Carros elétricos são promessa para economia do Michigan, mas preocupam trabalhadores

Transição energética tem papel crucial em estado que é definidor para as eleições presidenciais

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Peter S. Goodman
Wayne (EUA) | The New York Times

No final do ano passado, Tiffanie Simmons, trabalhadora de segunda geração da indústria automobilística, aguentou uma greve de seis semanas na fábrica da Ford a oeste de Detroit, no estado do Michigan, onde ela monta os SUVs Bronco.

Isso resultou em um aumento salarial de 25% nos próximos quatro anos, amenizando a dor das reduções que ela e outros trabalhadores sindicalizados engoliram há mais de uma década.

Mas, quando Simmons, 38, analisa as perspectivas para a indústria automobilística americana no estado que a inventou, ela se preocupa com um novo movimento: a mudança para os veículos elétricos.

A Ford Motor assembly plant, where the Bronco is mad
Fábrica da Ford em Wayne, Michigan, onde os SUVs Bronco são produzidos - Nick Hagen - 14.fev.2024/The New York Tiems

Ela está consternada com a transição que foi defendida pelo presidente Joe Biden, cujas credenciais trabalhistas estão no cerne de sua tentativa de reeleição, e que recentemente obteve o apoio do sindicato de trabalhadores automotivos, o UAW (United Auto Workers).

O governo Biden vê os veículos elétricos como um meio de gerar empregos bem remunerados e reduzir as emissões, tendo concedido subsídios fiscais para incentivar os consumidores a comprá-los, e limitado os benefícios aos modelos que usam peças feitas nos Estados Unidos.

Mas os trabalhadores do setor se atêm na suposição de que os carros elétricos —máquinas mais simples do que seus antecessores movidos a gasolina— exigirão menos braços para serem construídos. Eles acusam Biden de colocar em risco seus meios de subsistência.

"Fiquei desapontada", disse Simmons sobre o presidente. "Confiamos nele para garantir que os americanos estejam empregados."

Michigan é um dos seis estados-pêndulo ("swing-states") que poderiam determinar o vencedor da eleição presidencial.

A indústria automobilística foi por muito tempo o centro das perspectivas econômicas do estado, impulsionando uma classe média durante grande parte do século 20. Isso antes de, nas últimas décadas, reduzir a oferta de empregos e os padrões de vida.

Hoje, as fortunas do setor automobilística de Michigan giram em torno de uma questão central: a mudança para veículos elétricos será uma nova fonte de dinamismo econômico ou a mais recente razão para se preocupar com o destino dos trabalhadores dos EUA?

"Ainda é cedo para dizer", disse Gabriel Ehrlich, economista da Universidade de Michigan. "Há um sentimento generalizado, mas não universal, de que os veículos elétricos exigirão menos mão de obra para serem produzidos. Mas, a longo prazo, esperamos que a demanda por trabalho diminua na fabricação de automóveis."

A indignação com a perspectiva de redução de postos de trabalho no setor —um eleitorado crucial— teria levado o governo Biden a considerar flexibilizar as normas de emissões nos automóveis, atrasando a transição para os carros elétricos.

Limites mais rígidos às emissões foram um pilar central dos esforços do governo para forçar as montadoras a produzir mais modelos elétricos.

Em Michigan, a governadora Gretchen Whitmer, do Partido Democrata, fortaleceu programas de treinamento para ajudar os trabalhadores a conseguir empregos em áreas emergentes da indústria, especialmente relacionadas a veículos elétricos.

Electric vehicle charging stations outside a grocery store in Roseville
Estações de recarga de veículos elétricos em Roseville, Michigan - Nick Hagen - 13.fev.2024/The New York Times

"É para onde o mundo caminha", disse Jonathan Smith, vice-diretor sênior do Departamento de Trabalho e Oportunidade Econômica de Michigan, que supervisiona a criação de um escritório estadual para ajudar trabalhadores a seguir carreiras no setor de veículos elétricos. "A questão é: estamos preparando Michigan para isso?"

O ex-presidente Donald Trump, provável oponente de Biden, atraiu trabalhadores automotivos ao acusar a Casa Branca de fazer um "mandato de veículos elétricos que destrói empregos".

Muitos deles dizem que os carros elétricos são indesejados, caros e impraticáveis, dada a necessidade de carregá-los. Eles nutrem um sentimento de que seus empregos estão sendo colocados em risco pelo objetivo de limitar as emissões de carbono, enquanto muitos questionam o consenso científico por trás das mudanças climáticas.

Quando Henry Ford foi pioneiro da linha de produção moderna, ele estava determinado a fabricar um grande número de carros para poder reduzir seus preços, permitindo que seus funcionários os levassem para casa.

Trabalhadores automotivos de hoje zombam dos carros elétricos como itens de luxo para pessoas com garagens para três carros.

Setor crucial para Michigan

Detroit é um polo industrial desde o final do século 19, devido à sua proximidade com os Grandes Lagos, cujo sistema de transporte permitia a entrada de matérias-primas de vários lugares.

Fábricas locais produziam vagões, fornos e fogões. Assim como o Vale do Silício décadas depois, a cidade estava cheia de inventores e empreendedores que usavam a criatividade na busca pela riqueza.

Em sua enorme fábrica em Highland Park, Henry Ford transformou seu Modelo T no primeiro carro produzido em massa do mundo e domou as complexidades da linha de produção.

Fábrica da Ford onde os Model T eram fabricados, em Highland Park, no Michigan
Fábrica da Ford onde os Model T eram montados, em Highland Park, no Michigan - Nick Hagen - 15.fev.2024/The New York Tiems

Michigan foi de um estado agrário para um onde praticamente qualquer pessoa disposta a trabalhar com uma chave inglesa poderia ganhar o suficiente para comprar uma casa e levar a família de férias —muitas vezes, dirigindo um Ford.

Em 1950, Michigan era o décimo estado mais rico em renda per capita, de acordo com dados do Fed St. Louis.

Mas, ao longo das décadas seguintes, Michigan se tornou símbolo das forças que assolam o conforto da classe média americana.

O comércio internacional e o transporte de contêineres permitiram que as empresas transferissem a produção de fábricas para a Ásia e para a América Latina.

O poder dos sindicatos foi dizimado à medida que os fabricantes dos EUA transferiam o trabalho para fábricas não sindicalizadas no sul do país. Com mais automação, as fábricas produziam mais bens com menos mãos.

Em 2009, uma crise financeira e vendas em declínio levaram as principais montadoras à beira da falência. Os empregos na indústria manufatureira de Michigan haviam caído pela metade em relação à década anterior.

E, em 2021, Michigan caiu para o 37º estado em nível de renda per capita. Detroit se tornou sinônimo das consequências da desindustrialização, e seu núcleo urbano foi marcado pelo abandono.

A fábrica da Highland Park da Ford hoje está vazia, suas janelas quebradas olhando para o asfalto rachado.

Mas, do outro lado da rua, um centro de empregos encaminha aqueles que procuram emprego para faculdades comunitárias que oferecem treinamento para vagas em fábricas de veículos elétricos e baterias.

"Há muitas oportunidades por aí", disse Malik Broadnax, 27, que estava começando um curso técnico de quatro meses no Macomb Community College sobre como programar robôs. A mensalidade era quase totalmente coberta por uma bolsa do estado.

Broadnax havia trabalhado em empregos mal remunerados —limpando quartos de hotel e trocando pneus. Depois de concluir o programa, ele espera começar em uma fábrica ganhando pelo menos US$ 25 (R$ 124) por hora.

Um Futuro Incerto

No entanto, o prometido futuro elétrico vai se materializar rapidamente? E por quanto tempo mais a indústria de automóveis a combustão vai durar?

Nos próximos anos, Michigan provavelmente verá um aumento de empregos, porque as montadoras vão continuar a produzir veículos a gasolina, mesmo construindo fábricas para produzir modelos elétricos e baterias, disse Ehrlich, o economista da Universidade de Michigan.

Depois disso, a situação fica incerta.

Em um possível cenário, no qual os veículos elétricos ganham força gradualmente e só representam 100% das vendas de carros novos até 2050, Ehrlich prevê que os empregos no setor em Michigan aumentarão ligeiramente, para 180 mil, e depois cairão para 150 mil.

Mas, se a transição avançar mais rapidamente e se Michigan perder investimentos para estados onde os sindicatos têm menos influência, as perdas de empregos podem ser mais acentuadas, deixando talvez 90 mil postos de trabalho até 2050.

Isso poderia eliminar mais 330 mil empregos em áreas relacionadas, como seguros e fretes. Mas Ehrlich se apressa para acrescentar que, por enquanto, as tendências parecem boas.

Líderes sindicais ecoam essa ideia enquanto prometem organizar trabalhadores em mais fábricas. Eles também destacam que seus novos contratos com as montadoras de Detroit proíbem a transferência da produção de tecnologias emergentes para subsidiárias onde os funcionários não são sindicalizados.

Nos novos contratos, a taxa de pagamento máxima excederá US$ 40 por hora, acima dos cerca de US$ 32 de acordos anteriores. Já o salário inicial vai passar os US$ 30 por hora, em comparação com US$ 18 nos contratos anteriores.

"Todos vão passar por essa transição", disse Laura Dickerson, diretora do UAW que representa uma parte do sudeste de Michigan. "Temos que abraçá-la porque está próxima."

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste texto afirmava que Detroit era a capital do estado de Michigan. 
 

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