Produtos 'premium' se espalham e vão de milho de pipoca a ralo para pia

Termo deveria indicar alta qualidade, mas é usado como estratégia de mercado, dizem especialistas

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São Paulo

Acostumado a analisar o comportamento de consumidores, o professor George Rossi, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP (Universidade de São Paulo), especialista no assunto e em marketing de produto, começa a rir com a informação de que existe ralo para pia em versão premium.

"Quando a sociedade começa a ter dinheiro, sempre vai ter gente disposta a pagar preço maior por qualidade maior", afirma.

O conceito "premium" não é novo entre as empresas. Mas a enxurrada de produtos diferentes que levam esta marca, sim.

Dezenas de pacotes de cafés em prateleiras de supermercado
Cafés nas prateleiras de um supermercado de São Paulo - Folhapress

Pesquisa em sites dos principais supermercados do país mostra milhares deles. No do Extra, são mais de 32 mil.

Se no passado, o nome era usado preferencialmente para alimentos, hoje em dia se expandiu e está em ração para cachorro, água com gás, colher para sorvete, milho de pipoca, cadeira dobrável, piscina de plástico, bicarbonato de sódio, batedeira, cômoda para o quarto. A lista é longa.

A percepção de algumas companhias é que, após a Covid-19, consumidores passaram a procurar produtos de maior qualidade. Aqueles que o possibilitassem replicar, de maneira rápida, fácil e em casa, o que estavam acostumados a comer na rua.

"Em 2022, lançamos a linha premium Kitano reserva em resposta às mudanças nas preferências dos consumidores em busca de sabores refinados e pratos personalizados. Estamos otimistas com o mercado premium. Temos percebido uma procura por produtos diferenciados, seja por um estímulo nas redes sociais, seja por maior disponibilidade e oferta de produtos. São lançamentos respaldados por pesquisas de comportamento social e o aumento do consumo de produtos premium respalda a estratégia", afirma Manoella Tarouco, gerente executiva de marketing da Kitano.

A empresa apostou nos últimos anos em artigos como sal rosa do Himalaia, mix de pimentas, mostarda em pó, páprica de diferentes sabores e pimenta-do-reino em embalagens com moedores de cerâmica.

Estudo da Nielsen define produtos "premium", na maioria dos casos, como aqueles que custam pelo menos 20% mais do que os "normais" da mesma categoria. Mas, segundo a consultoria, a percepção dos consumidores é que há outros atributos, como a alta qualidade, design da embalagem, a fama da marca e oferecimento de desempenho que não existe igual entre os concorrentes.

Há também outro componente: o desejo do consumidor de mostrar ser capaz de comprar um produto que, na teoria, é mais caro e melhor.

"O público se sente diferenciado. A marca premium remete à sofisticação e certa exclusividade. E a gente vê isso numa enxurrada de produtos, nas redes sociais, no WhatsApp. Ele diz: ‘Ter esse produto agora me faz diferente’. Igual quando lembramos de linha seleta, de cápsula de roupa. É o olhar de trabalhar com o lado emocional, a visão de que o premium não é para todos", avalia Diego Oliveira, especialista em marketing e professor do curso de administração da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).

O conceito descrito por Oliveira é usado pelas empresas. Mesmo que seja para produtos que o consumidor não está habituado a associar à alta classe.

A Original Line, que fabrica artigos de utilidades para o lar e uso pessoal, lançou cortador de pastel, colher para sorvete, ralo para pia, tesoura para frango, pincel de silicone e triturador de alho, entre outros. Todos premium.

Não há um estudo que compare a qualidade dos mesmos produtos que se denominam premium ou não premium. E a opinião do que é "qualidade" pode vir de uma percepção.

A diferença de preço pode ser significativa. O milho para pipoca Yoki, de 500 gramas, varia de R$ 9,70 (regular) para R$ 11,70 (premium). Mas há a "super premium" de 650 gramas por R$ 31,45. A água com gás Minalba pula de R$ 2,20 (normal) para R$ 6 na premium. O carvão vegetal Arco-Íris vai de R$ 39 para R$ 50,59.

Esses são todos artigos relacionados a alimentação, mas o mesmo vale para outros setores. Quem quiser um colete inflável infantil premium, terá de pagar R$ 32,30. O normal, sai por R$ 17.

O amor pelo carro pode ser provado pelo proprietário com a capa impermeável premium por R$ 99,90. A "regular" custa R$ 39,23.

A futura carreira de médico pode ganhar um plus com estetoscópio premium amador por R$ 25. O que não tem essa marca pode ser comprado por R$ 13.

"Você sempre tenta emular o comportamento das pessoas que têm melhor desempenho. E como se faz isso? Copia roupa, copia comportamento… Quando isso se traduz para produtos, faz-se a associação entre alta qualidade e alto preço, baixa qualidade e baixo preço, Uma característica do consumidor é sempre tentar pagar mais pelo produto. Mesmo que a maioria do público não tenha competência nem conhecimento para avaliar a qualidade deste produto. Uma razão é mostrar ao mundo que tem direito àquilo. É o comportamento de que ‘eu sou aquilo que consumo’", completa George Rossi.

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