de cem lives no dia, vendendo de tudo —de calças de ginástica a suplemento alimentar, passando por fones de ouvido com LED.

Esse formato contribui para mostrar ao consumidor os diferenciais de cada produto, destacando como usar cada recurso

Renato Shiratsu

diretor de marketing digital da loja online da Samsung Brasil

Para o consumidor, a chance de barganhar preço sem sair de casa

Rafael Di Cessa Iacovella era um dos sellers da Shopee promovendo os seus produtos em lives no último dia 8.

"As lives funcionam muito bem para a gente, porque é preciso tempo para ensinar como usar produtos como resina epóxi, borracha de silicone e pigmentos", diz Iacovella, que conta com três lojas físicas, na capital paulista e em Ubatuba (SP).

O empresário promove lives semanais que, segundo ele, contribuem para aumentar as vendas na plataforma em cerca de 10%, em comparação a um dia sem a ferramenta. Já chegou a atingir um público de 2.000 pessoas simultaneamente.

"É algo que ajuda também na divulgação: depois que começamos as lives, o número de inscrições no nosso canal no YouTube aumentou 2.000 por mês", diz ele, que conta com cerca de 360 mil inscritos.

Já para a multinacional coreana Samsung, as lives transmitidas no perfil da marca no YouTube, X (ex-Twitter), TikTok e Instagram servem para apresentar tanto ofertas quanto lançamentos.

"Esse formato contribui para mostrar ao consumidor os diferenciais de cada produto, destacando como usar cada recurso", diz Renato Shiratsu, diretor de marketing digital da loja online da Samsung Brasil.

Conduzidas por influenciadores, as lives da marca oferecem descontos, cupons, serviços adicionais e cashbacks.

Vanessa Dantas, que criou no YouTube o canal Bom Retiro ao Vivo para apresentar marcas do polo popular de moda de São Paulo a lojistas de diversos pontos do país, precisou reinventar o negócio com a pandemia.

"Passei a treinar donas de confecções, gerentes e vendedoras para fazer lives e vender seus produtos", diz ela, hoje executiva de marketing da Zax, uma plataforma de compra e venda de moda em atacado.

Segundo ela, é natural que a ferramenta esteja crescendo, mesmo com o fim das restrições e a volta das lojas físicas. "Na live, o público tem informação, entretenimento e está livre para decidir comprar ou não", diz ela. "É melhor do que sair para comprar na loja."

Mas uma eventual superoferta de lives não vai cansar o consumidor? Na opinião de Helena Andrade, gestora de projetos do Sebrae-SP, não.

"É uma ferramenta que traz humanização ao processo digital de vendas, melhorando a experiência do cliente", diz ela. "É possível interagir com a marca, gerar uma conexão com o empreendedor e se divertir".

Segundo estimativa do Sebrae-SP, a taxa de conversão dos live shopping gira entre 10% e 15% do público que assiste às atrações.

"É uma taxa alta porque incentiva a compra imediata, conseguindo um preço diferenciado do vendedor, ou conta com atrativos como sorteios e acesso a peças exclusivas, em primeira mão", afirma Helena.

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