Descrição de chapéu Governo Lula

Proximidade de Rui Costa com empresário fortalece lobby do gás no governo Lula

Empresário que defende térmicas e brasduto já contribuiu em campanhas e fez contratos com governo do petista da Bahia; ministro não se manifesta sobre caso

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Brasília

O gás natural, extraído junto com o petróleo, é alvo de uma antiga queda de braço no Brasil entre técnicos da área de energia e políticos que defendem interesses de algumas empresas. Neste início do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os políticos têm ganhado terreno. A razão, avaliam integrantes do setor de energia, está na Casa Civil.

O ministro Rui Costa (PT) tem ajudado a agilizar projetos e indicações para acelerar o uso do gás. Chama a atenção no setor de energia o fato de ele ter antigos laços com o empresário Carlos Suarez, chamado por executivos do setor como "o homem do gás".

Medidas adiadas há anos foram desengavetadas com apoio do Planalto, entre elas o brasduto, rede de gasodutos que passaria por capitais e áreas do interior do Brasil, estimada em R$ 100 bilhões.

Ministro da Casa Civil, Rui Costa; apoio a discussões envolvendo uso do gás - AFP

O brasduto é tratado como pilar para o único programa novo que o governo conseguiu anunciar nos 100 primeiros dias: o "Gás para Empregar". Em linhas gerais, ele propõe usar o gás para promover a reindustrialização do Brasil.

O brasduto foi lançado na reunião do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), atipicamente prestigiada pelo presidente Lula, além do vice Geraldo Alckmin e de cinco ministros —incluindo Costa. O gás foi tratado como prioridade, apesar de ser fóssil e questionado por ambientalistas, e de o governo dizer que prioriza a transição energética verde.

A proposta tem uma faceta positiva. Alguns segmentos da indústria nacional, como fabricantes de cerâmica e vidro, petroquímicas e siderúrgicas localizadas em áreas competitivas para o uso do gás poderiam se beneficiar. Isso explica, por exemplo, o apoio ao gás pela Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo).

O programa de gasodutos é defendido especialmente por distribuidoras de gás interessadas em garantir dinheiro público para o transporte do insumo. Diferentes estudos, porém, mostram a inviabilidade financeira de vários trechos, pois o custo do transporte seria tão elevado que deixaria o gás muito caro para empresas ou residências.

Suarez é o S da OAS, construtora que ajudou a fundar em Salvador, nos anos de 1970, mas da qual depois se desligou. Agora, é dono da Termogás, que controla distribuidoras de gás encanado em regiões ainda não atendidas por gasodutos.

Na lei de privatização da Eletrobras, políticos ligados a Suarez conseguiram incluir a exigência para a construção de 8 GW (Giga-watts) de térmicas, como alternativa para justificar a construção dos gasodutos e o consumo de gás em regiões mais distantes, atraindo forte oposição dos especialistas em energia elétrica. Mas o grupo político não conseguiu viabilizar os gasodutos.

A ideia, já encampada pelo governo, é usar agora a PPSA (Pré-Sal Petróleo S/A) para formar a nova rede de dutos. Essa sugestão tinha sido apresentada durante a gestão Bolsonaro ao então ministro de Minas e Energia Adolfo Sachsida, que ficou com o pé atrás e vetou. Seu antecessor, Bento Albuquerque também resistiu ao projeto.

No último dia 6, o governo Lula deu o primeiro passo para realizá-lo. Despacho publicado no Diário Oficial da União determinou que a PPSA tem até 180 dias para fazer estudos capazes de "viabilizar o abastecimento nacional de combustíveis derivados de petróleo".

Um sinal forte de apoio ao gás e a Suarez, avaliam especialista do setor, foi Costa insistir na indicação, para secretário-executivo do MME (Ministério de Minas e Energia), de Efrain da Cruz, que é ligado ao centrão e associado à defesa de projetos do empresário —como as térmicas previstas na Lei da Eletrobras.

ARRANJOS POLÍTICOS

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), apoia os gasodutos, mas porque mira outra estratégia. Antes de assumir, ele já sondava o setor sobre os caminhos para levar o insumo ao Triângulo Mineiro e tirar do papel uma fábrica de fertilizantes. O uso do gás nessa atividade também já está incluída no "Gás para Empregar".

Silveira almeja se candidatar ao governo mineiro, e a fábrica de fertilizantes é uma boa plataforma. Em parte, afirmam pessoas próximas à pasta, foi por isso que Silveira aceitou Efrain como seu secretário-executivo.

Silveira queria no cargo Bruno Eustáquio, nome bloqueado pela Casa Civil sob o argumento e que ele tivera cargo de confiança na gestão bolsonarista.

Até especialistas em energia respeitados no PT tentaram evitar que Efrain fosse efetivado por causa do histórico como diretor da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). A Casa Civil, porém, insistiu no nome. Efrain é um defensor do gás associado a Suarez. Sua indicação foi mal recebida até no mercado financeiro.

Procurado, o MME recomendou a leitura de texto de divulgação sobre o programa Gás para Empregar. Efrain e Âmbar não se manifestaram até publicação deste texto.

Procurado pelo Folha, o ministro não quis se manifestar. Foram encaminhadas a sua assessoria perguntas sobre sua relação com Suarez, sobre negócios de interesse do empresário junto ao governo da Bahia, sobre eventual participação no processo de indicação de Efrain para o posto de número 2 do Ministério de Minas e Energia e sobre o que o chefe da Casa Civil pensa acerca das propostas para o setor de gás em discussão no governo Lula.

Suarez também não atendeu a reportagem.

Suarez esteve próximo de Rui Costa durante governo da Bahia

As relações entre Suarez e Costa passam por interesses do empresário em assuntos sob a responsabilidade do governo estadual, principalmente os relacionados ao setor imobiliário.

Em outubro de 2018, pouco depois de Costa se reeleger, a administração local renovou, com dispensa de licitação, um contrato de locação com a Patrimonial Beaufort, empresa que tem a esposa de Suarez como sócia.

A Patrimonial já faturou ao menos R$ 4,9 milhões com o contrato de aluguel das atuais instalações da Junta Comercial da Bahia, segundo o Portal da Transparência do governo. A junta foi contatada pela Folha, mas não se manifestou.

Em 2016, Suarez e a esposa doaram, cada um, R$ 100 mil à campanha de Alice Portugal (PC do B), apoiada por Costa para a Prefeitura de Salvador.

Outra empresa ligada ao conglomerado liderado por Suarez, a Al-Teix Patrimonial aparece como parte em um processo judicial no Tribunal de Justiça da Bahia, decorrente de uma desapropriação de terras pelo estado, para a realização de projeto de interesse público.

A administração Costa celebrou um acordo extrajudicial da ordem de R$ 270 milhões (em valores atuais), homologado pela Justiça após controvérsia nos autos sobre o montante a ser indenizado.

Responsável pela condução do processo, a Procuradoria-Geral do Estado foi contatada pela reportagem, mas não respondeu a perguntas enviadas.

José Garcez, CEO da Termogás, conversou com a Folha e negou qualquer participação dos sócios e dirigentes da empresa na indicação de Efrain para o MME.

Disse que, a exemplo do que ocorre com quaisquer outros diretores de agência reguladora, as relações mantidas com Efrain são profissionais.

"Empresário não indica ninguém. As escolhas são do governo", afirmou. "Qualquer empresário do setor de energia, de óleo e gás, tem relação com diretores do agente regulador. Relações profissionais."

O CEO da Termogás disse que a gestão Lula dá "boa sinalização" ao setor. "Se o governo tem a intenção de desenvolver, e aproveitar o que já tem feito aí [de gasodutos], isso é importante", disse.

Alegando representar a empresa, Garcez não comentou eventuais negócios de empresas ligadas a Suarez com o governo baiano e descreveu Costa como "capacitado para assumir qualquer cargo importante".

PARA ENTENDER O DEBATE SOBRE O GÁS NO BRASIL

  1. O Brasil é um grande produtor de gás no pré-sal, mas o insumo é reinjetado no próprio local de extração pela falta de gasodutos e de um mercado organizado
  2. Por ter origem fóssil, ambientalistas são contra seu uso
  3. Entre os defensores de todas as fontes de energia, ele também não é consensual. Não seria opção para geração de energia elétrica, uma vez que o país tem hidrelétricas e condições para ampliar fontes solar e eólica
  4. É visto como alternativa em locais com grande concentração de consumidores, sejam residências ou indústrias
  5. A distância entre o local de extração e do consumo afeta escolha pelo insumo. Quanto mais longo o gasoduto, mais caro o transporte e o preço final do gás; estudos apontam que o gás pode ser uma opção em SP e MG, mas indicam que não é financeiramente viável em pontos como PI e MT
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