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Rede de academias Velocity pega contramão das startups para se expandir, e prevê dobrar faturamento

Cadeia de bikes indoor cresce após início conservador ao apostar em geração de receita própria para expansão, na direção contrária das similares dos anos 2010

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Paulo Vieira
São Paulo

Era pouco provável que desse certo. Uma academia de ginástica "butique" com uma única modalidade ofertada, mas com valor de mensalidade similar a de redes multidisciplinares tradicionais como Competition ou SmartFit.

Mas o Studio Velocity, que surgiu em São Paulo apenas oferecendo aulas de spinning (bicicleta estática indoor), completa neste 2024 seu décimo aniversário em meio a uma expansão acelerada pelo Brasil e com pretensões de dobrar o faturamento de R$ 100 mi de 2023.

Homem pedala bicicleta ergométrica em sala escura
Unidade da Velocity, academia de spinning, em Maringá, no Paraná - Divulgação

Cofundado pelo neozelandês crescido na Austrália Shane Young, 37, o grupo Velocity hoje também conta com o Kore, estúdio de treinamento funcional com ênfase no "core" (os grupos musculares do abdômen, no jargão "fit").

O conceito é o mesmo dos espaços de spinning: vestiários com acabamento acima da média, fornecimento de "amenities" como toalhas de rosto e, nos espaços de atividades físicas, protagonismo do som e dos efeitos de luz.

O "no pain, no gain" ("sem dor, nada feito", em tradução muito livre) tão comum de certa interpretação bastante brazuca da malhação, dá lugar à balada, ou à "experiência sensorial", nas palavras de Young, que recebeu a Folha na unidade do Itaim-Bibi, que também dubla como sede administrativa.

Isso significa que na Velocity não se valoriza tanto o treinamento intenso, excruciante, fatigante, embora cada aluno possa impor à sua prática a intensidade que considerar mais adequada. Young diz que isso ajudou a trazer para a Velocity um público majoritariamente feminino e relativamente iniciante na "maromba".

A Velocity chega neste mês à sua unidade 86, enquanto a Kore vai para a 34. Até o fim do ano, a meta é crescer em 50% o número de lojas das duas marcas, cobrindo a maior parte dos estados brasileiros e entrando em praças inicialmente impensáveis, como Presidente Prudente (SP), Teresina (PI) e Maringá (PR).

Para isso, Young passou a adotar o modelo de franquia, amplamente utilizado por concorrentes para expansão rápida. Se perde na margem de lucro, o empresário crê que um pilar essencial de seu negócio, o "contato com a comunidade", sai preservado.

Como tantas outras startups alavancadas por venture capital, o Grupo Velocity previu escalar o negócio rapidamente, mas a estratégia foi sendo postergada. De início era preciso encontrar o "diferencial" do produto brasileiro.

Aplicar ipsis litteris aqui o modelo estadunidense não faria sentido, segundo ele, em razão do preço cobrado ao cliente, similar à concorrência tradicional, que, como já se disse acima, oferecia diversas outras atividades.

Assim, a tropicalização, consequência direta do entendimento de que o brasileiro não queria maromba nem professores aos berros, mas um treino mais próximo do entretenimento, levou quase dois anos.

Além disso, por decisão dos demais controladores estrangeiros, a Velocity precisava contar com fluxo de caixa próprio para expandir, numa estratégia em tudo dessemelhante à lógica comum das startups dos anos 2010, que sempre fizeram sucessivas rodadas de captação de capital para tocar a vida, não importando a quantas andava o resultado da operação.

Com isso, foram abertas apenas seis unidades nos primeiros quatro anos de existência da Velocity.

Ainda estava para chegar a pandemia de Covid-19, que não abalou a operação brasileira —a mexicana, ao contrário, soçobrou—, e serviu para modificar certas premissas por aqui, como a de que treinar sozinho em casa, sem os efeitos especiais de luz e som dos espaços Velocity, significava renunciar à "experiência" da marca.

O problema é que durante muitas semanas não havia qualquer alternativa, e a empresa acabou por se adaptar. Hoje ela já vende ou aluga bikes para quem quiser ficar em casa ou nos espaços comuns de seus edifícios, e equipamentos de luz para esses lugares e features de conexão permitem que os alunos vivenciem a tal experiência.

A bike, todas do mesmo fornecedor estrangeiro Schwinn, vem com tela integrada de até 21 polegadas que atua como um tablet e permite o acompanhamento de aulas e interação remota com professores. Segundo Young, já foram vendidas 200 bikes —e alugadas outras 120.

Young diz que seu modelo de capitalização não prevê um futuro IPO, diferentemente do que fez a SmartFit, com sua bem-sucedida abertura de capital do final de 2021 —a ação da concorrente, contudo, mantém-se hoje no mesmo patamar de valor de sua estreia na B3.

Resta contar com uma operação enxuta, com geração de fluxo de caixa e a manutenção daquilo que é o maior ativo da Velocity, segundo Young: seus professores. "Para enfraquecer a concorrência, empresas do setor às vezes tiram os professores dos outros. Aprendemos aqui a segurá-los. Posso dizer que não tivemos problemas graves com isso. Ao menos nunca foi preciso atuar de forma jurídica."

Para o empresário, há ainda muito público a ser conquistado, e essas pessoas não estão entre as que já praticam atividade física na concorrência. "Nosso principal concorrente é o bar, o restaurante, o Netflix", diz.

homem e mulher fazem abdominal em academia colorida
Aula na academia Velocity; Aos 10 anos, rede de academia continua expansão pelo país e prevê dobrar faturamento - Divulgação

O repórter testou uma das aulas da academia. Veja abaixo o relato:

Sem abdução, mas fazendo coreografia

Não houve abdução por parte de extraterrestres, como prometido pela professora Darrel, mas a sessão de spinning vivenciada por este repórter às 8h de uma sexta-feira teve algumas sensações novas.

Acostumado que estou a correr ou pedalar pelas ruas sem qualquer estímulo auditivo que não o som da cidade, a playlist tocada muito alta e os fade outs de luz bateram forte, certamente ajudando a fazer com que minhas pernas jamais deixassem de girar, como se tomadas por estranha autonomia durante os talvez 50 minutos de aula.

Em dado momento, acompanhei uma coreografia básica sobre o selim, jogando o quadril para trás em movimentos ritmados que nem sempre acompanhavam o timing de meus 10 ou 12 companheiros de sala.

Houve alguns segundos fugazes de estafa, talvez motivados pela falta de traquejo na modalidade ou, mais provavelmente, pelos excessos etílicos da véspera.

O final ainda teve uma rápida sessão de musculação para os preteridos membros superiores, ainda que com halteres peso pena.

Não posso dizer que fiquei com vontade de reproduzir a playlist —dominado por pop eletrônico comercial— em casa, mas reconheço que tocar John Coltrane ou Luiz Melodia enterraria de vez a possibilidade de encontrar ETs.

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