Caminho para o net zero custará US$ 100 tri, mas é incerto como a conta será paga

Sem um imposto global sobre o carbono, atingir a neutralidade de emissões será politicamente caro

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Delphine Strauss Emma Agyemang
Financial Times

Na visão utópica dos compromissos net zero (neutralidade de carbono, quando há equilíbrio entre os gases de efeito estufa liberados e removidos) não haverá novos carros a gasolina nas ruas e estradas da União Europeia a partir de 2035. A indústria funcionará com hidrogênio verde, os parques eólicos vão zumbir em todo o mar do Norte, e as usinas solares levarão energia acessível a todos os africanos.

O FMI (Fundo Monetário Internacional) afirma que tudo isso pode ser alcançado sem sobrecarregar as finanças governamentais.

As estimativas apresentadas numa conferência recente sugerem que a cooperação em descarbonização poderá garantir que os países cumpram suas metas net zero a um custo econômico global de apenas 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) global esperado para 2030.

Trabalhador em construção de refinaria no em Olmeca, no México; países em desenvolvimento podem ter maior impacto na dívida pública ao abrir mão de receitas de combustíveis fósseis - Reuters

Para a maioria das nações, o impacto orçamentário seria positivo ou neutro no final desta década, embora algumas incorressem em perdas posteriores.

Segundo a previsão do fundo, chegar a zero emissões parece "totalmente exequível e surpreendentemente barato", disse Luis Garicano, professor da London School of Economics e ex-membro do Parlamento Europeu.

Mas há um problema. As estimativas do FMI pressupõem um acordo global para precificar ou tributar o carbono e redistribuir as receitas para o mundo em desenvolvimento, ao mesmo tempo que se eliminam os atuais subsídios a combustíveis fósseis.

A realidade das medidas adotadas pelos países para descarbonizar suas economias está muito distante de tais hipóteses.

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Menos de um quarto das emissões globais são atualmente cobertas por um imposto ou preço do carbono, enquanto os compromissos dos governos com metas verdes sofrem pressão crescente. "[O cenário do FMI] é desejável, mas simplesmente não está acontecendo", disse Jean Pisani-Ferry, professor da Sciences Po, na França.

A consequência, disse Helen Miller, vice-diretora do Instituto de Estudos Fiscais do Reino Unido, é que, quando se trata de atingir o net zero, os legisladores podem optar por soluções que sejam politicamente convenientes, mas economicamente menos eficientes.

"Em última análise, alcançaremos o net zero de uma forma mais dispendiosa", disse.

Segundo qualquer estimativa razoável, a escala de financiamento necessária para atingir o net zero é vasta. Em 2021, a Agência Internacional de Energia calculou que o investimento anual teria de aumentar de US$ 2 trilhões anuais (cerca de R$ 9,9 trilhões) para quase US$ 5 trilhões (cerca de R$ 24,9 trilhões), ou 2,5% do PIB global, até 2030. Ainda totalizaria US$ 4,5 trilhões (cerca de R$ 22,4 trilhões) em 2050.

Lorde Nicholas Stern, presidente do instituto Grantham da London School of Economics e ex-economista-chefe do Banco Mundial, estima que serão necessários mais US$ 3 trilhões (cerca de R$ 14,9 trilhões) por ano, totalizando US$ 100 trilhões (R$ 497,2 trilhões) ao longo de 30 ou 40 anos, para promover a energia renovável, eletrificar os sistemas de transporte, descarbonizar a climatização dos edifícios e promover o hidrogênio verde.

Os economistas concordam amplamente que a maior parte desse investimento precisa vir do setor privado. "Algumas estimativas sobre a transição das alterações climáticas situam-se na estratosfera", disse Mahmood Pradhan, chefe de macroeconomia global do Instituto Amundi. "As exigências de net zero são simplesmente altas demais [para virem apenas dos governos] —têm de vir do setor privado."

Mas os governos já estão gastando centenas de bilhões de dólares em incentivos e subsídios para empresas e famílias, em pesquisa e inovação e em infraestruturas públicas que vão de redes elétricas e defesas contra inundações até ciclovias.

Enquanto isso, as receitas provenientes dos impostos sobre o carbono –se conseguirem reduzir as emissões– podem não compensar a perda de receitas que os governos obtêm com os impostos sobre combustíveis.

"Mesmo que tenham sucesso –embora isso possa ser uma coisa boa por si só–, eles não vão arrecadar muito", disse Judith Freedman, professora de direito tributário na Universidade de Oxford.

A nova modelização da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), baseada numa combinação de políticas mais próximas da realidade atual, aponta para um custo fiscal superior às projeções do FMI. Em nível global, ela prevê que as receitas públicas líquidas diminuirão 0,4% do PIB em 2030 e 1,8% em 2050.

Os custos fiscais teriam variação entre as regiões, sendo menores onde os governos dependem mais da regulamentação para reduzir as emissões, e aumentando para 3,4% do PIB nas Américas, devido aos generosos subsídios dos EUA contidos em legislação como a Lei de Redução da Inflação.

"As pessoas devem levar em conta a escala da transformação necessária", disse Shardul Agrawala, chefe da divisão de ambiente e integração econômica da OCDE. "Não deveríamos apresentar as coisas como um almoço grátis."

Uma grande incerteza é se os investimentos verdes substituirão outros investimentos que poderiam, em curto prazo, fazer mais para aumentar a produtividade –ou se serão complementares, injetando energia em economias maduras que sofrem de um crescimento lento.

Stern argumentou que, embora existam desafios significativos em matéria de despesas públicas, os investimentos verdes serão amplamente recompensados ao longo do tempo –especialmente se forem contabilizados os ganhos em bem-estar, como uma melhor qualidade do ar, para as gerações futuras.

"Ainda vivemos num mundo onde a poupança planejada excede o investimento planejado", disse ele. "Esta é a história de crescimento do século 21."

No entanto, os poucos países que fizeram seus próprios cálculos sobre o custo provável da transição verde esperam um impacto maior do que o FMI.

O Gabinete de Responsabilidade Orçamentária do Reino Unido afirmou em 2021 que atingir o net zero acrescentaria 21% do PIB à dívida até 2050, com a perda do imposto sobre os combustíveis representando o maior custo individual.

Pisani-Ferry, que liderou um relatório recente para o governo francês, estimou que poderia acrescentar até 25 pontos percentuais do PIB à dívida pública até 2040.

Esse valor mais elevado se deve, em parte, ao fato de os contribuintes provavelmente suportarem uma parte maior dos custos num país onde o estado tradicionalmente desempenha um papel mais importante.

Pisani-Ferry também acha que os governos subestimaram até que ponto serão necessários para ajudar as famílias. Para os franceses de renda média, a instalação de um sistema de aquecimento mais ecológico custaria um ano de receitas, observou. "É demasiado supor que isso acontecerá sem um apoio público significativo".

"O mantra é nenhum empréstimo adicional, nenhuma tributação adicional", disse Pisani-Ferry. "Ainda não vejo como isso vai acontecer."

Sem novas fontes de receitas, os governos precisariam considerar se um maior endividamento público pode financiar a transição verde –uma grande questão, levando em conta os custos crescentes dos empréstimos e a necessidade de mais gastos em outras áreas, de defesa a aposentadorias e saúde, à medida que as populações envelhecem.

No entanto, a conta para atingir o net zero para conter ainda mais o aquecimento global deve ser resolvida, não importa quão grande seja. "A verdadeira métrica é: qual é o custo da inação?", disse Agrawala.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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