Entenda o que é a captura de carbono que limpa o ar em escala industrial

Métodos de captura de carbono são parte do combate à crise climática, mas ainda carecem de regulação e incentivos

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São Paulo

A descarbonização de setores-chave da economia virou um assunto de urgência máxima. E, ao mesmo tempo em que alternativas aos combustíveis fósseis têm se tornado o foco, a outra ponta desses esforços também tem recebido atenção crescente: a de remoção e captura de carbono.

Faz parte do conceito de "net zero", ou seja, de zerar as emissões líquidas de carbono até 2050 para evitar o ponto de "não-retorno". Isso vai acontecer quando a quantidade de carbono levada à atmosfera for igual à quantidade que é removida.

É nesse sentido que surgem as tecnologias de CCUS, sigla em inglês para captura, utilização e armazenamento de carbono, ou apenas CCS, quando usar o carbono capturado não entra na equação.

Dois coletores de CO2 da planta Mammoth, cada um com 12 ventiladores capazes de sugar o ar atmosférico
Dois coletores de CO2 da planta Mammoth, da startup Climeworks, cada um com 12 ventiladores capazes de sugar o ar atmosférico - Climeworks/Divulgação

Trata-se de uma frente de combate à crise climática considerada fundamental pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), da ONU, e pela IEA (Agência Internacional de Energia) –e um mercado que, hoje, movimenta cerca de US$ 10 bilhões ao ano, principalmente por meio de créditos de carbono.

Entenda abaixo os principais pontos sobre o CCUS, quais são as subdivisões desse setor, as críticas envolvidas, os países líderes na implementação das tecnologias e em que pé elas estão no Brasil.

O que é CCUS?

As tecnologias de captura, utilização e armazenamento de carbono são "transversais", nas palavras da IEA. Ou seja, andam ao lado de outras estratégias de combate à crise climática, especialmente as que visam substituir a queima de combustíveis fósseis, como carvão, petróleo e gás natural, por fontes de energia limpa.

Não se trata de uma solução milagrosa ou o foco principal da transição energética. Pelo contrário: de acordo com a IEA, em relatório publicado em setembro do ano passado, a captura de carbono representa 8% das reduções totais de emissões globais até 2050.

8%, no entanto, não é um número irrisório. A ideia é que as tecnologias de CCUS consigam compensar pelas emissões de setores que, mesmo adotando todas as estratégias de descarbonização possíveis, não conseguem ser livres de carbono.

"O CCS [ou CCUS] é uma atividade cujo único objetivo é reduzir as emissões de outra atividade", diz Isabela Morbach, fundadora da CCS Brasil, organização sem fins lucrativos que visa estimular o desenvolvimento do setor no Brasil.

"A indústria de cimento é um bom exemplo: no mundo, há um esforço tremendo para descarbonizar a cadeia de produção. Mas mesmo reduzindo tudo que há para reduzir, ainda sobram 40% das emissões que não conseguem ser abatidas, a não ser pela implementação de CCS."

A meta é que todas as frentes de CCUS capturem, por ano, 1,2 bilhão de toneladas de CO2 a partir de 2030 –um pouco mais do que é produzido por todos os aparelhos de ar-condicionado do mundo anualmente.

Mas, a seis anos da meta, o setor não está no caminho certo.

No estágio atual, são capturadas 45 milhões de toneladas por ano em todo o mundo, vindas de instalações comerciais. Nos últimos anos, empresas impulsionadas por incentivos nos Estados Unidos e na Europa têm se movimentado para adicionar novos projetos ao mapa, o que levaria a cifra a 400 milhões de toneladas/ano até 2030 –ainda muito aquém do necessário.

Os esforços, porém, crescem ano a ano. A previsão do BCG (Boston Consulting Group) é que, até 2040, todo o mercado CCUS cresça para US$ 135 bilhões, fomentado por incentivos governamentais e empresas interessadas em créditos de carbono.

Há ainda outro ponto: o setor não passa ileso de controvérsias. Ativistas climáticos temem que ele possa ser uma espécie de "passe livre" para que grandes emissores de CO2 não alterem significativamente seus modelos de negócios ou reduzam a queima de combustíveis fósseis.

Mas a própria IEA emitiu um relatório que precifica o que um "efeito rebote" traria para os principais emissores hoje. Alertando contra "expectativas excessivas e dependência" da captura de carbono, a agência estima que custaria US$ 3,5 trilhões por ano para capturar ou compensar todas as emissões da produção atual de petróleo e gás natural.

A captura de carbono, concluiu o relatório, "não é uma forma de manter o status quo".

Quais são as formas de captura de carbono atuais?

O CCUS tem três principais subdivisões: a captura nas fontes de emissão, o sequestro de biomassa e a eliminação de carbono já emitido da atmosfera. Ou seja, ele intervém em toda a cadeia de carbono, antes, durante e depois de emitido à atmosfera.

A primeira forma –a que atua diretamente nas fontes de emissão– é a mais comum. São instaladas tubulações ou filtros químicos em fontes estacionárias que impedem que o CO2 resultante de processos industriais, como na produção de cimento, aço e siderurgia, vá para a atmosfera. Elas também podem ser aplicadas em instalações industriais que usam combustíveis fósseis ou biomassa para energia.

Depois de capturado, o CO2 é comprimido, transportado e depositado em locais seguros de armazenamento, por exemplo formações geológicas subterrâneas e poços de petróleo e gás natural já exauridos. Se essa for a etapa final, a sigla vira CCS (captura e armazenamento em carbono, em inglês).

Mas há aplicações possíveis para o CO2 capturado –o que adiciona o "U" à sopa de letrinhas. Por exemplo: a startup LanzaTech, em Chicago, nos EUA, o utiliza para produção de calças de ioga, recipientes de alimentos e até sabão em pó.

Em outros casos, ele pode virar até diamante –que é, por definição, um pedaço de carbono extremamente condensado. As joelherias Aether e Vrai, também norte-americanas, trabalham com joias feitas em laboratório, praticamente idênticas às extraídas de minas.

Além disso, existem programas que reinjetam o dióxido de carbono para extrair petróleo de campos profundos, um procedimento chamado de "recuperação avançada de petróleo".

A Petrobras trabalha com esse tipo de aplicação desde 2008, onde não só capta petróleo, mas também armazena o gás carbônico resultante da extração de gás natural. Atuando sob regime de concessão (veja mais abaixo), a petroleira, hoje, tem o maior programa de captura de carbono do mundo em volume: foram reinjetadas, até 2022, 40,8 milhões de toneladas de CO2.

BECCS, ou bionergia com captura e armazenamento de carbono

A segunda forma envolve o sequestro de biomassa e leva a sigla de BECCS (bioenergia com captura e armazenamento de carbono, em inglês). Esse processo intercepta o ciclo de vida das plantas, que usam o CO2 da atmosfera para a fotossíntese e, quando morrem, liberam o gás capturado.

A atuação do BECCS é justamente impedir que o CO2 volte ao ar atmosférico. A biomassa –advinda de florestas, por exemplo, ou culturas agrícolas– é convertida em combustível, como bioetanol, ou queimada para gerar energia, onde gás resultante dessa queima é recapturado e armazenado, em um processo chamado de "carbono negativo".

A startup Charm Industrial, do Vale do Silício, nos EUA, produz um bio-óleo a partir da biomassa de culturas de milho, que se solidifica quando armazenado em poços de petróleo e de mineração. A empresa tem começado a testar o bio-óleo para produção de ferro e outros fins, como aplicação em concreto e asfalto, e já capturou 7.000 toneladas de CO2 desde 2020.

Amostra do bio-óleo produzido pela Charm Industrial, líder no setor BECCS
Amostra do bio-óleo produzido pela Charm Industrial, líder no setor BECCS - Charm Industrial/Divulgação

Hoje, segundo a IEA, BECCS responde pela captura de 2 milhões de toneladas de carbono ao ano, principalmente por aplicações de bioetanol. A meta é que, até 2030, a tecnologia sequestre 190 milhões de toneladas/ano, mas ainda faltam investimentos e novos projetos para isso.

DAC, ou captura de carbono diretamente da atmosfera

A terceira forma de captura de carbono é removê-lo diretamente do ar. De sigla DAC ("direct air capture"), a estratégia emula o que as árvores fazem no processo de fotossíntese e remove o CO2 da atmosfera, mas em uma escala muito maior e mais rápida.

"Se fôssemos substituir o DAC por florestas, precisaríamos de áreas muito, muito grandes", diz Colombo Celso Gaeta Tassinari, professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP (Universidade de São Paulo).

"Mas não é um ou outro: tudo tem que andar junto. Precisamos das florestas e das tecnologias que aumentam a captura de CO2, porque temos muito carbono para remover e pouco tempo para fazer isso."

A estratégia, no entanto, é a mais cara entre as tecnologias de CCUS: estima-se que uma tonelada de CO2 removido do ar custe entre US$ 500 e US$ 1.000, enquanto o valor no BECCS varia de US$ 20 para US$ 400.

Desde 2021, a suíça Climeworks opera a primeira grande usina de DAC do mundo, na Islândia, capaz de remover 4.000 toneladas de CO2 por ano. Ela se prepara para lançar a segunda em maio deste ano, dez vezes mais potente. Outras startups também voltam esforços para o setor, como a Carbon Engineering, do Canadá, e a Heirloom Carbon, dos EUA.

A forma mais comum de captura DAC funciona assim: o ar atmosférico é sugado por grandes ventiladores para uma caixa metálica, chamada de "coletor". Dentro dela, há um filtro químico que captura somente as moléculas de CO2, liberando o ar livre de carbono para a atmosfera novamente. Quando esse filtro atinge a capacidade máxima de adsorção, o coletor se fecha e cria um espaço vácuo. O filtro é, então, aquecido, soltando gás carbônico puro, que posteriormente encontra uma das duas destinações possíveis: o armazenamento ou a reutilização.

Os custos envolvidos no processo são altos: envolvem o transporte de gás carbônico e o armazenamento, materiais químicos necessários para filtragem e, sobretudo, uma imensa quantidade de energia limpa.

Para capturar uma tonelada de carbono do ar, as máquinas da Climeworks, por exemplo, consomem aproximadamente 2.650 kWh, quase o dobro do consumo de energia anual por pessoa no Brasil. Isso porque o carbono presente na atmosfera é relativamente diluído, a cerca de 400 partes por milhão (ppm), o que exige um fluxo intenso de "sucção" do ar e por longos períodos de tempo.

Mesmo assim, Gaeta Tassinari, da USP, afirma que é um processo eficiente. "Capturar o CO2 de fontes estacionárias é ótimo, mas não tem como capturar quando as fontes não são fixas, como carros, por exemplo. Além disso, a tecnologia permite que saibamos exatamente a quantidade de CO2 que está sendo retirada da atmosfera, o que é bom para o mercado de créditos de carbono."

Hoje, de acordo com a IEA, existem 27 usinas do tipo em operação no mundo, que extraem, anualmente, 10.000 toneladas de gás carbônico do ar. Ao menos 130 usinas estão em desenvolvimento, das mais avançadas às ainda em fase conceitual, que podem subir a cifra para 75 milhões de toneladas da atmosfera até 2030.

Quais são os países mais avançados nas tecnologias CCUS?

Os Estados Unidos, o Reino Unido e a União Europeia, atualmente, são os principais financiadores e reguladores de projetos CCUS –e onde a maior parte das startups se concentra.

Nos EUA, como parte do arcabouço legal que visa estimular a descarbonização da economia, o setor recebeu uma leva de financiamentos e incentivos fiscais para estímulo da atividade.

Em agosto do ano passado, o governo norte-americano anunciou o investimento de US$ 1,2 bilhão em dois projetos de DAC, "o maior já feito" na tecnologia. Mais recentemente, criou uma "tabela de classificação" para destacar empresas que mais compram créditos de carbono, como forma de também conectar compradores a quem remove CO2.

Na União Europeia, autoridades chegaram a um acordo provisório para estabelecer um sistema de certificação para remoções de carbono, impondo novos padrões de crédito para as empresas que quiserem fazer "marketing verde". A medida visa estimular o mercado de créditos de carbono –a principal fonte de receita dos projetos de CCUS.

Além disso, no âmbito da Lei da Indústria Net-Zero, aprovada em março de 2023, há uma meta de injetar 50 milhões de toneladas de CO2 ao ano até 2030, além de aprimorar procedimentos para regulação e licenciamento de novos projetos de CCUS.

Já no Reino Unido, o governo britânico anunciou um montante de US$ 24 bilhões para estimular projetos de CCUS ao longo dos próximos 20 anos. O investimento quer "impulsionar projetos que visam armazenar 20 a 30 milhões de toneladas de CO2 por ano até 2030, igual às emissões de 10 a 15 milhões de carros", de acordo com comunicado do Departamento do Tesouro do governo.

Qual o estágio do desenvolvimento de tecnologias CCUS no Brasil?

No Brasil, a regulação ainda não foi aprovada.

O PL do Combustível do Futuro, atualmente tramitando no Senado, prevê regras para o setor CCUS. Outro projeto de lei, proposto pelo então senador Jean Paul Prates, hoje presidente da Petrobras, está parado na Congresso desde dezembro do ano passado, aguardando parecer de comissões.

A atividade, estima-se, pode render até US$ 20 bilhões às empresas brasileiras, e já tem atraído interesse de petroleiras e produtores de etanol.

Do ponto de vista de investimento, Isabela Morbach, fundadora da CCS Brasil, diz que "muita coisa já avançou".

"Nós temos visto muito interesse de declaração primária de investimentos. Há inclusive um projeto em estágio relativamente avançado da FS Energia para o cenário regulatório que temos hoje, mas todos esses projetos estão na mesma situação do hidrogênio verde e da energia eólica: esperando a regulação", diz ela.

"Esperamos que as regulações venham com um desenho de política pública de incentivo a essas tecnologias. E, fora a segurança jurídica que vem junto da regulação, o setor de CCS [ou CCUS] armazena o CO2 em reservatórios geológicos, que são um bem da União. Isso exige regulação também."

O projeto da Petrobras, em operação desde 2008, trabalha sob regime de concessão.

Já o projeto da FS Energia, citado por Morbach, envolve a implementação do sistema BECCS para a produção de bioetanol. A empresa, vale mencionar, é a maior produtora de etanol à base de milho do país, e os investimentos para a operação BECCS em Lucas do Rio Verde (MT) estão na casa dos R$ 250 milhões.

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