Brasil perde voos 'low cost' para Europa e segmento se concentra na América Latina

Sob juro alto, insegurança jurídica e alta no combustível, aéreas com bilhete mais barato tentam ganhar espaço no país

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São Paulo

Mesmo com a chegada de novas empresas aéreas "low cost" nos últimos anos, o Brasil observou esse segmento, que promete passagens a preços mais baratos do que bilhetes oferecidos por companhias tradicionais, perder trajetos para a Europa e se concentrar ainda mais na América Latina.

De acordo com a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), apenas cinco companhias aéreas operam voos considerados "low cost" no país —todas são marcas de origem internacional.

Imagem mostra painel com voos no aeroporto de Guarulhos. No primeiro plano, duas pessoas observam o painel.
Movimentação no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo - Danilo Verpa - 20.dez.22/Folhapress

A Air Europa é a única desse segmento que oferece rotas para o continente europeu. São dois trajetos que ligam Guarulhos e Salvador ao aeroporto internacional Adolfo Suárez, em Madri. A companhia diz não se considerar uma "low cost", embora a Anac a classifique como tal.

As outras quatro empresas são Arajet, recém-chegada no mercado brasileiro, Flybondi, JetSmart e Sky Airline. Juntas, operam voos para Argentina, Chile, Uruguai, Peru e República Dominicana.

Ainda para este ano, a Anac prevê o começo da operação de quatro rotas da Sky Airline: Confins (Minas Gerais) para Santiago, Brasília para Santiago, Rio de Janeiro para Lima e Rio de Janeiro para Montevidéu.

Durante a pandemia, esse segmento sofreu algumas perdas. Uma delas foi a interrupção das operações da alemã Condor no país. De acordo com os registros da Anac, a atuação da empresa no país começou no fim de março de 2018 e durou até novembro do ano seguinte.

As rotas operadas pela Condor, também considerada como uma "low cost" pela autarquia, ligavam os terminais de Recife e de Fortaleza a aeroportos da Alemanha, em Frankfurt e em Munique.

A saída da Condor reflete o atual cenário vivido no Nordeste brasileiro. Os principais aeroportos dessa região (Fortaleza, Recife e Salvador) ainda amargam um baixo número de rotas internacionais depois do baque sofrido na pandemia, e a recuperação é mais lenta do que nos terminais do centro-sul do país.

A Norwegian foi outra aérea de baixo custo que decidiu sair do Brasil. Segundo a Anac, a empresa norueguesa deixou de fazer o trajeto entre o Galeão, no Rio de Janeiro, e o aeroporto Gatwick, em Londres, também durante a pandemia.

A movimentação nos aeroportos da capital fluminense ganhou atenção do governo federal nos últimos meses, e um plano de reequilíbrio entre os fluxos do Santos Dumont e do Galeão foi colocado em prática.

Especialistas dizem, porém, que a cidade vem perdendo turistas por causa de problemas econômicos e de segurança pública.

Para o economista Claudio Frischtak, da Inter.B Consultoria, o Brasil vive hoje um cenário com diversos fatores que dificultam a chegada de companhias aéreas "low cost".

Os obstáculos, segundo ele, vão desde problemas macroeconômicos, como juro alto, a entraves como complexidade tributária e insegurança jurídica relatada pelo setor.

"É uma tempestade perfeita. Para as empresas que não são 'low cost' operando aqui, já é um ambiente muito difícil, por causa dessas condições. Houve um choque pandêmico, um surto inflacionário que levou ao aumento dos juros. O custo de capital aumentou, e as empresas são muito sensíveis a isso", afirma.

Frischtak diz que, no Brasil, o temor de interferência política nas agências regulatórias também afasta companhias do segmento e outros investimentos em infraestrutura, no geral.

O professor do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa) José Roberto Afonso afirma que, além do alto índice de indenização judicial cobrado às empresas, o setor vem sofrendo com o valor do querosene de aviação, o QAV. Segundo ele, isso dificulta a otimização dos custos e, por consequência, afeta a oferta de passagens a valores mais baixos.

No acumulado de 2023 até outubro, o preço do combustível de aviação estava em R$ 4,14 por litro.

Não há um consenso bem definido sobre o que pode caracterizar uma companhia aérea como "low cost", termo em inglês usado pelo setor para as empresas que funcionam a baixo custo operacional e, por isso, ofertam passagem mais baratas.

Embora a Anac tenha sua lista desse segmento, a agência afirma que a regulamentação da aviação civil não prevê tal classificação, pois se trata de um termo criado pelo mercado.

No entendimento da autarquia, são consideradas "low cost" companhias que separam, na venda, o serviço principal ou seja, o transporte aéreo de passageiros dos serviços acessórios, como alimentação e despacho de bagagens, que são cobrados à parte.

Tais restrições permitem a essas empresas reduzir o preço do bilhete. Alguns representantes do setor também levam em conta fatores como o tipo da frota para a classificação de uma empresa como "low cost".

Dany Oliveira, diretor-geral da Iata (Associação Internacional de Transporte Aéreo) no Brasil, afirma que o mercado aéreo brasileiro tem uma deficiência se comparado a outros países, em razão de custos como os de combustível e de judicialização. Por isso, diz, companhias desse tipo vão testando o mercado brasileiro com poucos voos.

"Uma 'low cost' precisa ter um modelo de negócio que vai trabalhar com volume, porque a margem dela é muito pequena. A empresa tenta minimizar o seu custo ao máximo. Assim, ela consegue oferecer esse produto diferenciado, mais barato para os passageiros."

Mais nova empresa do segmento a começar a operar no Brasil, a dominicana Arajet disse à Folha que o Brasil foi o mercado que teve o melhor desempenho para a companhia nos últimos meses de 2023.

A empresa, que faz a rota entre Santo Domingo e São Paulo, afirmou que, até junho, os assentos disponíveis semanalmente para o trajeto vão crescer de 560 para 980 poltronas.

No entanto, questionada sobre a possibilidade de criar novos trajetos com destino a outras cidades brasileiras, a empresa disse que essa é uma opção de estratégia a longo prazo.

Novas rotas potenciais estão em processo de análise, segundo a companhia, que prefere ser chamada de "empresa aérea de preços baixos", em vez de "low cost", apesar de a Anac considerá-la como uma empresa de baixo custo.

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