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Azeite 'a preço de ouro' em Portugal leva a falsificações e até furto de azeitonas

Inflação de 94% desde início de 2022 mexe com hábitos de consumo de famílias e restaurantes

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Lisboa

Portugal vive uma disparada sem precedentes no preço do azeite. Uma garrafa de 750 ml da versão extra virgem custa agora em média 9,03 euros (R$ 47,56) para o consumidor final: um aumento de 94% em relação aos 4,65 euros (R$ 24,50) cobrados pela mesma embalagem no começo de 2022.

O encarecimento do produto, que é uma das estrelas da culinária lusitana, está mexendo com hábitos de consumo das famílias e já se reflete em alterações de receitas e "racionamento" de azeite em alguns restaurantes.

A valorização também impulsionou a criminalidade. Produtores relatam aumento dos furtos, tanto de azeitonas quanto da substância já processada. Autoridades sanitárias também têm alertado para a comercialização de azeite adulterado na internet.

Área de cultura de azeitona no Sul de Portugal
Área de cultura de azeitona no Sul de Portugal - Olivum/Divulgação

As fraudes incluem a mistura com outros óleos vegetais ou com azeite qualidade inferior à anunciada. Um dos golpes mais comuns é a venda, através de anúncios nas redes sociais, de óleo de baixa qualidade tingido com corante verde, falsamente anunciado como azeite de "produção artesanal e familiar".

A situação em Portugal é multifatorial, mas tem sido potencializada pela crise enfrentada na vizinha Espanha, maior produtor mundial do valioso líquido. Afetada pela seca, por ondas de calor e por incêndios florestais, a produção espanhola despencou. Com a queda na oferta, os preços se elevaram rapidamente.

Informações da plataforma Poolred, que reúne dados do mercado espanhol, indicam que o preço do quilo do azeite atingiu, no fim de agosto, 8,25 (R$ 43,49) euros por quilo junto aos produtores. Um ano antes, custava 3,87 euros (R$ 20,40).

Como se trata de uma commodity internacional, a situação na Espanha rapidamente se alastrou pelo globo, com reflexos sentidos desde os Estados Unidos até a Índia, onde o setor de restaurantes tem pressionado o governo pela redução de impostos sobre o produto.

"Ao contrário do que se possa pensar, o preço do azeite não é estabelecido pelos produtores. Trata-se de preços feitos em bolsa e Portugal acompanha os valores", diz Pedro Lopes, presidente da Olivum (Associação de Olivicultores do Sul de Portugal).

Além da redução da produção espanhola associada à seca, houve também quebras na safra em vários pontos da bacia do Mediterrâneo, o que "faz com que não haja azeite no mercado", segundo a entidade.

Além da escassez do produto, houve também o encarecimento da cadeia de produção, com aumento dos custos da energia e dos fertilizantes, bastante impactados pela guerra entre a Rússia e a Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022.

"No ano passado, o mercado foi abastecido por azeite que existia em estoque por conta da produção recorde de 2021, mas isso já que já acabou", diz o líder da associação de produtores. "Mais importante para a subida do preço do azeite foi o grande aumento dos fatores produção, como por exemplo o preço do diesel agrícola."

Azeitonas durante processo de produção de azeite em um lagar no Sul de Portugal
Azeitonas durante processo de produção de azeite em um lagar no Sul de Portugal - Olivum/Divulgação

Diante do cenário incerto, os portugueses tentam se adaptar. Temendo que a escalada inflacionária do produto continue, muitos têm estocado o máximo que podem.

Antes disponíveis em qualquer supermercado, as embalagens de 3 e de 5 litros praticamente desaparecem das prateleiras. De acordo com o Google Trends, plataforma que monitora padrões de buscas, o volume de pesquisas relacionadas a azeite e seus custos está em alta.

Proprietária de uma pequena mercearia no centro de Lisboa, a indiana Nivedita Devi diz que já reajustou o preço final do produto mais de dez vezes desde o começo do ano. "Eu já noto que o aumento do preço afasta alguns clientes. Tem gente que já substituiu o azeite por outros óleos, ou mesmo pela manteiga", detalha.

Embora reconheçam o cenário atual de adversidade, o investimento em tecnologia e na racionalização da produção e dos métodos de extração é a aposta dos portugueses para dar a volta por cima e retomar o bom resultado obtido em 2021, quando o país se tornou o sexto maior produtor mundial de azeite.

"No futuro, vamos conseguir ultrapassar o recorde alcançado na safra de 2021, devido ao aumento da área de olival moderno em sebe e porque temos muitos olivais novos, que só agora estão entrando em produção", diz Pedro Lopes, da Olivum.

Além de se prepararem para as intemperes climáticas, os produtores também lidam agora com o aumento da criminalidade que mira diretamente as oliveiras e os lagares (instalações onde o azeite é extraído).

Enquanto na Espanha e na Grécia já foram registrados roubos de milhares de litros de azeite, em Portugal o que tem chamado a atenção são os furtos de azeitonas, uma vez que boa parte do país já está em época de colheita.

"O roubo de azeitonas é um problema que afeta diversas partes interessadas ao longo da cadeia de produção e consumo. Falamos de um crime que destrói uma parte vital da nossa economia e cultura, e que prejudica a sustentabilidade do setor em Portugal", diz o líder da Associação de Olivicultores do Sul de Portugal.

Para tentar coibir a prática, que afeta principalmente os pequenos produtores, autoridades policiais têm reforçado a vigilância. Proprietários de olivais também têm se organizado para vigiar e denunciar situações suspeitas.

Enquanto isso, a Asae (Autoridade de Segurança Alimentar e Econômica) intensificou as operações de fiscalização contra azeite falsificado. As ações recentes desmantelaram quadrilhas que vendiam óleo vegetal como se fosse azeite extra virgem, mas, diante do preço alto do produto, as próprias autoridades reconhecem que o trabalho está só começando.

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste texto dizia, no título, que o preço do azeite levou a casos de roubos de azeitona em Portugal. O termo correto é furto. O texto foi corrigido.

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