Maternidade ainda é grande dilema para mulheres que ambicionam cargos de liderança

Fora do campo das preocupações dos dirigentes homens, os filhos adicionam desafios para as executivas de empresas

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São Paulo

Quando finalmente entendeu que não queria gestar uma criança e conseguiu encarar isso de forma natural, a escritora Larissa Cruvinel tinha acabado de passar por um longo ano de transformações na sua vida.

Com o pai e a mãe diagnosticados com câncer no espaço de apenas 12 dias, e durante o auge de sua carreira profissional, Cruvinel se viu em uma situação de precisar abrir mão de seu cargo como gerente regional da Amcham (Câmara Americana de Comércio para o Brasil) para se dedicar ao cuidado dos pais.

Mulher grávida
Muitas mulheres ainda se veem obrigadas a fazer uma escolha entre maternidade e liderança - Unsplash

Ela, que se casou com o seu primeiro namorado, juntos desde a adolescência, passou a refletir pela primeira vez com mais profundidade se de fato queria ser mãe. Com um pai sexólogo, foi incentivada ainda nova a congelar os óvulos, o que ela fez aos 32 anos de idade, mesmo sem sentir vontade de ser mãe.

"Eu nunca sonhei com a maternidade, mas tinha dificuldades de entender isso com naturalidade. Eu achava que uma hora viria a vontade. Quando congelei os óvulos, senti uma paz, porque pensava que poderia adiar isso e ser mãe com 40 anos", diz.

Longe do ambiente corporativo, e enquanto acompanhava os pais em tratamento, Cruvinel teve tempo para mergulhar na produção de um livro sobre maternidade, para o qual acionou sua lista de contatos de mulheres executivas a fim de ouvir suas experiências.

O livro "A Serenidade da Renúncia: Uma bússola para mulheres corajosas decidirem autenticamente por serem (ou não) mães" —lançado 100% digitalmente no dia 14 de novembro—, surgiu nessa situação, conta a autora. "Foi um processo muito intenso para mim. Desde o dia 2 de janeiro eu não parei de escrever".

Foi justamente enquanto escrevia o livro que Cruvinel decidiu que não queria ter filho por meio da gestação. "Consegui entender que isso [gestar uma criança] não é para mim e pude aceitar de uma forma mais natural. Mas eu abro a possibilidade para adotar uma criança maior. Só que essa decisão é um próximo passo", diz.

Formada em administração de empresas, Larissa Cruvinel acaba de lançar o livro "A Serenidade da Renúncia: Uma bússola para mulheres corajosas decidirem autenticamente por serem (ou não) mães"
Formada em administração de empresas, Larissa Cruvinel acaba de lançar o livro "A Serenidade da Renúncia: Uma bússola para mulheres corajosas decidirem autenticamente por serem (ou não) mães" - Divulgação

MATERNIDADE NÃO LINEAR

Cruvinel é amiga de Monalisa Gomes, que já foi CEO de empresas de diversos setores. Ao contrário da amiga escritora, Gomes não teve tempo para tomar uma decisão se queria ser mãe.

Aos 18 anos, enquanto doava sangue, sentiu um desconforto e foi levada ao hospital. Lá ela descobriu que estava grávida de Brenda, hoje com 21 anos de idade. Sem ter feito planos, a vida adulta de Gomes veio de supetão, quando teve que construir a carreira junto com a maternidade.

"Eu não tive a maternidade linear. Na minha vida, filho e trabalho sempre estiveram integrados", conta.

A empresa onde ela iniciou sua jornada profissional, inclusive, e a escolha da faculdade foram influenciados diretamente pela maternidade, de forma que ambos os ambientes fossem favoráveis para ela criar a filha.

Formada em Ciências Contábeis, e com experiência em empresas situadas em um dos centros financeiros de São Paulo, a Faria Lima, Gomes conseguiu ascender profissionalmente como mãe em um dos ambientes de trabalho mais masculinos que existem.

Quando ela se estabeleceu em um cargo de liderança na área de controladoria, sendo responsável por uma equipe, ela finalmente teve a chance de escolher o que faria em relação à maternidade, e decidiu ter um segundo filho, o Gabriel, hoje com 15 anos.

Após passar pela presidência de diversas companhias, sendo a última delas a Fronius no Brasil, fabricante austríaca de máquinas, aparelhos e materiais elétricos, Gomes se viu diante de um novo dilema. Quando decidiu casar pela segunda vez, agora com um executivo austríaco, ambos tiveram que escolher onde morar: Brasil ou Áustria.

Com os filhos maiores e sem ter tido a oportunidade antes de fazer intercâmbio por conta da maternidade precoce, escolheu ter a experiência de morar fora com o marido. "Geralmente os filhos crescem e vão para o mundo, e eu que fiz isso sendo mãe", diz.

Monalisa Gomes, líder de operações para as Américas e Península Ibérica na companhia austríaca Schauer Agrotronic
Monalisa Gomes, líder de operações para as Américas e Península Ibérica na companhia austríaca Schauer Agrotronic - Divulgação

Os filhos, contudo, não foram junto. "No início eu pensei: que raio de mãe que eu sou que meu filho mais novo não quis ir morar comigo. Mas ele mesmo me disse que eu não sou menos mãe por isso. Para ele, o mais importante é conviver comigo, e não necessariamente morar junto. Porque sempre viajei bastante, e não tínhamos qualidade de tempo morando na mesma casa. Hoje, não, quando estamos perto, aproveitamos ao máximo o tempo juntos", conta.

Para se mudar para a Áustria, Gomes decidiu abrir mão de seu cargo de CEO na Fronius, porque se ela mudasse de país pela empresa passaria por um rebaixamento muito grande de posição. Ela então encontrou um cargo perfeito para os novos desafios que buscava.

Atualmente, ela lidera operações para as Américas e Península Ibérica na também austríaca Schauer Agrotronic, o que a mantém conectada sempre com o Brasil, apesar de morar fora. Ela também é conselheira consultiva na Edmond Tech —startup de energias renováveis— e na ONG Rede e Instituto Mulher Empreendedora.

Gomes conta que, mesmo com a distância, procura ao máximo estar presente na vida dos filhos e estar por dentro de tudo o que acontece com eles, encontrando na comunicação virtual um caminho para isso, além de contar com uma rede de apoio no Brasil, inclusive o próprio ex-marido, com quem foi casada por 15 anos.

"Eu não tento fazer tudo sozinha, ser super-heroína. Eu conto com toda uma rede de apoio para participar da vida dos meus filhos".

CARGA DIVIDIDA

Com uma longa carreira em cargos de gerência na Petrobras, a engenheira Cristina Pinho, mãe de três filhos, hoje é conselheira consultiva na Shell, além de ocupar cadeira no conselho de administração da companhia de óleo e gás Ocyan e da americana Northern Technologies International Corporation.

Assim como Monalisa Gomes, ela também conta com o apoio em casa no cuidado dos filhos, o que a permitiu ascender profissionalmente, sem se sobrecarregar com a maternidade sozinha.

"Eu casei com uma pessoa que sempre respeitou minhas escolhas profissionais. Para ele, a gestão tanto da casa como dos filhos sempre foi nossa, não só minha", diz.

Pinho lembra que quando os filhos eram crianças, ela acordava de madrugada para amamentar, e o marido sempre despertava também para ajudar com outras funções, como trocar as fraldas. "Ele acordou todos os dias de madrugada comigo para me ajudar na amamentação", conta.

Após passar por cargos de gerência na Petrobras, Cristina Pinho hoje é conselheira consultiva na Shell e conselheira de administração na Ocyan
Após passar por cargos de gerência na Petrobras, Cristina Pinho hoje é conselheira consultiva na Shell e conselheira de administração na Ocyan - Divulgação

A executiva tem um filho de 41 anos e outro de 28. Entre os dois, ela teve uma menina, que morreu em um acidente de carro em Nova York quando tinha 20 anos de idade. Hoje ela teria 34. Apesar do tempo, Pinto conta que pensa na filha todos os dias.

"Tudo me lembra da minha filha. Mas hoje penso mais na alegria de ter tido ela".

Pinho conta que ela e o marido reverteram a dor dessa perda criando o Instituto Luísa Pinho Sartori, voltado ao incentivo de jovens conservacionistas à preservação no seu trabalho e nos seus estudos do meio ambiente. O instituto é uma homenagem à filha, que era bióloga e ativista pela ecologia.

Sempre se referindo ao projeto no plural, a engenheira conta que ela e o marido compartilham tudo juntos. Ela se indigna com o fato de ainda existirem mulheres que precisam fazer uma escolha entre maternidade e carreira por falta de apoio dos seus parceiros.

"Essa responsabilidade ainda recai sobre as mulheres. Fico muito chocada com isso. A maioria das mães ainda não conta com uma rede de apoio para tocar a carreira com filhos. As mulheres ainda têm uma carga muito maior na gestão do lar e dos filhos. E ainda são elas que precisam sacrificar sua profissão pelo homem", diz.

"É por isso que os homens ascendem profissionalmente mais rápido, e aí está o problema da diferença salarial entre os gêneros", pondera.

De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2022, as mulheres com 14 anos ou mais dedicavam, em média, 9,6 horas por semana a mais do que os homens em afazeres domésticos.

Do total, 17 horas em média eram dedicadas pela população brasileira aos trabalhos da casa, sendo 21,3 horas semanais para as mulheres e 11,7 horas para os homens.

Somente entre as pessoas com ocupação fora do lar, as mulheres realizaram, em média, 6,8 horas semanais a mais que os homens em afazeres domésticos.

O levantamento ainda mostra que, enquanto 91,3% das mulheres se empenham em alguma atividade relacionada ao ambiente doméstico, essa proporção cai para 79,2% entre os homens.

Quando analisada sob o prisma racial, a pesquisa mostra que mulheres pretas são as que têm taxa maior de realização de afazeres domésticos, com 92,7%, contra 91,9% entre as pardas e 90,5% entre as brancas. Nesses mesmos grupos, essas proporções no público masculino são, respectivamente, 80,6%, 78% e 80%.

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