Empresa de Carlos Suarez pede R$ 1,2 bi para ligar térmicas contra seca no Norte

Área técnica da Aneel diz não ter informações suficientes sobre custos; entidades pedem ao MME para não ligar usinas

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Brasília

O alto custo para acionar as usinas Termonorte 1 e 2, em Porto Velho, estimado em R$ 1,2 bilhão por dois meses, virou foco de divergências entre entidades de consumidores e o MME (Ministério de Minas e Energia).

O valor gerou discussões até no órgão responsável por definir a operação dos empreendimentos, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Especialistas do setor afirmam que, se acionadas, elas vão ficar entre as mais caras do Brasil.

Para alimentar mais controvérsia, nesta segunda-feira (16), a hidrelétrica de Santo Antônio, que está justamente no rio Madeira, a 7 quilômetros da capital de Rondônia, voltou a operar. Diante desse cenário, o MME sinaliza que existe a possibilidade de revisão da medida.

Vista da Hidrelétrica Santo Antônio, localizada no rio Madeira, a sete quilômetros de Porto Velho (RO); usina volta a operar com melhora das condições hídricas na região - Santo Antônio Energia no Facebook

As duas usinas fazem parte dos ativos da Termo Norte Energia, grupo do empresário Carlos Suarez, que tem vários empreendimentos nesse setor, especialmente no segmento de gás.

A determinação para ligar essas térmicas foi aprovada em 4 de outubro em reunião do CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico) como alternativa para dar segurança ao abastecimento a Rondônia e Acre, diante da crise hídrica que afeta especialmente o rio Madeira naquela região.

A reunião foi presidida pelo secretário-executivo do MME, Efraim da Cruz. A decisão do CMSE foi recebida com constrangimento no mercado de energia.

Em outras ocasiões, Cruz apoiou medidas que eram do interesse de Suarez, como a inclusão no projeto de lei de privatização da Eletrobras da construção de 8 GW (gigawattes) de térmicas a gás em regiões distantes do centro de consumo. No entanto, ninguém nega a gravidade da seca nos rios da Amazônia.

As usinas estão desligadas e o processo para religar demanda uma série de procedimentos técnicos e legais. Uma delas, inclusive, estava sem outorga, a autorização para operar.

A Termo Norte Energia informou que precisa operar por 60 dias ininterruptamente e pediu um preço fechado para cobrir custos da operação com combustível de quase R$ 3.000 (megawatt-hora).

A empresa solicitou também para não participar do rateio de inadimplência do mercado de curto prazo no período, uma regra para quem opera, e que preferia ser liberada dos testes e não sofrer penalidades que venham a ocorrer no período.

Suarez não tem assessoria de imprensa. A reportagem conversou com o advogado do empresário, Roberto Podval, por mensagem de WhatsApp, para obter esclarecimentos sobre as demandas da Termo Norte Energia. Não houve envio de um posicionamento até a publicação deste texto.

Segundo especialistas do setor, por serem térmicas mais antigas e movidas a óleo diesel, elas são mais ineficientes e consomem mais combustível, o que explicaria o alto custo da proposta.

O preço nesses casos, no entanto, é calculado pela Aneel dentro de parâmetros previsto em uma portaria do MME. Trata-se de uma norma.

A área da Aneel responsável pelas análises, após inúmeras reuniões e trocas de documentos, detalhou em nota técnica que não tinha informações suficientes da empresa para validar uma análise direta dos custos apresentados.

O MME, no entanto, insistiu que os projetos precisam ser acionados dada gravidade da seca no Norte.

Nesta terça (17), em sua reunião semanal, a diretoria da Aneel, atendendo o pedido de urgência da pasta, aprovou os preços solicitados pela empresa de R$ 2.721,54 e R$ 2.997,80, respectivamente para Termonorte 1 e 2.

No entanto, a agência não abriu mão da prerrogativa de validar os parâmetros dos custos. Determinou que a Termo Norte Energia apresentasse relatório técnico e financeiro contendo informações a respeito dos componentes dos valores para operar, que seriam analisados pelas áreas de fiscalização técnica e financeira da Aneel.

Se a empresa não apresentar os dados solicitados ou se as informações apresentadas posteriormente não confirmarem os custos, a Aneel vai aplicar o seu cálculo e pedir compensação da diferença. Pelas estimativas preliminares da área técnica, o valor seria entre 8% e 10% inferior ao apresentado pela empresa.

À Folha, a Aneel disse, por meio da assessoria de imprensa, que a decisão acerca da importância dessas usinas é do CMSE, cabendo à agência dar os contornos regulatórios, dentre eles fixar os preços, com base nas diretrizes do MME.

A Abrace Energia, associação que reúne mais de 50 grupos empresariais com forte demanda energética, e a Frente Nacional dos Consumidores de Energia, que defende usuários de todos os portes —inclusive de baixa renda—, enviaram cartas ao ministro Alexandre Silveira nesta terça argumentando que, diante da melhora da oferta de energia e do alto preço das térmicas, seria mais adequado adiar a decisão para evitar aumento na conta de luz.

A Abrace, em seu documento, destacou a conclusão da área técnica da Aneel e pediu cautela ao MME. "Essa geração pode imputar custos bilionários aos consumidores, que já se veem suportando diversos outros custos que tiveram origem justamente em decisões emergenciais", disse a entidade, na carta.

Já a Frente Nacional dos Consumidores de Energia afirmou que o abastecimento das térmicas ainda vão demandar o transporte do combustível por 3.000 km de rodovias, a partir da cidade de Paulínia (SP), uma incoerência pelo aspecto de valores e emissões de combustíveis fósseis.

Procurado pela reportagem, o ONS (Operador Nacional do Sistema) afirmou que apresentou ao CMSE, no início de outubro, um conjunto de medidas para minimizar os problemas da crise hídrica no Norte, com base nas condições verificadas naquele momento.

"Para o caso dos estados do Acre e Rondônia, uma das possibilidades era a retomada da disponibilidade de despacho das térmicas Termonorte 1e 2", disse o ONS, em nota. "Esta decisão coube ao CMSE. Os detalhes comerciais e regulatórios para permitir este acionamento são da alçada da agência reguladora."

O ONS também explicou que avalia diariamente os cenários de segurança energética na região.

"Em 16 de outubro, houve a retomada do despacho de três unidades geradoras da hidrelétrica de Santo Antônio, aumentando a confiabilidade do sistema Acre/Rondônia. É preciso seguir acompanhando a situação e as projeções hidrológicas para verificar se esta situação se manterá nos próximos dias."

O MME afirmou que atendeu a decisão do CMSE e solicitou que as térmicas fossem ligadas, para garantir o atendimento de Acre e Rondônia. Com a retomada de Santo Antônio, a decisão pode ser revista.

"O CMSE, por meio das instituições que o compõe, está reavaliando a necessidade do despacho das citadas usinas, observando a garantia do suprimento eletroenergético da região", destacou a pasta, em nota.

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