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John Thornhill

IA vai nos transformar em pessoas supérfluas? Entenda por que isso é um exagero

Temos que encontrar maneiras melhores de redistribuir os ganhos financeiros da revolução tecnológica

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John Thornhill

Editor de Inovação do Finacial Times e fundador do site Sifted, sobre startups europeias

Financial Times

A primeira vez que ouvi o termo "pessoas supérfluas" foi ao ler os escritores russos do século 19 Alexander Pushkin e Ivan Turguêniev. Em suas histórias, homens ociosos, mimados e cansados da vida da pequena nobreza perseguiam mulheres, jogavam fora suas heranças e baleavam uns aos outros em duelos.

Como a "quinta roda de uma telega", como Turguêniev os descreveu, eles encontravam pouco propósito na vida. Já seus equivalentes da vida real mais tarde seriam sugados para causas radicais. Essa superprodução da elite às vezes é culpada por inflar a revolução bolchevique de 1917.

A segunda vez que ouvi o termo "pessoas supérfluas" foi em uma conversa mais recente e arrepiante com um capitalista de risco da costa oeste dos Estados Unidos.

Carro autônomo da empresa Waymo em Los Angeles, na Califórnia - Getty Images via AFP

Dessa vez, foi em relação à revolução da inteligência artificial. Sua visão era de que as máquinas em breve seriam capazes de fazer quase todos os trabalhos que os humanos fazem atualmente, tornando muitos de nós supérfluos.

"No futuro, haverá apenas dois tipos de empregos: aqueles que dizem às máquinas o que fazer e aqueles que são instruídos pelas máquinas sobre o que fazer", ele disse.

Em outras palavras, ou você será aquele programando os algoritmos que dizem aos motoristas da Uber para onde ir ou você será o motorista da Uber sendo informado por esse algoritmo para onde ir.

Novamente, ambos os empregos podem desaparecer com a chegada dos carros totalmente autônomos.

Essa conversa reducionista tem se tornado mais relevante com o aumento do entusiasmo sobre a IA. Máquinas inteligentes automatizarão o poder cerebral da mesma forma que máquinas burras automatizaram o poder físico durante a revolução industrial.

Mais uma vez, o espectro recorrente do desemprego tecnológico emergiu. A IA seria "a força mais disruptiva da história" e poderíamos chegar a um ponto "no qual nenhum emprego é necessário", disse o bilionário Elon Musk ao primeiro-ministro britânico Rishi Sunak no ano passado.

"A IA provavelmente será mais inteligente do que qualquer humano no ano que vem", Musk escreveu.

Esse senso de inevitabilidade tecnológica foi parcialmente abordado em uma recente conferência da Fundação Ditchley, em Oxfordshire, Reino Unido, sobre o impacto da IA no trabalho e na educação, que contou com a presença de políticos, tecnólogos e executivos.

Alguns palestrantes argumentaram que estávamos rapidamente nos aproximando de uma "emergência" de empregos. Os empregadores já estariam aproveitando as possibilidades da IA generativa para reduzir trabalhadores e cortar a contratação de graduados.

Hoje, a IA generativa ameaça os empregos de redatores e trabalhadores de call center. Amanhã, atingirá gerentes intermediários e advogados.

A IA generativa também alterará a natureza de muitas tarefas que os funcionários realizam, mesmo que não elimine seus empregos completamente.

Um estudo sobre seu impacto estimou que a tecnologia afetaria pelo menos 10% das tarefas realizadas por cerca de 80% da força de trabalho dos EUA.

Mas alguns especialistas em mercado de trabalho argumentam que essas previsões abrangentes de um apocalipse de empregos são a-históricas e quase certamente erradas.

Elas ignoram nossa experiência passada com novas tecnologias, a dinâmica de adaptação da sociedade, as possibilidades de inovação criativa e o peso da demografia. Em resumo, elas confundem a viabilidade tecnológica com a viabilidade econômica, como argumentou o sociólogo Aaron Benanav.

Uma das principais reclamações dos empregadores na conferência da Ditchley foi o quão difícil é recrutar trabalhadores qualificados em economias quase com pleno emprego e sociedades envelhecidas. E, embora seja fácil ver os empregos que serão perturbados pela IA, é difícil imaginar aqueles que serão criados.

Cerca de 60% das categorias de empregos no final da década de 2010 não existiam em 1940 —na medicina, computação, entretenimento e energia solar, por exemplo.

"A menos que haja uma grande mudança na política de imigração, os EUA e outros países ricos ficarão sem trabalhadores antes de ficarem sem empregos", escreveu David Autor, economista do MIT, em um ensaio recente.

Como Autor e outros argumentaram, devemos portanto encarar a IA como uma oportunidade, em vez de uma emergência. Ela oferece a chance de estender a "relevância, alcance e valor" da expertise humana para mais trabalhadores e reconstruir a classe média.

Podemos usar a IA para impulsionar a aprendizagem ao longo da vida e complementar uma força de trabalho em diminuição.

Podemos aprimorar as habilidades e revalorizar as profissões que ainda são melhor exercidas por humanos, como enfermagem e ensino. E temos que encontrar maneiras melhores de redistribuir os ganhos financeiros da revolução da IA, dos vencedores para os perdedores.

A falha em fazer isso provavelmente levará a outra revolta das "pessoas supérfluas", desta vez contra os robôs, em vez dos Romanovs.

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