EUA estudam desvincular sua indústria de carros elétricos da China

Empresas dizem que lei destinada a popularizar veículos elétricos pode transformar país em apenas um ponto de montagem para a tecnologia da Ásia

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Ana Swanson Jack Ewing
The New York Times

O governo de Joe Biden tem tentado impulsionar a cadeia de suprimentos doméstica para veículos elétricos, para que carros mais limpos possam ser fabricados nos Estados Unidos.

Mas a experiência de uma empresa do Texas, cujos planos de ajudar a produzir um veículo elétrico totalmente americano foram prejudicados pela China, destaca as apostas envolvidas à medida que a administração finaliza as regras que regem a indústria.

A Huntsman Corporation iniciou a construção de uma fábrica de US$ 50 milhões no Texas há dois anos para fabricar carbonato de etileno, um produto químico usado em baterias de veículos elétricos. Seria o único local na América do Norte a produzir o produto, com o objetivo de abastecer fábricas de baterias que surgiriam para atender o mercado de veículos elétricos.

Carro elétrico branco abastecendo
EUA enfrentam desafio de facilitar o acesso aos carros elétricos pelo país e ao mesmo tempo construir cadeias de abastecimento mais seguras para esse tipo de veículo - Getty Images

Mas à medida que novas instalações na China entraram em operação e inundaram o mercado, o preço do produto despencou de US$ 4.000 para US$ 700 por tonelada. Após investir US$ 30 milhões no projeto, a empresa interrompeu o trabalho neste ano. "Se começássemos o projeto hoje, estaríamos sangrando dinheiro", disse Peter R. Huntsman, diretor-executivo da empresa. "Basicamente, eu estaria pagando às pessoas para levarem o produto".

A gestão de Biden está agora finalizando regras que ajudarão a determinar se empresas como a Huntsman acharão lucrativo participar da indústria de veículos elétricos dos EUA. As regras, que devem ser propostas esta semana, vão ditar até que ponto empresas estrangeiras, especialmente da China, podem fornecer peças e produtos para veículos fabricados nos EUA, que devem receber bilhões de dólares em subsídios.

O governo está oferecendo até US$ 7.500 em créditos fiscais para os americanos que compram veículos elétricos, em uma tentativa de impulsionar a indústria e reduzir as emissões de carbono do país. As regras determinarão se fabricantes de veículos elétricos que buscam se beneficiar desse programa terão a flexibilidade de obter componentes baratos da China ou se serão obrigados a comprar produtos mais caros de empresas americanas, como a Huntsman.

Os legisladores que redigiram o projeto de lei climático, incluindo o senador Joe Manchin III, democrata da Virgínia Ocidental, incluíram um trecho que impede que um carro elétrico se qualifique para os incentivos fiscais se os minerais críticos ou outros componentes usados em sua bateria forem fabricados por "uma entidade estrangeira de preocupação". Os legisladores definiram isso como qualquer empresa de propriedade, controle ou jurisdição da Coreia do Norte, China, Rússia ou Irã.

Mas eles deixaram para a administração Biden preencher os detalhes, incluindo questões importantes como o que constitui uma empresa chinesa e que produto se qualifica como um "componente de bateria".

O governo enfrentará um desafio complicado com as novas regras. Se permitir que mais empresas se qualifiquem para os benefícios, os americanos terão uma maior variedade de veículos elétricos de baixo custo para escolher. Isso colocaria mais carros limpos nas estradas e ajudaria a mitigar as mudanças climáticas. Também poderia ajudar a fortalecer as finanças das montadoras americanas que estão sofrendo prejuízos na produção de veículos elétricos.

Mas um caminho assim poderia minar outra prioridade do governo —construir cadeias de abastecimento mais seguras para veículos elétricos. O governo tem como objetivo utilizar a lei do clima para impulsionar a fabricação de veículos elétricos e suas peças nos EUA e em países aliados, e reduzir a dependência da China, que domina os mercados globais de veículos elétricos e suas baterias.

O esforço para equilibrar essas preocupações desencadeou uma disputa entre fabricantes de automóveis e fabricantes de peças, mineradores dos EUA e sindicatos trabalhistas.

Os fabricantes de automóveis aguardam ansiosamente as diretrizes.

Montadoras como a General Motors e a Hyundai, impulsionadas pela nova lei do clima, estão correndo para construir fábricas nos EUA para produzir baterias e processar materiais como o lítio. No entanto, representantes da indústria automobilística afirmam que ainda estão a anos de distância de serem capazes de produzir um veículo elétrico sem materiais e componentes da China.

A China domina a produção de materiais como grafite e lítio processado, que são essenciais para o fluxo de eletricidade dentro de uma bateria, bem como para os cátodos e ânodos, os blocos básicos de construção de uma bateria. Por meio de substanciais subsídios do governo e enormes economias de escala, as empresas chinesas agora vendem alguns dos veículos elétricos mais avançados do mundo e os componentes usados para fabricá-los estão com preços muito mais baixos do que os concorrentes em outros países.

As montadoras também estão sob forte pressão para manter os custos baixos, comprando dos fornecedores mais baratos. A Ford Motor perdeu US$ 1,3 bilhão em veículos elétricos no terceiro trimestre, informou a empresa no mês passado, o que equivale a uma perda de US$ 36.000 em cada veículo vendido.

Em junho, a Tesla, que obtém peças-chave da China, enviou comentários ao governo argumentando que as futuras restrições a entidades estrangeiras deveriam ser menos restritivas. Os limites para compras estrangeiras deveriam se restringir a partes importantes das baterias, como o cátodo e o ânodo, e não aos vários minerais ou outras peças usadas para fabricá-los, propôs a Tesla.

No pior cenário, diz Albert Gore III, diretor-executivo da Zero Emission Transportation Association (Associação de Transporte Zero Emissão, em tradução livre), "você pode ter veículos fabricados nos EUA, com a grande maioria das peças vindas dos EUA, mas que poderiam ser desqualificados pela taxa de crédito porque uma única peça vem da China". Gore, cuja entidade conta com membros como a Tesla, bem como fabricantes de baterias, disse esperar que o governo encontre um equilíbrio.

Em contraste, mineradores e outros fabricantes de materiais e componentes de baterias argumentam que permitir que a China forneça peças baratas poderia abrir os EUA para uma inundação de produtos estrangeiros. Isso garantiria que o país norte-americano fosse apenas um ponto de montagem para tecnologia e produtos fabricados na China, deixando a economia americana altamente vulnerável, afirmam eles.

Até agora, a lei do clima parece ter estimulado mais o investimento em fábricas para produzir veículos elétricos e suas baterias do que nas minas e instalações que produzem os minerais, produtos químicos e componentes menores que compõem a bateria em si.

Na verdade, a única mina de cobalto planejada nos EUA, de propriedade da Jervois em Idaho, fechou temporariamente este ano. A empresa culpou a queda dos preços, causada por uma nova onda de material produzido pela China. A Jervois reiniciou algumas perfurações exploratórias no mês passado, graças a um novo financiamento do Departamento de Defesa.

Até que as regras finais sejam emitidas, algumas empresas interromperam planos de novos investimentos nos EUA, conscientes de que seus cálculos comerciais podem mudar significativamente nos próximos meses.

"Estamos vendo um certo período de espera até que as orientações finais sejam divulgadas pelo governo", disse Abigail Seadler Wulf, vice-presidente e diretora de estratégia de minerais críticos na Securing America's Future Energy, uma organização sem fins lucrativos.

Huntsman diz que, a menos que o governo restrinja o uso de materiais chineses, não há motivo para investir mais no projeto da empresa no Texas. Ele afirma que o governo chinês está subsidiando pesadamente a produção de carbonato de etileno, permitindo que empresas chinesas que respondem por 90% da produção global do produto o vendam a preços tão baixos.

"A questão, realmente, é: como os Estados Unidos querem responder a isso?", perguntou ele.

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