Descrição de chapéu Energia Limpa

Fala de Silveira sobre baterias em leilão de energia gera ruídos e inclusão não é mais certa

Ministro foi categórico com algo ainda incerto, dizem críticos, e empresas ainda não cravam que estarão no certame de agosto

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São Paulo

A inclusão de baterias de armazenamento de energia no leilão de reserva de capacidade programado para agosto tem gerado ruídos no setor entre grupos que defendem que a nova tecnologia esteja no certame e instituições que apontam falta de regulamentação e problemas operacionais.

Há queixas de que o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, foi categórico ao confirmar em março que o leilão incluiria essa nova tecnologia, sem que haja certezas, inclusive dentro do ministério, de que haja viabilidade para isso.

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, participa de cerimônia sobre redução de impactos tarifários na tarifa de energia, em Brasília
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, participa de cerimônia sobre redução de impactos tarifários na tarifa de energia, em Brasília - Pedro Ladeira-9.abr.24/Folhapress

Já usadas em países desenvolvidos, as baterias armazenam energia elétrica e servem como auxílio à rede. Quando acopladas a usinas solar e eólica, por exemplo, elas estocam a energia produzida em momentos em que a demanda é inferior à produção e a liberam quando acontece o inverso.

Nesta quinta-feira (18), associações que reúnem geradores de energia solar e eólica divulgaram uma nota defendendo a inclusão de baterias no leilão.

Fabricantes estavam empolgados com a medida, mas na consulta pública que antecede o edital do leilão algumas instituições se posicionaram contrárias à inclusão, apontando falta de regulamentação e problemas operacionais do sistema de armazenamento de energia de bateria (BESS, na sigla em inglês).

Uma delas é a Anace, a Associação Nacional dos Consumidores de Energia, que ao citar a falta de regulamentação dessa tecnologia disse se preocupar com "as afirmações recentes de líderes governamentais sobre a inclusão dessa solução nesse leilão", em referência a Silveira. A Anace retirou a manifestação do sistema após ser questionada pela Folha.

A portaria que convida entidades e empresas a participarem da consulta pública cita apenas a inclusão de termelétricas e hidrelétricas no leilão. Inicialmente, o processo ia até o final de março, mas seu término foi adiado para a semana que vem após uma reunião de produtores de bateria com Silveira em março e a posterior frase do ministro sobre o tema.

Em evento nos EUA, no final de março, Silveira disse que o governo contemplaria as baterias "para poder ajudar e impulsionar o investimento nas baterias que possam cada vez mais se modernizar e fazer com que as energias intermitentes se tornem energias estáveis".

Mas nem os próprios técnicos do ministério corroboram o anúncio de Silveira. A nota técnica do MME que embasa a consulta pública, feita antes dessa discussão, diz que os sistemas de armazenamento em baterias não seriam incluídos no leilão por falta de regulamentação.

A nota também afirma que "as baterias apresentam ciclo de operação limitado em algumas horas, precisando ser recarregadas e, portanto, impossibilitando, por vezes, seu acionamento em períodos em que o recurso precisa estar disponível para atender as necessidades de potência do sistema".

Os produtores de bateria contestam as críticas e defendem que a tecnologia supre exatamente a demanda do MME. Leilões de reserva visam garantir que haja geração suficiente de energia durante picos de consumo, além de atender a uma demanda futura.

"Antigamente a reserva de capacidade era realmente para momentos quando faltava energia, mas esses momentos são cada vez menos frequentes. Hoje temos mais momentos de desequilíbrio entre a oferta e a demanda e [problemas com] otimização e flexibilidade. E nós somos uma ferramenta de flexibilidade", diz Markus Vlasits, presidente da Absae (Associação Brasileira de Soluções de Armazenamento de Energia).

Para contornar a falta de regulamentação do uso de baterias no SIN (Sistema Interligado Nacional), a Absae defende que, no leilão de agosto, as baterias sejam ofertadas dentro de parques eólicos e solares. Assim, quem participaria do certame seriam os donos das usinas de geração de energia e não os donos de baterias –nesse formato, então, as baterias seriam apenas coadjuvantes.

"Se você permite a participação de eólicas ou solares com bateria, você contrata mais uma usina. E, para a contratação de uma usina, não existe incerteza regulatória", diz Vlasits.

A Folha apurou que a Casa dos Ventos, uma das maiores geradoras de energia eólica do país, e a EDP, importante grupo de energia, estariam interessadas nesse formato.

Além de acopladas às usinas, as baterias também poderiam estar ligadas à rede de transmissão de energia, como já ocorre hoje em Registro (SP), onde a ISA CTEEP, uma das maiores empresas de transmissão de energia elétrica do país, opera desde o ano passado baterias com capacidade de entregar até 60 MWh durante duas horas. O exemplo de Registro, porém, foi feito em parceria com a Aneel, e esse modelo ainda carece de regulamentação.

Na consulta pública, a associação que representa as empresas de transmissão de energia defendeu o uso de baterias, mas pediu para que haja um leilão específico para elas –descartando o de agosto.

A Coalizão Energia Limpa e o Instituto E+ também se posicionaram contrários à inclusão de baterias neste leilão.

Pessoas a par das discussões levantam ainda a possibilidade de as baterias serem incluídas no edital em condições financeiras impossíveis de serem viabilizadas.

Entre os fabricantes dessas baterias, no entanto, a não inclusão no leilão seria vista como uma derrota. A Absae quer que ao menos 10% da capacidade comprada no leilão venha de baterias (no último, em 2021, foram negociados 4,6 GW). Hoje, no Brasil, todas as baterias instaladas consegue armazenar apenas 100 MW.

O posicionamento do ministro pegou alguns atores do setor de surpresa, que hoje não veem como fácil o suprimento das baterias em larga escala de forma imediata –o edital prevê a entrega de termelétricas em 2027.

"Estávamos preparados e embasados, mas não esperávamos que o anúncio fosse ser tão rápido. Porque, a partir de um anúncio tão rápido, fomos pegos de surpresa com gente batendo na nossa porta, falando que quer fazer ou perguntando com quem entraremos em parceria. A gente poderia ter tido, entre aspas, um pouco mais de paciência. Já que já ia fazer isso no leilão, por que não avisou seis meses antes?", diz George Fernandes, CEO da UCB Power, líder no mercado de baterias.

"[Mas] já que está [sobre a mesa], por mim colocaria porque é uma peça extremamente importante para o sistema. Já que já foi o anúncio, vamos lá, vamos fazer acontecer", acrescenta. A UCB Power vai anunciar nas próximas semanas a extensão de sua fábrica em Extrema (MG) para aumentar a produção de BESS.

Quem também já produz esse tipo de equipamento é a brasileira WEG, que há cinco anos comprou uma empresa americana que já tinha expertise na área. "O nosso alvo para o mercado de mobilidade elétrica é de 1 gigawatt/hora por ano, então isso para nós não é um grande problema", diz Carlos Grillo, diretor da WEG Digital & Sistemas.

A resposta de se as baterias serão afinal incluídas ou não no leilão será divulgada apenas no edital, que deve ser publicado 45 dias antes do certame.

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