Disparada da imigração explica força da economia dos EUA, dizem estudos

Mão de obra estrangeira vai adicionar US$ 7 tri à economia e US$ 1 tri às receitas do governo em 10 anos, aponta relatório

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Washington

O enigma da surpreendente força exibida pela economia americana começa a ser desvendado —e Donald Trump não vai gostar da resposta.

Segundo estudos recentes, o intenso fluxo de imigrantes que chegaram ao país no governo Joe Biden ajudou a preencher o boom de vagas de trabalho do pós-pandemia, elevar o patamar de consumo e impulsionar o PIB nos últimos dois anos. E é graças a eles que essa força vai continuar.

Até 2034, a expansão do mercado de trabalho via absorção de mão de obra estrangeira vai adicionar US$ 7 trilhões à economia dos EUA e US$ 1 trilhão às receitas do governo federal, de acordo com relatório elaborado pelo Departamento de Orçamento do Congresso (CBO, na sigla em inglês) divulgado em fevereiro.

Mais de mil migrantes fazem fila para passar por um centro de processamento da patrulha de fronteira dos EUA em Eagle Pass, Texas - John Moore/Getty Images via AFP

Os números levam em conta a entrada de migrantes acima das projeções originais nos últimos dois anos, que resultou em um saldo líquido (ou seja, descontados aqueles que saem do país) de 2,6 milhões em 2022 e 3,3 milhões em 2023.

Para este ano, a estimativa é que o saldo seja de 3,3 milhões, considerando ingressos regulares e irregulares.

Para compreensão da magnitude dessas revisões, em 2019, último ano antes da pandemia, esse número foi de apenas 415 mil.

O boom migratório dos últimos anos levou o CBO a elevar em 5 milhões a projeção feita há apenas um ano para a força de trabalho em 2033, totalizando agora 178 milhões de pessoas. A partir de 2040, todo o crescimento populacional americano será via imigração, afirma o relatório.

"Temos um desafio demográfico em andamento que foi previsto mesmo antes da pandemia. Temos uma sociedade envelhecendo, obviamente, mas também os baby boomers entrando agora na aposentadoria. Sem imigrantes, teríamos dificuldade para preencher os empregos mesmo que a pandemia não tivesse acontecido", diz à Folha a economista Tara Watson, diretora do Centro para a Segurança e Oportunidade Econômica do Instituto Brookings.

"A imigração não é apenas positiva para a economia americana, na verdade ela é necessária para a continuidade do nosso crescimento econômico, especialmente em vista desses desafios demográficos", afirma.

Em parceria com a também economista Wendy Edelberg, Watson usou esses novos dados do CBO para calcular o impacto na economia atribuível à entrada de imigrantes.

O estudo, publicado neste mês, aponta um ganho extra de US$ 20 bilhões na renda real agregada do país (ou seja, descontada a inflação) e de US$ 19 bilhões no consumo em 2022.

Em 2023, os valores são ainda maiores: US$ 48 bilhões e US$ 46 bilhões, respectivamente. Em termos percentuais, esse impacto responde por um aumento de 0,1 ponto percentual do PIB americano em ambos os anos, de acordo com as autoras.

Embora pequeno no agregado nacional, o efeito é sentido com força nos estados com maior presença de imigrantes proporcionalmente à sua força de trabalho —evidência disso é que o crescimento das vendas no varejo foi maior nesses lugares, dizem as economistas.

"Tivemos uma recuperação bastante forte da pandemia em comparação com o Ocidente. Os imigrantes estão ajudando com isso, assumindo parte dessa demanda e transformando-a em bens e serviços que os americanos estão procurando", afirma Watson.

As economistas veem na chegada desses novos trabalhadores a explicação para a persistência do aquecimento do mercado de trabalho americano —desde janeiro de 2022, a taxa de desemprego não supera os 4%.

Isso porque essa expansão inesperada da oferta de mão de obra elevou de 130 mil para 230 mil o limite de crescimento mensal sustentável do mercado de trabalho no ano passado, muito mais próximo do dado efetivamente observado, de 255 mil em média, dizem as autoras.

Para este ano, esse teto foi revisado de 100 mil para 200 mil.

Nos cálculos do CBO, a contribuição da expansão da força de trabalho para o PIB potencial (o crescimento máximo da economia sem gerar inflação) será de 0,9 p.p. no ciclo de 2024 a 2028, revertendo pela primeira vez a trajetória de queda desse componente desde os anos 1980.

No entanto, os EUA vêm enfrentando níveis elevados de inflação. Olhando para trás, Watson afirma ainda ser muito cedo para dizer o quanto do problema está relacionado ao boom migratório, mas indicadores disponíveis até agora sugerem um impacto positivo, diz ela.

"Há um debate porque, com a chegada de imigrantes, há um aumento da demanda por produtos e serviços. No entanto, eu diria que nós pensamos que a inflação estaria mais alta nesse momento, e que para ela recuar, nós teríamos que ver uma taxa de desemprego maior do que a que nós temos. Então, à luz disso, parece que os imigrantes estão ajudando a esfriar a inflação, mas ainda é cedo para dizer."

Em fevereiro, os EUA registraram uma inflação anual de 3,2%, ligeiramente acima das projeções. O Federal Reserve (o Fed, banco central americano) vinha se valendo de elevações dos juros básicos na tentativa de desaquecer a economia. Nas últimas reuniões, manteve-a congelada, o que se repetiu nesta quarta-feira (20), com os juros entre 5,25% e 5,50% ao ano.

"Se eles forem longe demais e nós nos virmos em uma situação em que não há vagas suficientes, esses novos trabalhadores provavelmente serão os que mais vão sofrer", diz Watson, em referência à posição precária de muitos deles no mercado de trabalho, especialmente dos que estão em situação irregular.

Os estudos são divulgados em meio à corrida eleitoral pela Presidência americana, em que imigração é um tema central. A disparada na entrada de pessoas durante o governo Biden é uma das principais fragilidades do incumbente; para Trump, que associa estrangeiros à violência, fechar as fronteiras é prioridade.

Watson reconhece que, apesar dos ganhos econômicos da entrada de imigrantes, essa é uma "mensagem difícil para transmitir ao eleitor médio". "Imigrantes também estão colocando pressão nos orçamentos municipais, as pessoas os veem nas ruas e isso as deixa desconfortáveis", diz.

"Muitas vezes pensei que as principais objeções à imigração nos EUA não vêm de uma perspectiva econômica. Elas vêm de outros pontos de vista. Eu não sei se você combate esse tipo de reação emocional com dados econômicos. Eu não sei se essas duas coisas podem travar uma luta justa."

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