Febraban apresenta medidas criminais contra presidente da Abranet

Executiva e entidade afirmam exercer direito constitucional de crítica; bancos também pedem investigação sobre representantes de maquininhas de cartão

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Brasília

A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) apresentou uma notícia-crime contra a presidente da Abranet (Associação Brasileira de Internet), Carol Conway, e ajuizou —em conjunto com os bancos Itaú, Bradesco e Santander— um pedido de explicações sobre o teor de material publicitário da entidade e de declarações feitas pela dirigente.

Em nota, a Abranet —que representa parte das empresas de maquininhas de cartão, como Mercado Pago e PagSeguro— diz que a entidade e a presidente "não tiveram acesso à referida representação".

"A entidade e sua presidente afirmam, no entanto, que as manifestações da associação nunca ultrapassaram os limites da liberdade de expressão e fazem parte do direito constitucional de crítica, na defesa de suas ideias."

Ilustração em vetor de cartões de crédito brancos sobre fundo cinza
Ilustração de cartões de crédito - Doraemo/Adobe Stock

Na notícia-crime, documento a que a Folha teve acesso, a Febraban diz que foram divulgadas de forma reiterada 17 afirmações falsas ou incompletas a respeito da atuação das principais instituições do país.

Dentre as frases contestadas, cita afirmações de que os grandes bancos querem acabar com as compras parceladas sem juros e que os grandes bancos querem criar taxas novas.

A Febraban rebate no documento que os "grandes bancos irão manter as compras parceladas sem juros com aprimoramento do instituto para possibilitar um reequilíbrio dos custos e risco de crédito e, consequentemente, melhores condições para os consumidores e lojistas".

Diz também que as instituições não querem criar taxas novas, "querem aprimorar o parcelado sem juros para possibilitar que o consumidor adquira serviços e mercadorias em melhores condições".

"A divulgação de informações falsas sobre instituições financeiras é potencialmente danosa, podendo trazer prejuízo, não apenas para a imagem e a solidez financeira das instituições em foco, mas também para a higidez e credibilidade de todo o sistema financeiro nacional, em prejuízo de investidores e da sociedade, ou mesmo proporcionando lucros ilícitos a terceiros. Trata-se, portanto, de um delito de perigo", diz trecho do documento.

A entidade pede que "sejam tomadas as providências adequadas ao caso, observando estarem presentes os elementos necessários (autoria e materialidade) para iniciar investigação criminal, inclusive para apuração de outros eventuais autores dos fatos".

No pedido de explicações, que apresenta interpelação judicial contra a presidente da Abranet, a Febraban e os bancos falam em delito de difamação pelo conteúdo das afirmações feitas por Conway.

"O teor da publicidade da Abranet e as declarações feitas pela própria requerida na mídia, além de falsas, são depreciativas, atingindo a imagem dos requerentes perante clientes e a sociedade em geral; e despertando no público sentimentos de antagonismo e desconfiança em relação aos bancos", diz.

O documento se refere a uma campanha publicitária contra mudanças no parcelado sem juros, que foi publicada em jornais, incluindo a Folha, e veiculada na televisão. Cita também a desfiliação da Abranet do Conar, entidade responsável pela autorregulação da publicidade no país.

As peças também sugerem que há conflito de interesse por Conway ser diretora da PagSeguro. No texto, diz que a empresa é "comercial e financeiramente interessada no tema da campanha publicitária, dado que é uma instituição de pagamento que tem por fonte principal de receita a antecipação de recebíveis do ‘parcelado sem juros’, ou seja, defende vigorosamente a manutenção de referida modalidade de pagamento, sendo ainda uma das associadas mais relevantes da Abranet".

OUTRAS ACUSAÇÕES

Além das medidas no âmbito criminal, a Febraban pediu ao Banco Central que investigue três empresas de maquininhas independentes de cartão —Stone, Mercado Pago e PagSeguro— e a carteira digital PicPay por suposta prática fraudulenta nas vendas a prazo.

A Abranet reagiu à denúncia de prática fraudulenta contra dois de seus associados com um manifesto, dizendo que essa é uma nova tentativa dos grandes bancos de atingir as companhias. As empresas informaram ainda não terem sido notificadas da representação.

Em nota, a Abranet afirma que a Febraban usa a representação ao BC para atacar as empresas independentes, por não ter conseguido "impor sua agenda de atingir mortalmente o parcelado sem juros".

"E tudo isso para tentar voltar ao antigo status de dominantes absolutos do mercado, como ocorria antes de as empresas independentes trazerem competição ao mercado, favorecendo milhões de brasileiros", acrescenta.

Procurada, a Abipag (Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos, que representa outra fatia das maquininhas, como a Stone) diz desconhecer a existência de qualquer denúncia a seus associados junto ao regulador. "Em havendo denúncia, restará evidente que o suposto denunciante age de maneira ignorante e/ou em má-fé", diz em nota.

A entidade afirma que os varejistas podem desde 2016 diferenciar preços conforme prazo e meio de pagamento e que a lei teve inteiro apoio do Banco Central. "A Abipag continuará defendendo todas e quaisquer práticas que estimulem a competição e gere melhores produtos para os empreendedores brasileiros."

A PicPay, por sua vez, diz que não irá se posicionar sobre o assunto. O BC também afirma que não iria comentar o tema.

Desde outubro, o BC organizou reuniões com representantes de bancos, adquirentes, cartões e varejo para discutir a regra da lei do Desenrola, que limita a dívida do rotativo ao dobro do valor original caso o próprio setor não chegue a outra fórmula para reduzir as altas taxas. Atualmente, os juros dessa modalidade ultrapassam 400% ao ano.

O texto da lei não faz nenhuma menção às compras parceladas e não manda restringir a modalidade sem juros no cartão. Bancos, no entanto, têm defendido a limitação como forma de baixar as altas taxas do crédito rotativo --modalidade acionada automaticamente quando a fatura do cartão não é paga de forma integral.

O argumento dos bancos é que o parcelado sem juros aumenta a inadimplência e força a cobrança de juros altos no rotativo. Os setores de maquininhas e o comércio, porém, refutam esse argumento, e não há estudos públicos independentes que mostrem relação de causa e efeito entre parcelamento sem juros e inadimplência.

Nas representações, que foram protocoladas na quarta (6), a Febraban afirma que as empresas de maquininhas estariam cobrando juros dos consumidores de forma dissimulada, ao realizar o lançamento na fatura do cartão de crédito como modalidade de parcelado sem juros. A suposta operação irregular é chamada pela entidade de "parcelado sem juros pirata".

Além do pedido para instaurar a investigação das denúncias, a Febraban solicita que o BC determine a interrupção imediata das supostas práticas irregulares.

Em uma das representações, a representante dos bancos alega que as empresas de maquininhas Stone, Mercado Pago e PagSeguro (pertencente ao Grupo UOL —que tem participação minoritária e indireta do Grupo Folha, que edita a Folha) desenvolveram uma oferta de crédito que permite aos estabelecimentos comerciais embutir nas compras a prazo um adicional ao preço do produto —chamado "parcelado comprador".

"Foi a forma artificiosa encontrada para repassar ao consumidor os custos associados à antecipação de recebíveis cobrados pelas maquininhas dos estabelecimentos comerciais", diz a Febraban em nota.

A entidade argumenta que as maquininhas independentes inserem nos sistemas da bandeira do cartão uma transação de compra parcelada sem juros, enquanto a operação realmente efetivada foi uma compra parcelada com juros.

"Com esse modelo de negócios, as maquininhas independentes fazem com que uma considerável parcela de lojistas e varejistas fique dependente da antecipação de recebíveis do parcelamento sem juros", afirma.

"Ao mesmo tempo, é um modelo que se ancora no endividamento das famílias, gerando um elevado risco de crédito e prudencial, o que resulta nas altas taxas de juros cobradas no cartão de crédito", acrescenta.

Na outra representação, a entidade acusa as carteiras digitais Mercado Pago e PicPay de estarem concedendo empréstimos aos consumidores, com cobrança de juros, mas registrando tal operação como modalidade de parcelado sem juros, sem que haja relação de consumo na compra de bens.

"Essa prática afronta diretamente as regras das bandeiras de cartão de crédito, as normas do Banco Central e do Conselho Monetário Nacional, já que as carteiras digitais não podem realizar operações de empréstimos diretamente aos consumidores", diz.

A Febraban afirma ainda que maquininhas independentes e carteiras digitais lançaram uma campanha em defesa do parcelado sem juros como uma "cortina de fumaça" para encobrir sua atividade.

"A Febraban entende que tais práticas violam as normas regulatórias estabelecidas pelo Banco Central e representam condutas desleais para com as instituições financeiras bancárias. Além disso, essas práticas não são transparentes para com os consumidores, conduzindo-os ao superendividamento", diz.

No manifesto, a Abranet afirma que o referido "parcelado comprador" é uma ferramenta tecnológica disponibilizada aos estabelecimentos comerciais que permite ao vendedor calcular os valores a receber por suas vendas, de acordo com os meios de pagamento utilizados, os prazos de pagamento e os custos operacionais envolvidos.

Segundo a entidade, os grandes bancos "têm sido sistematicamente derrotados" na tentativa de restringir significativamente o parcelado sem juros. A Abranet cita a tramitação do projeto de lei no Congresso Nacional e as discussões para proposta de consenso dos setores para posterior apresentação ao CMN (Conselho Monetário Nacional).

A Abranet diz estar certa de que o BC "reconhecerá a legalidade dos procedimentos de suas empresas associadas, dentro do propósito que sempre teve o regulador de fomentar a competição no mercado."

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