Economia brasileira está devagar, quase parando, avaliam consultorias

Expectativa é de aceleração no 2° semestre, mas PIB deve crescer a metade do ano passado

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São Paulo

A economia brasileira encerrou 2023 e começou 2024 muito devagar, quase parando, o que confirmaria, por ora, a expectativa de um crescimento neste ano que deve chegar apenas à metade daquele do ano passado —cerca de 1,5%, ante 3% em 2023.

Institutos e consultorias estimam que foi negativa ou muito baixa a taxa de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) no último trimestre de 2023 em relação aos três meses anteriores. Para o primeiro trimestre de 2024, a expectativa é a mesma.

Consumidores saem às ruas em São Paulo atrás de fantasias e brincadeiras para o Carnaval - Cris Faga/Folhapress

O Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) avalia que o crescimento do PIB no último trimestre de 2023 tenha ficado em zero; e projeta queda de 0,1% nos primeiros três meses de 2024, sempre em relação ao trimestre anterior.

A consultoria Tendências estima ter havido queda de 0,4% no último trimestre e prevê alta de 0,5% no primeiro deste ano. Segundo a MB Associados, os números seriam zero e 0,2%, respectivamente.

Para Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro Ibre-FGV, dois aspectos tornam o crescimento de 2024 difícil. O primeiro é que o chamado carregamento estatístico (ou impulso) do PIB do fim de 2023 para 2024 será menor do que foi o de 2022 para 2023.

Naquela ocasião, este carregamento foi de 0,9%, o que significa que a economia teria crescido 0,9% em 2023 mesmo que a atividade parasse. Agora, o impulso é de apenas 0,2%, pois houve desaceleração no segundo semestre do ano passado.

Outro ponto é que o chamado PIB exógeno —que inclui externalidades ao ciclo normal da economia— foi de 1,7% em 2023, puxado sobretudo pelo aumento de 16,2% do PIB agropecuário. Neste ano, o componente exógeno seria de apenas 0,5%, com queda estimada de 3,4% no PIB agrícola, segundo cálculos do Ibre.

Incertezas com a situação fiscal do país também devem continuar pesando nas decisões de investimentos produtivos, apesar da expectativa de queda nos juros neste ano.

"O fiscal foi da água para o vinho, de um superávit primário [de 1,28% do PIB] em 2022 para um déficit em 2023 [de 1,27%, já descontados R$ 92,4 bilhões para o pagamento de precatórios]", diz Matos, que estima novo déficit neste ano, de 0,8% do PIB.

Déficits ou superávits primários têm impactos diretos na relação entre a dívida pública e o PIB, principal conceito de solvência de um país. Quando há superávit, a dívida pública cai; e o contrário se dá quando há déficit.

Por enquanto, a meta do Ministério da Fazenda para o resultado fiscal deste ano é déficit zero. Para o crescimento do PIB, calcula 2,2%, acima da média de 140 instituições ouvidas no chamado Boletim Focus do Banco Central, que estimam 1,6%.

Nos últimos dois anos, o PIB cresceu bem acima das previsões: em 2022, esperava-se 0,4%, e a alta foi de 2,9%. Em 2023, 0,8%, e deve ter chegado a 3%. Mas foram anos atípicos, com muito gasto público. Desde o início deste século, a economia tem crescido pouco abaixo de 2% ao ano, em média.

Segundo Alessandra Ribeiro, diretora de Macroeconomia da Tendências, é possível que a economia ganhe tração no segundo semestre, quando o atual processo de redução da taxa básica de juros (a Selic) estiver mais avançado.

"Em 2023, tivemos uma queda de 2,5% nos investimentos, que podem aumentar cerca de 2,3% neste ano com a melhora das condições do crédito, impulsionando setores como indústria e construção civil", afirma. No ano passado, segundo o IBGE, a indústria ficou estagnada, oscilando 0,2% em relação a 2022.

Prevendo alta de 1,5% no PIB de 2024, Ribeiro afirma que é difícil dizer se, passados os anos atípicos de 2022 e 2023 —de muito gasto público—, o Brasil teria voltado ao "normal", com taxas modestas.

"Os economistas estão batendo cabeça para entender se o potencial da economia mudou por causa das reformas aprovadas desde 2016 [como as trabalhista e previdenciária]."

No emprego, por exemplo, o Brasil fechou o último trimestre de 2023 com taxa de desocupação de 7,4%. No mercado formal, houve saldo líquido de 1,4 milhão de contratações. Mas 255,4 mil delas (18%) foram em contratos permitidos pela reforma trabalhista, como intermitentes, por menos de 30 horas semanais.

Para 2024, Ribeiro estima que o rendimento médio habitual dos trabalhadores também crescerá menos que no ano passado: 1,5%, ante 5% em 2023. Em sua opinião, isto deve impactar negativamente o consumo. Por outro lado, tem havido descompressão no nível de endividamento das famílias.

Felipe Tavares, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, afirma que recentemente revisou para baixo sua expectativa de crescimento do PIB (para 1,1%) e das vendas do comércio (1,6%) neste ano.

"No comércio, dependemos 100% de PIB, de animação, de dinheiro no bolso do consumidor, de crédito na rua. Quando as expectativas não são tão boas, nosso setor sente mais", afirma.

"Em 2023, houve um boom de surpresas positivas no cenário externo, com China, Estados Unidos e Europa crescendo acima do esperado. E tivemos uma super safra que não se repetirá. Esse vento de cauda fez muita gente até ignorar os atuais riscos fiscais e a deterioração das contas públicas. Neste ano, isso vai pesar", diz Tavares.

Segundo cálculos de Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, descontando-se gastos com precatórios, a despesa do governo aumentou 8% em termos reais em 2023, fruto essencialmente da PEC da Transição aprovada no fim de 2022.

Para este ano, o gasto estatal (sem precatórios) deve crescer bem menos, cerca de 2% (R$ 41 bilhões), limitando seu impulso sobre a economia.

Vale estima que, para o governo alcançar a meta de déficit zero neste ano, precisaria aumentar a receita em pouco mais de R$ 181 bilhões, "o que certamente não vai acontecer", diz.

"Na melhor das hipóteses, com um conjunto de impacto via crescimento e esforço arrecadatório, o governo pode conseguir metade disso, R$ 90 bilhões", afirma —o que levaria a um déficit de 0,8% do PIB.

Para o economista Nelson Marconi, coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo da FGV, um dos obstáculos para acelerar o crescimento é o baixo nível de investimentos na economia brasileira.

Segundo o IBGE, no terceiro trimestre de 2023 (último dado disponível), a taxa de investimento no país foi de 16,6% do PIB, com queda em relação ao mesmo período de 2022 (18,3%). Muitos economistas estimam que, para o Brasil crescer de forma sustentável, essa taxa deveria estar mais próxima de 25%.

Para Marconi, mesmo que a Selic siga caindo, a taxa real de juros (acima da inflação), continuará alta no Brasil, impactando nas escolhas de empresários entre investir mais na produção ou deixar o dinheiro rendendo do mercado. "De qualquer forma, com o investimento baixo, não vamos ter uma retomada significativa", afirma.

No final de 2023, outros indicadores de atividade mostram, no entanto, que houve crescimento em relação a 2022.

O consumo de energia no setor comercial, por exemplo, foi cerca de 11,2% maior, na média de novembro e dezembro, em relação aos mesmos meses de 2022. O residencial, quase 13% maior na mesma comparação, segundo dados da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), vinculada ao Ministério das Minas e Energia.

Movimentação em loja de São Paulo para a compra de materiais escolares. - Cris Faga/Folhapress

Segundo Thiago Ivanoski, diretor da EPE, parte do aumento deve ser atribuído ao calor mais intenso no final do ano passado, que levou a gastos maiores com aparelhos de ar condicionado.

No setor de papel e papelão ondulado, usado em embalagens, o crescimento nas vendas em 2023 foi de 0,7% acima de 2022.

Segundo José Carlos da Fonseca Junior, presidente-executivo da Associação Brasileira de Embalagens em Papel (Empapel), o setor é muito sensível à renda e ao consumo, e suas variações determinarão o desempenho da área.

Fonseca atribui algum aumento a mudanças nos hábitos dos consumidores, pois compras online requerem embalagens de papelão para serem entregues.

Por último, o tráfego de veículos em praças de pedágio em rodovias federais concedidas teve alta de 4,5% no ano passado em relação a 2022, segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres.

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