Reforma Tributária deve prever 'prêmio' para estado ou município que ampliar arrecadação

Por aprovação do texto, Lula entra em campo para articular apoio de senadores

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Brasília

O relator da Reforma Tributária, senador Eduardo Braga (MDB-AM), deve incluir em seu parecer um mecanismo para premiar estados e municípios que ampliarem a sua arrecadação ao longo do período de transição para o novo sistema tributário.

A intenção é evitar o chamado "efeito carona", que permitiria a estados e municípios manterem patamar de receitas semelhante ao atual independentemente de esforço para fiscalizar o cumprimento da nova legislação ou do seu desempenho econômico.

A articulação se dá em semana crucial para o texto no Senado.

Nesta segunda-feira (6), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu entrar em campo nas articulações e antecipou uma reunião com líderes de bancadas aliadas, programada inicialmente para quarta-feira (8). O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) disse, também nesta segunda, que a proposta deve ser votada em plenário até quinta-feira (9).

Lula durante reunião com líderes de bancadas aliadas da Câmara dos Deputados, na semana passada - Gabriela Biló - 31 out. 2023/Folhapress

O ajuste no parecer de Braga será feito na chamada transição federativa da reforma, que vai durar 50 anos e compreende a redistribuição de receitas entre estados e municípios para evitar oscilações abruptas após a migração da cobrança dos tributos da origem (onde bens e serviços são produzidos) para o destino (onde ocorre o consumo).

Essa transição é invisível ao contribuinte, mas tem bastante peso e relevância para o planejamento fiscal de estados e municípios.

Hoje, a transição prevê que 95% das receitas do novo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que substituirá os atuais ICMS e ISS, serão repartidas de acordo com uma média ponderada entre a participação relativa dos estados e municípios na arrecadação dos impostos atuais e do novo IBS.

Por exemplo, se um estado arrecada hoje 10% do bolo atual e passa a ter uma participação de 9% no novo sistema, ele ficará com uma fatia da arrecadação equivalente à média entre esses dois percentuais.

Os outros 5% serão destinados a um "seguro-receita", para compensar aqueles entes que tiverem perdas muito grandes de arrecadação.

No início da implementação da reforma, a configuração atual do bolo tem um peso maior no cálculo da média a ser destinada a cada estado ou município. Ao longo dos 50 anos, o peso do novo IBS vai se tornando mais dominante, até que a transição seja concluída.

Na prática, porém, a regra poderia penalizar estados e municípios que, sob o novo sistema tributário, tiverem maior crescimento econômico ou se empenharem para ganhar eficiência na arrecadação.

Eles demorariam a sentir efeito da melhora, pois o cálculo da distribuição depende mais da estrutura do ICMS e ISS.

Segundo técnicos, o fator de ajuste a ser introduzido por Braga deve dar um peso maior para a melhora da arrecadação, proporcionando ganhos mais rápidos aos estados e municípios que se mostrarem mais eficientes.

Essa é uma das nove mudanças em negociação entre o relator e o governo, segundo relatos de pessoas envolvidas na construção do texto. Outras alterações podem envolver o escopo da prorrogação dos benefício fiscais aos polos automotivos do Nordeste e do Centro-Oeste, hoje restrito a veículos elétricos ou híbridos que utilizem etanol.

A tendência, porém, é que as modificações não alterem a espinha dorsal da reforma.

O encontro de Lula com líderes do Senado ocorreu às vésperas da votação da PEC (proposta de emenda à Constituição) na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), primeira etapa a ser superada antes da votação no plenário do Senado. A apreciação do texto está marcada para a manhã desta terça (7).

A mudança no sistema tributário é uma das principais agendas do ministro Fernando Haddad (Fazenda).

Os focos da atuação do governo neste momento são dois: afastar o risco de novas ampliações no número de exceções e azeitar as negociações com os senadores para assegurar um apoio maciço ao texto.

A aprovação de uma PEC depende de maioria simples na CCJ e do apoio de 49 dos 81 senadores no plenário, mas o relator, senador Eduardo Braga, tem ampliado o diálogo com os parlamentares na tentativa de assegurar uma votação expressiva, como ocorreu na Câmara dos Deputados —onde a votação em primeiro turno teve 382 votos a favor, ante os 308 necessários.

Segundo interlocutores do Congresso, ouvidos sob reserva, Lula foi alertado sobre o incômodo de senadores com a falta de envolvimento do governo nas articulações da Reforma Tributária.

A impressão dos parlamentares era de que o Executivo jogou a PEC no colo dos senadores e não se envolveu politicamente para garantir apoio ao texto —algo que precisaria ir além dos subsídios técnicos dados pelo Ministério da Fazenda.

Na semana passada, o convite de Lula a líderes da Câmara para uma conversa a poucos dias da votação da Reforma Tributária no Senado também repercutiu mal entre os senadores.

Líderes políticos do Senado afirmam que o mal-estar não é suficiente para comprometer o avanço da Reforma Tributária.

A avaliação é de que o parecer de Braga, acatando uma série de mudanças propostas pelos parlamentares, contribuiu para melhorar o clima a favor da PEC. Ainda assim, aliados de Lula alertaram o presidente para a necessidade de estreitar a relação com o Senado.

O governo sofreu derrotas recentes na Casa, com a rejeição do nome de Igor Roque para a DPU (Defensoria Pública da União) e a aprovação da prorrogação da desoneração da folha de 17 setores. Também chamou atenção a vitória apertada em relação ao voto de qualidade do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais).

No radar da equipe econômica, as votações do Senado em geral são vistas com preocupação. Por isso, Lula tem dito que pretende reforçar sua atuação na articulação política e dedicar mais atenção à Casa.

Em café da manhã com jornalistas há duas semanas, Lula assumiu parte da culpa pela derrota sobre a DPU, dizendo que não teve tempo para entrar na articulação política pela aprovação do nome.

Na noite de sexta-feira (3), o chefe do Executivo recebeu Pacheco, presidente do Senado, no Palácio do Planalto. Pacheco teve reunião nesta segunda com Braga, o presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), e o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Ao sair da reunião, Randolfe afirmou que um novo parecer seria divulgado por Braga —mas sem desvirtuar os principais pontos. Segundo ele, o governo está "contando os votos" e conversando com parlamentares da oposição.

"Algumas [emendas] não vão ser acatadas. Outras [emendas] serão [acatadas] para inclusive a construção da maioria necessária para aprovação do texto da reforma. Mas nada que desvirtue o cerne da reforma", disse Randolfe.

Braga tem sinalizado a interlocutores que não deve fazer mudanças significativas no parecer.

Há duas semanas, a primeira versão incluiu regimes específicos para setores como turismo, agência de viagens, saneamento e concessionárias de rodovias, e estabeleceu uma uma nova categoria de alíquota para profissionais liberais como advogados, engenheiros e contadores, equivalente à 70% da alíquota padrão (ou seja, um desconto de 30%).

Nos cálculos do governo, as mudanças devem elevar a cobrança do novo IVA (Imposto sobre Valor Agregado) a uma faixa entre 25,9% e 27,5%.

O relator passou a segunda-feira em novas reuniões, uma delas com o governador de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel (PSDB). Riedel tem reclamado dos critérios de distribuição do FNDR (Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional), que vai substituir no futuro os instrumentos de concessão de incentivos fiscais usados hoje por estados e municípios.

Segundo relatos, Braga sinalizou que pretende manter as regras apresentadas diante do apoio de boa parte dos governadores. O relator afirmou a interlocutores, no entanto, que faria o cálculo político de todas as mudanças para evitar novas polêmicas em torno de temas que, em sua avaliação, já estavam pacificados, como o FNDR.

Braga também conversou com o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator da Reforma Tributária na Câmara. Como a PEC modificada pelo Senado terá de passar novamente pelo crivo dos deputados, o senador tem buscado alinhar as alterações para facilitar a aprovação.

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