Descrição de chapéu Agrofolha alimentação

Café fino eleva preço da terra no Vale do Jequitinhonha

Mesmo com problemas de logística para escoar produção, cultura tem avançado com grãos especiais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Capelinha (MG)

Tradicionalmente uma das regiões mais pobres do país, o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, viu nos últimos anos diminuir a desigualdade em pelo menos um ponto: as terras se valorizaram a partir do avanço da produção de café, especialmente os do tipo premium.

A cafeicultura se desenvolveu em municípios como Capelinha a partir da década de 1970, estimulada por preços baixos da terra e possibilidades de financiamentos governamentais, ao contrário do que ocorria em regiões já consolidadas e mais valorizadas. Mesmo com problemas de logística para escoar a produção e dificuldades com assistência técnica, a cultura se consolidou e tem avançado com a produção dos cafés finos –mais caros e, consequentemente, lucrativos.

Imagem aérea da lavoura de café da fazenda Alvorada, que produz grãos especiais na região da Chapada de Minas, no Vale do Jequitinhonha
Lavoura de café da fazenda Alvorada, que produz grãos especiais na região da Chapada de Minas, no Vale do Jequitinhonha - Bruno Santos/Folhapress

As contas feitas pelo produtor rural Sérgio Meirelles Filho, 63, um dos que chegaram ao Jequitinhonha anos após o início da ocupação cafeeira, dão a dimensão do cenário atual.

Ele, que já tinha fazenda no sul de Minas, região valorizada pelo cultivo do café, apostou numa nova fronteira para o setor após geadas registradas em 1979 e 1981.

"Eu vendia um hectare lá [no sul de Minas] e comprava 40 aqui [no Jequitinhonha]", disse.

Hoje, de acordo com ele, a distância está muito menor: "No sul, o preço de um hectare é de R$ 40 mil e aqui custa R$ 15 mil, R$ 20 mil. De 40 para 1, em comparação com agora, quem fez melhor negócio?", questionou o produtor.

Três corretores imobiliários ouvidos pela reportagem confirmam a proporção. A Folha encontrou fazendas com o preço médio do hectare (10 mil metros quadrados) entre R$ 20 mil e R$ 40 mil em cidades do Jequitinhonha.

Ainda há muitos locais com preços bem menores, especialmente onde a terra é pior e há dificuldade hídrica, mas também há áreas que estão muito valorizadas, como Araçuaí –que vive uma febre devido às reservas de lítio.

"Essa diferença já foi muito maior. Ainda existe e não deve acabar tão cedo, mas perto do que já foi valorizou o preço da terra ali [Jequitinhonha]", disse o corretor Alberto Martins.

Meirelles contou que, quando chegou a Capelinha, onde a família produz café em 93 hectares na fazenda Alvorada, além de a terra ser muito barata havia financiamento no estado.

"No resto do país não tinha. Tinha que ter alguma vantagem, senão [as pessoas] não vinham para cá."

Ele disse ainda que a mão de obra custava à época um quarto do valor pago no sul mineiro, o que foi se corrigindo com o passar do tempo. "Agora pago aqui mais caro de mão de obra que no sul de Minas."

O café é o carro-chefe das exportações do agronegócio em Minas Gerais, de acordo com a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Em 2022, o estado exportou 28,5 milhões de sacas para 89 países, alcançando US$ 6,9 bilhões.

Além do desenvolvimento das lavouras de café, o Jequitinhonha tem recebido nos dois últimos anos grandes aportes da mineradora Sigma Lithium, fundada no Canadá e controlada pelo grupo de investidores A10, baseado em São Paulo.

A empresa é dona da mina Grota do Cirilo, em Araçuaí, onde está hoje a maior reserva de lítio do Brasil. A previsão mais rigorosa da companhia é que haja 27 milhões de toneladas de espodumênio na área, a rocha de onde se extrai o lítio usado para produção de baterias de carros elétricos. A empresa já investiu R$ 3 bilhões em seu projeto minerário.

Segundo o governo estadual, há cinco empresas interessadas na região, incluindo a Sigma.

O café em cidades da região ganhou impulso quando foi fundado o ICCM (Instituto do Café da Chapada de Minas), em 2018, e lançada a marca coletiva da região denominada Chapada de Minas, no ano seguinte, que uniu produtores até então isolados. A iniciativa, contam, auxiliou também na valorização das terras.

Muitos produtores não sabiam, por exemplo, nem sequer a altitude de sua propriedade em relação ao nível do mar ou que tinham cafés especiais em suas propriedades, o que passaram a conhecer após entrarem num projeto que envolve o instituto e o Sebrae-MG.

Criado com 70 associados, hoje o instituto abriga cerca de 130 produtores, segundo Julian Rodrigues, analista do Sebrae responsável pela microrregião Chapada de Minas.

"A migração para cá surgiu por meio de programas de incentivo para as pessoas virem. Tudo era facilitado, porque, caso contrário, elas não viriam, dadas as dificuldades da época. Depois as coisas caminham, mas o start agiliza muito, quando há estratégia governamental. Se houvesse uma política de crédito fundiário pesada para jovens virem, igual teve há 40, 50 anos atrás, em vários lugares, imagine o volume de pessoas que apareceria e como seria a valorização", disse Rodrigues.

A Chapada de Minas, localizada no Vale do Jequitinhonha, é delineada pelos rios Jequitinhonha, Mucuri e Doce e possui solo rico em minerais, além de altitudes propícias para o café (acima de 1.000 m) e boa amplitude térmica, com dias bem quentes e noites frias.

SOLO E CLIMA GERAM CAFÉ AVELUDADO

Os cafés da região normalmente têm sabores adocicado, achocolatado e caramelado, com notas de frutas vermelhas, aroma intenso e amanteigado. O corpo é intenso e aveludado, resultado das características de solo, clima e relevo locais.

O instituto tem um laboratório de provas de café da região, no qual o classificador Jackson Souza da Silva analisa diariamente a qualidade da produção de 22 cidades da região de atuação.

"O terroir [fatores que afetam o resultado final da bebida, como plantio e o que foi usado no processo] é muito diferente entre os produtores, ainda que em uma mesma cidade. Ainda há muita área de fronteira, muita oportunidade para produzir cafés de qualidade", disse.

A proposta do projeto é demarcar áreas de cafés especiais, melhorar a governança, rastrear a produção e avançar nas condições gerais dos produtores e região.

O mercado de cafés premium tem crescido nos últimos anos em média 15%, segundo levantamento do ano passado da Federação dos Cafeicultores do Cerrado mineiro. A estimativa é que 20% do total é composta por cafés que podem ser considerados nobres.

DIFICULDADES

Os obstáculos para se produzir café no Jequitinhonha, porém, ainda existem e não são poucos. Os armazéns que compram a maior parte do café do produtor Cláudio Nakamura, 67, de José Gonçalves de Minas, ficam em Varginha, no sul mineiro, distante 805 quilômetros.

O fazendeiro Ulisses Godinho, de Capelinha, relata ainda que a distância da região para outros grandes centros cafeeiros no estado gera dificuldades com assistência técnica, já que a maioria das fábricas fica na região sul, em cidades como Varginha, e que produtores enfrentam problemas hídricos, o que os obriga, muitas vezes, a investir em irrigação.

Isso aumenta os custos de produção. Meirelles, que tem investido na técnica, disse que, por uma série de motivos, o custo de produção por hectare, que antes da pandemia estava em média em R$ 10 mil por safra, hoje está em R$ 20 mil.

"Chegou a ser R$ 22 mil. Você não pode correr riscos, é uma indústria a céu aberto. Você corre risco de seca, chuva de pedra, que não tem controle. E tem um risco que é o pior deles, que é a geada, o frio excessivo. Aqui não temos."

O jornalista viajou a convite do Sebrae

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.