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Levantamento com executivos mostra que nunca houve tanto estresse no alto escalão

Dentre 269 executivos que responderam à pesquisa, maioria diz que aprendeu a lidar com limitações

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São Paulo

Era maio de 2013. Daniele Salomão se preparava para ter uma conversa um pouco tensa com o presidente da empresa onde trabalhava, Ricardo Perez Botelho.

Como gerente de gestão estratégica da Energisa, holding mineira que atua na distribuição e comercialização de energia em 11 estados do país, iria avisar que se ausentaria da empresa por alguns meses. Estava grávida do primeiro filho.

"Por insegurança minha, achei que a empresa consideraria a gravidez como um empecilho para a minha carreira", lembra. Botelho, porém, tomou uma atitude diferente: a nomeou diretora de comunicação, gestão e pessoas da companhia.

"Eu fiquei um pouco receosa em ser promovida naquele momento, mas ele me disse que estava acostumado a assumir riscos. E achava que eu deveria assumir também", diz.

Mulher loira, de blusa verde, está sentada diante de uma janela
Daniele Salomão, 45, vice-presidente de gente, gestão, comunicação e sustentabilidade da Energisa. - Eduardo Anizelli/ Folhapress

Em uma fase de forte expansão da companhia, que avançava suas operações para o Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país, Daniele se mudou com o marido do Rio de Janeiro para João Pessoa. O marido conseguiu uma transferência do trabalho para Recife, enquanto a família dela é de Fortaleza.

"Ele passava a semana em Recife e só vinha aos fins de semana para João Pessoa, onde eu não conhecia ninguém", lembra.

Daniele passou a gravidez em um ritmo intenso, gerenciando a contratação e treinamento de pessoal nos diferentes estados, traçando as estratégias de comunicação em cada nova localidade, revendo processos de uma companhia em crescimento. De 5.000 funcionários, a empresa saltou para 12 mil à época.

"Eu, que nunca senti necessidade de pedir nada a ninguém, que sempre resolvi tudo sozinha, passei a pedir ajuda a quem estivesse do meu lado", diz.

João nasceu dez dias antes do previsto e ela teve o bebê sozinha no hospital. Nem o marido ou a mãe conseguiram chegar a tempo. Voltou a trabalhar de casa, assim que João completou um mês de vida. "Sabia que a minha equipe precisava de mim, havia muitas decisões a serem tomadas", diz ela.

"Não foi um período tranquilo, eu não soube lidar com tudo. Mas consegui aprender que eu não tenho o controle absoluto. Existem coisas que eu preciso abrir mão, não sairão perfeitas, seja em casa ou no trabalho. E tudo bem, porque estou dando o melhor de mim. Não dá para viver com sentimento de culpa."

O exemplo de Daniele ilustra a carga de estresse colocada nos ombros do primeiro escalão das companhias –que ganha uma conotação mais intensa quando se trata de uma mulher no poder e todos os dilemas envolvidos ao desejar ser mãe.

Pesquisa feita pela consultoria em gestão BTA Associados, com 269 executivos que ocupam posições no topo das empresas (presidentes, diretores, gerentes e membros do conselho de administração), apontou que a maioria deles (79%) enfrenta uma alta tensão no ambiente de trabalho. Curiosamente, um montante ainda maior (96%) é feliz.

Diferentemente do que se possa imaginar, segundo a pesquisa, não é a estabilidade financeira que puxa essa felicidade –mas as relações pessoais, familiares e a saúde, além de um propósito profissional, saber que está fazendo a diferença no mundo.

"Trabalhamos em um setor essencial, energia, nossa escala é 24 por sete, é tudo muito tenso", afirma Daniele, que comanda uma equipe de cerca de 400 pessoas e acompanha tudo o que acontece no setor no país, o que inclui crises como a da falha do abastecimento da Enel, em São Paulo.

"Mas é importante saber que do nosso trabalho depende o bem-estar, o conforto e a segurança de populações inteiras, em especial do Nordeste, de onde eu venho. Isso tem um significado especial para mim", diz ela, que depois do segundo filho, Bernardo (cuja gravidez foi menos caótica e ela saiu quatro meses em licença-maternidade), foi promovida novamente. Agora é vice-presidente de gente, gestão, comunicação e sustentabilidade da Energisa.

"Nunca se viu tanta tensão no ambiente corporativo –seja pelas inseguranças do ambiente externo, seja pelas pressões internas por resultados", diz a diretora de metodologia e negócios da BTA Associados, Priscilla Duarte.

"Ainda assim, as lideranças estão felizes. E isso é fundamental para o bem-estar das equipes: um líder que consegue entender as próprias limitações é mais empático com os funcionários e capaz de influenciá-los de maneira positiva."

Segundo Priscilla, a maioria dos líderes ouvidos no levantamento da consultoria apontou que felicidade significa ter relacionamentos fortes com seus entes queridos, estar em boa saúde física e mental, ter um emprego que ame e que faça a diferença no mundo.

Daniele Salomão aprendeu que precisava ter válvulas de escape saudáveis para lidar com o seu nível de tensão. "Estou 24 horas por dia disponível para a empresa. Mas nas manhãs de sábado, aconteça o que acontecer, ninguém vai falar comigo. Estou no mar", diz ela, que voltou a morar no Rio com a família e pratica canoa havaiana e vela uma vez por semana.

"Não dá para viver só doando energia. É preciso repor", afirma a executiva, que deixou de ler e-mails aos fins de semana.

Pouco estresse leva à procrastinação; muito, ao burnout

Segundo Priscilla, da BTA, depois do período conturbado da pandemia, no qual executivos precisaram aprender a comandar à distância e a lidar com os próprios medos e ansiedade –o que envolveu problemas como álcool e depressão–, boa parte das lideranças parece ter assimilado o quanto todos somos falíveis.

"É claro que toda a tensão continua no ambiente de trabalho", afirma a diretora da BTA. A cobrança por metas e expectativas irrealistas e as diversas inseguranças –sejam profissionais, financeiras, pessoais e até do ambiente macroeconômico e político global– foram apontadas como os principais fatores de estresse pelos executivos entrevistados.

A preocupação com a saúde também aparece entre os sinais de alerta, talvez um dos resquícios da pandemia, quando muitos perderam entes queridos ou ficaram doentes, diz Priscilla.

Aprender a lidar com a tensão é a chave para apresentar resultados neste ambiente que parece caótico, segundo a psicóloga Betania Tanure de Barros, sócia da BTA e especialista em comportamento organizacional.

"Se o executivo está em um nível de estresse insuficiente, ele vai procrastinar tarefas", diz a especialista. "Se está em um nível excessivo de tensão, vai enfrentar ansiedade, frustração e entrar em burnout", diz ela, referindo-se ao esgotamento físico e mental.

"A tensão, corretamente administrada, leva à melhor performance", diz Betania. Para isso, é preciso admitir que tem ansiedade, medo e adotar flexibilidade para lidar com os desafios. Importante compreender também que estratégias de motivação clássicas para atingir metas –muitas vezes irrealistas–, além de ineficazes, são ridículas aos olhos da equipe, afirma.

José Vicente Marino, 57, aprendeu que precisa dizer não a metas fora da realidade. "O líder não pode se colocar no papel de vítima", diz Marino, ex-presidente da Avon Brasil, da Flora e da Johnson & Johnson no país. Há seis meses, é CEO do laboratório Aché.

"Se te propõem uma meta irrealista, você deve ser a primeira pessoa a falar isso. Os interesses precisam estar alinhados, senão não se chega a lugar nenhum."

Para Marino, um dos maiores pontos de estresse é conciliar, na mesma equipe, funcionários de três ou quatro gerações diferentes. "Cada um tem seus valores, perspectivas de vida e encara de maneira diferente os desafios", afirma, lembrando que todos são importantes para fazer com que a empresa conquiste resultados. "Mas administrar essa dinâmica não é simples."

homem branco, de terno escuro e óculos
José Vicente Marino, 57, presidente do laboratório Aché. - Mathilde Missioneiro/Folhapress

Controlar expectativas de todos os lados para buscar resultados é algo que Marino aprendeu a fazer, inclusive na vida pessoal. "Já fui síndico. Precisei convencer todos os proprietários a fazer uma reforma importante no condomínio. Nesse momento é importante destacar que os benefícios superam as dificuldades", diz.

Fazer a diferença, de alguma forma, para a sociedade, está entre os momentos de felicidade do executivo. E por mais que os objetivos neste sentido sejam amplos, Marino aprendeu que é preciso caminhar um passo de cada vez.

"Eu me lembro que, quando era diretor na J&J, comentei com meu chefe que sentia certa frustração por não ajudar o mundo a evoluir", diz. "O meu chefe perguntou: 'Qual o tamanho da sua equipe?'. Respondi que eram 400 pessoas. Então ele disse: 'Comece melhorando a vida dessas 400. Já é bastante coisa'."

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