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Nordeste perde rotas internacionais e luta para se livrar de isolamento no pós-pandemia

Número de destinos nos terminais do centro-sul do Brasil, por outro lado, já está próximo do pré-Covid

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São Paulo

Enquanto o número de rotas internacionais em boa parte dos aeroportos do centro-sul brasileiro se aproxima ou até ultrapassa o patamar pré-pandemia, os principais terminais do Nordeste ainda sofrem para recuperar a demanda de trajetos para fora do país.

É o que mostra levantamento feito pela Folha com base em dados disponibilizados pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) com informações até o mês de novembro de 2023.

Passageiros observam movimentação no aeroporto de Recife - Bernardo Dantas - 13.mar.2019/Folhapress

O caso mais drástico é observado no aeroporto internacional do Recife, que já chegou a oferecer 16 rotas internacionais em 2018. Nos anos seguintes, o número entrou em queda —e, sob efeito das restrições impostas pela pandemia, o patamar despencou para somente um trajeto em 2021, o que liga a capital pernambucana a Lisboa.

Em leve recuperação, o terminal pernambucano somou, em 2023, cinco destinos internacionais, sendo eles Lisboa, Buenos Aires, Montevidéu, Orlando e Fort Lauderdale, na Flórida (EUA).

O levantamento considera somente rotas com mais de 400 passageiros anuais, para evitar distorções. Viajantes em voos que fazem escala no Brasil sem imigrar não foram incluídos.

Além disso, a reportagem considerou apenas voos regulares com passageiros pagos (ou seja, aqueles que geram receita para as companhias aéreas) realizados entre janeiro e novembro de cada ano.

Outros aeroportos que funcionam como porta de entrada do Nordeste também registraram queda. É o caso do terminal de Fortaleza, que chegou ao pico de destinos em 2018, quando tinha 12 rotas internacionais, mas viu o patamar ser reduzido a dois trajetos em 2021 e, em 2023, somou quatro rotas para fora do país —Miami, Lisboa, Paris e Buenos Aires.

Em Salvador, esse número saiu de nove destinos internacionais, em 2019, para quatro, em 2023 —Madri, Lisboa, Buenos Aires e Montevidéu.

No total, o Brasil também perdeu rotas a partir de 2018, quando teve 181 destinos internacionais, recorde neste século. Até 2020, começo da pandemia, esse número flutuou para 165.

Em 2021, com aeroportos do mundo todo fechados, houve 73 rotas. No ano seguinte o país começou a se recuperar e fechou os onze primeiros meses de 2023 com 142 trajetos, mas ainda longe do patamar recorde de 2018.

A Abear (associação do setor que reúne empresas como Gol, Latam e Voepass) afirma que o enfraquecimento dos terminais nordestinos é reflexo de um efeito da pandemia, que concentrou o tráfego internacional em Guarulhos.

Segundo a associação, a malha doméstica ficou responsável por distribuir os passageiros para outros destinos brasileiros durante esse período.

"As rotas internacionais partindo de outros aeroportos estão voltando a crescer conforme a demanda de cada localidade", diz Ruy Amparo, diretor de operações e segurança de voos da Abear.

De acordo com os dados da Anac, o número de passageiros no aeroporto de Guarulhos, na Grande São Paulo, vem crescendo desde o baque sofrido em 2020 por causa do distanciamento social.

A pouca oferta de voos do Nordeste faz o médico Aurélio Leal Silva, 29, reservar um dia para ir e outro para voltar de São Paulo em todas as viagens internacionais que costuma fazer, partindo de Teresina, onde mora.

"É sempre uma novela, porque, além do custo a mais de voo, você gasta com hospedagem, deslocamento para sair e voltar do aeroporto, tem que planejar bem para não perder o trecho seguinte", afirma.

Isso mesmo quando o destino é a Europa, como a Itália, para onde vai em abril, quase 2.000 quilômetros mais perto de Teresina do que de SP. Ele até procura rotas saindo de aeroportos como Recife ou Fortaleza, "mas não vale a pena", diz. "Você pode até economizar algumas horas saindo daqui, mas os voos são muito mais caros", afirma.

Em 2023, de janeiro a novembro, quase 12,2 milhões de viajantes internacionais passaram pelo terminal —patamar próximo dos 13,1 milhões registrados em 2019.

Segundo maior terminal do país em fluxo internacional, o Galeão, zona norte do Rio de Janeiro, registrou pouco mais de 3 milhões de passageiros internacionais de janeiro a novembro de 2023. Antes da pandemia, em 2019, o número era de 3,9 milhões no mesmo período.

O terminal carioca amargou esvaziamento em anos recentes. O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) iniciou há alguns meses um plano para transferir passageiros do Santos Dumont para o Galeão e reaquecer o aeroporto internacional.

Apesar de manterem um baixo número de destinos internacionais após o baque da pandemia, os principais aeroportos do Nordeste vêm recuperando gradualmente os passageiros internacionais.

De janeiro a novembro de 2023, Recife registrou quase 271 mil passageiros internacionais, o que tornou o terminal da capital pernambucana o maior em movimentação para fora do país no Nordeste.

O resultado representa um crescimento acima de 80% na comparação com o número observado no mesmo período do ano passado, mas ainda está longe de alcançar o patamar observado no pré-pandemia (479,2 mil passageiros internacionais, em 2019).

O aeroporto de Fortaleza, que tinha 498,7 mil viajantes internacionais nos 11 primeiros meses de 2019, acumulou 245,7 mil no mesmo período de 2023. Na mesma base de comparação, Salvador viu o número cair de 374,7 mil, antes da pandemia, para 249,5 mil passageiros internacionais. Os dois terminais tiveram recuperação em relação a 2022.

Rafael Castro, professor do Cefet-RJ (Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca) e especialista em aeroportos, diz que o Brasil tem uma forte concentração de voos internacionais em Guarulhos.

Segundo ele, o cenário se agrava com o enfraquecimento do volume de passageiros no Galeão, no Rio de Janeiro, nos últimos anos.

"A gente está falando de um país com dimensões continentais. Fazer com que alguém do Recife tenha de vir a São Paulo para pegar um voo para fora do país é absurdo. Mas as companhias aéreas vão aonde tem demanda", diz Castro.

O economista Claudio Frischtak, da Inter.B Consultoria, afirma que a pandemia pode ter acelerado a racionalização do sistema aeroportuário brasileiro. Os aeroportos do Nordeste, segundo ele, podem ter perdido voos ponta a ponta, que ligam um destino a outro sem conexões e escalas.

Dessa forma, companhias aéreas teriam passado a concentrar os voos em Guarulhos, por exemplo, para depois distribuir os passageiros para o resto do país.

"O Nordeste não deixou de ser atraente, continuou sendo uma região que atrai turismo doméstico e internacional. A pandemia afetou, obviamente. Talvez houvesse um excesso de rotas. E essa racionalização pode ter sido acelerada pela pandemia", explica Frischtak.

Procurada, a Azul afirmou que "a demanda do mercado internacional tem uma forte relação com as questões cambiais e do preço do combustível", mas que tem ampliado a malha internacional.

A companhia afirma que o Recife é um de seus principais hubs e destaca voos da capital pernambucana para a Flórida e o Uruguai.

Já a Gol destacou que "lidera a oferta internacional do Nordeste para a Argentina, voando o ano inteiro entre seis capitais dessa região e Buenos Aires" —a saber, Salvador, Maceió, Recife, Fortaleza, Natal e João Pessoa.

"Para a alta temporada de verão, a oferta de voos cresce 138% e abrange até 21 voos semanais entre o litoral nordestino e Buenos Aires", diz a companhia.

"Durante a alta temporada de verão 2023/2024, são duas frequências semanais entre a capital argentina e os aeroportos de Fortaleza, Recife, Natal e Maceió, enquanto Salvador ganha três frequências semanais."

A companhia ainda destaca ter operação semanal entre Fortaleza e Miami.

A Latam projetou um crescimento de 54% em seu número de passageiros internacionais em 2023, com 5,5 milhões de viajantes em voos com destino ou origem no Brasil —acima dos 3,5 milhões registrados pela companhia em 2022.

Portugal é destaque entre destinos internacionais

O Brasil vem recuperando aos poucos o volume de passageiros em destinos internacionais, mas rotas importantes, como aquelas que ligam o país aos Estados Unidos e à Argentina, por exemplo, ainda não alcançaram o acumulado que registraram em 2019.

Na contramão, Portugal se destaca e já ultrapassou os números pré-pandêmicos.

De acordo com os dados da Anac, foram registrados mais de 2,2 milhões de passageiros em voos que conectam o Brasil ao país ibérico nos primeiros onze meses de 2023 —cerca de 225,7 mil passageiros a mais do que em 2019.

A cantora Aparecida Silvino, 58, costuma separar algumas semanas do ano para ir a Lisboa visitar sua filha. Lá, também faz viagens a outros países da Europa. Ela está prestes a voltar a Portugal, mas reclama do preço da passagem.

Inicialmente, ela tinha pagado R$ 5.000 pelo trajeto de ida e volta que liga Fortaleza a Lisboa. Após um adiamento, desembolsou mais R$ 1.200. Foi o bilhete mais caro que já comprou para o trecho, conta. Silvino afirma que poderia ter economizado mais de R$ 1.000 se fizesse uma escala em São Paulo, onde a oferta de voos é maior, mas diz não valer a pena.

"Na volta, por exemplo, teria que ir para São Paulo, pegar as malas, andar o aeroporto inteiro para pegar o voo doméstico. É muito desagradável, desgastante. Eu acho que é um sofrimento, a gente paga para sofrer", diz a cantora.

A companhia aérea portuguesa TAP anunciou recentemente um aumento da oferta no Brasil em 2024.

Serão, neste ano, 91 voos semanais (atualmente são 80 por semana) que ligarão onze pontos do Brasil à Europa —um recorde para a empresa. Todos os voos fazem parada em Lisboa, mesmo que sigam para outros destinos.

Segundo Carlos Antunes, diretor da TAP para as Américas, o Brasil é um mercado estratégico e um dos mais importantes para a empresa. Ele diz que a presença em cidades do Nordeste é uma característica da companhia.

"Temos voos diários em Fortaleza, Natal, Salvador, etc. Nós fazemos parte do ecossistema turístico e investimos localmente. Faz todo o sentido continuarmos lá. Portugal é um destino muito conveniente, com custo-benefício e facilidades de idioma e com receptividade para o turista brasileiro", afirma.

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