Distrito de turismo ecológico é esperança de investimentos no Vale do Ribeira; veja vídeo

Região com menor IDH de SP tem maior área de mata atlântica conservada e espera se converter em Costa Rica brasileira

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São Paulo

Próximos a São Paulo e cercados por uma área contínua de mata atlântica preservada, cinco municípios do Vale do Ribeira formam desde abril o primeiro Distrito Turístico Ecológico do estado, sob a expectativa de atrair investimentos que transformem a região em uma "Costa Rica brasileira".

Ibiúna, Piedade, Juquiá, Tapiraí e Miracatu compartilham agora, além desses atributos, assentos no conselho gestor do Portal da Mata Atlântica, nome escolhido para o novo distrito, e a expectativa de transformar a região em um polo de ecoturismo –e, com isso, atrair investimentos públicos e privados.

Pelo menos três grupos hoteleiros já estariam sondando a região para a instalação de empreendimentos.

O distrito Portal da Mata Atlântica é o sexto a ser criado em São Paulo – os outros são Olímpia, Serra Azul, Centro, Iguape e Andradina.

Projeção do Ciet (Centro de Inteligência da Economia do Turismo), ligado à Setur-SP (Secretaria Estadual de Turismo e Viagens de SP), aponta a movimentação de R$ 10,3 bilhões até 2030 nos territórios definidos como distritos turísticos.

O de Olímpia, criado em setembro de 2021, foi o primeiro. A gestão da época, de João Doria, buscava, com os distritos, o modelo de desenvolvimento da Disney, em Orlando (EUA), onde os parques garantiram emprego, renda e desenvolvimento a uma área sem atrações naturais.

Agora, no Vale do Ribeira, a ambição é se aproximar do exemplo costa-riquenho, país com praias, vulcões, rios e cachoeiras e onde o turismo e a conservação são vistos como aliados (um terço do território é floresta).

Quando o distrito de Olímpia foi criado, a professora da USP Mariana Aldrigui, que pesquisa turismo urbano, disse à Folha que o Vale do Ribeira poderia se beneficiar do modelo. "O legal seria criar o efeito Orlando de fato. Orlando era um pântano, desabitado e sem perspectiva, e alguém falou ‘peraí, vamos transformar’."

A exploração do turismo ecológico é, para aquela região, a chance de ter uma alternativa econômica para uma zona de baixo desenvolvimento e com limitações relacionadas à mata. Mais de 80% da área desses municípios está sob proteção ambiental –o que elimina algumas possibilidades, como a da instalação de indústrias.

Roberto de Lucena, secretário de Turismo de São Paulo, diz que criar o distrito atenderá a uma "demanda mundial por turismo de ecologia" em uma região que concentra "os mais baixos IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) do estado".

O IDH considera indicadores de educação, expectativa de vida, alfabetização e renda. Ele vai de zero a 1. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) ainda não divulgou a atualização mais recente do Censo para os municípios (somente das capitais).

Apenas para referência, em 2010, o IDH no distrito ficava entre 0,697 (Miracatu) e 0,716 (Piedade). A capital, naquele ano, estava em 0,783. Na atualização de 2021, São Paulo ficou com IDH municipal de 0,806.

A articulação entre os municípios levou pouco mais de três anos, conta a ex-secretária de Turismo de Ibiúna Sakura Ishibuchi Nanni, que deixou o cargo há alguns dias. A cidade é uma das mais próximas da capital. Faz divisa com Cotia, na Grande SP, e outros nove municípios.

Parque Legado das Águas, em Tapiraí (SP), é considerado o empreendimento âncora do distrito turístico ecológico Portal da Mata Atlântica
Parque Legado das Águas, em Tapiraí (SP), é considerado o empreendimento âncora do distrito turístico ecológico Portal da Mata Atlântica - Luciano Candisani/Divulgação/Legado das Águas

Como seus vizinhos, tem uma população pequena (cerca de 80 mil habitantes) espalhada por um extenso território (mais de mil quilômetros quadrados) predominantemente rural.

"O turismo é importante porque ele emprega e cria conexão com os moradores locais, que têm ligação com o lugar. Tem um valor sentimental e do negócio", diz David Canassa, que administra o Legado das Águas, área privada de proteção ambiental do Reservas Votorantim, tido como empreendimento âncora do Portal da Mata Atlântica.

O Legado acumula números superlativos. São 31 mil hectares –tamanho equivalente à lhabela–, 20 atrações ligadas ao turismo de aventura, 1.832 espécies de plantas e animais catalogados, dentre os quais se destacam o macaco muriqui, o maior primata das Américas, a anta albina e uma figueira de 40 metros de altura e 21,40 metros de circunferência, a maior que se tem conhecimento na mata atlântica.

O modelo de múltiplos negócios garante o financiamento do parque. O mais recente é a venda de créditos de carbono por meio de metodologia construída na reserva e lançada em setembro de 2023 durante a Climate Week, em Nova York, a PSA Carbonflor.

Há ainda a produção de mudas, a venda de plantas para paisagismo e o turismo. Para quem vai para passar a noite, há dentro do parque pousada, camping, duas casas e duas hospedagens com apelo sustentável (e estético), o espaço flutuante Altar e o quarto sobre rodas Altar Mini.

A sustentabilidade dos negócios também do ponto de vista ambiental é um atributo comum a outros empresários já instalados no território do Portal da Mata Atlântica.

A Fazenda Morros Verdes, em Ibiúna, passou por um processo de seis anos de recuperação da terra até se tornar um hotel sustentável há quase 20 anos –um ecolodge. A energia elétrica vem de uma usina solar, há horta de orgânicos e pomar, não há plástico de uso único, há coleta da água da chuva e os resíduos biológicos são tratados.

Para Patricia Haberkorn, diretora do hotel e integrante do comitê gestor do distrito, a criação do território dá a garantia de conservação da área ao mesmo tempo que atrai investimentos para uma localidade quase desconhecida. "Uma coisa importante é a melhoria da infraestrutura."

Apesar da proximidade com São Paulo, as cidades do novo distrito turístico têm baixa cobertura de sinal de telefone e de internet. No Legado das Águas, o uso do telefone fica restrito ao sinal de internet, que é intermitente e insuficiente.

Há ainda os acessos. São muitas vicinais, algumas com baixíssima manutenção. É necessário que elas sejam boas, sinalizadas e que tenham, na opinião de Canassa, espaços de beleza cênica, como mirantes para observação da mata.

O distrito turístico passa a ter agora um comitê gestor formado por representantes de todos os municípios, das secretarias de Turismo, Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico e da sociedade civil. A primeira reunião, que marca o início da atuação formal do grupo, será em 27 de maio.

Para Canassa, do Legado, o conselho é um diferencial nas articulações entre as iniciativas públicas e privadas, pois as decisões serão tomadas em conjunto e alinhadas com todos os municípios.

As cidades também passam a ter prioridade na aprovação de crédito na agência Desenvolve SP, ligada ao governo, que concede financiamentos a negócios privados a condições mais atraentes do que as linhas convencionais.

"[A criação do distrito] nos dá a certeza de que os investimentos em infraestrutura vão acontecer. Estradas boas, atendimento médico, segurança pública. Com o conselho, a gente consegue articular essas melhorias. Aos olhos de qualquer investidor, isso é ouro."

Da população que trabalha nesses empreendimentos, os gestores contam ouvir grande expectativa com a conversão desses negócios em melhoria na qualidade de vida.

Além do turismo, as cidades do Portal da Mata Atlântica têm pequenas e médias propriedades rurais. Hortaliças, banana, caqui, shimeji, tomate cereja, gengibre e chás são alguns dos produtos que abastecem a região, onde vivem muitos descendentes de japoneses.

O Santuário Ecológico do Budismo Primordial, que abriga um bosque de cerejeiras, está em Tapiraí, e a árvore tradicional do país asiático é vista por toda a região, como em Miracatu e Piedade.

Nessa última, o carro-chefe é o cultivo de alcachofra (neste ano a cidade ganhou título de capital nacional da planta) e os meses de setembro e outubro, período de colheita, são também de festa.

Gabriela Majolo, da pousada Ronco do Bugio, em Piedade, diz esperar que a criação do distrito dê visibilidade à região. "Hoje, as pessoas vêm pelos empreendimentos instalados aqui, e não pela cidade. Nossa expectativa é que isso mude, e que região em si atraia visitantes."

A pousada inaugurada pelos pais de Gabriela há 23 anos foi pensada, desde o início, como uma área a ser preservada. "Eles entenderam que a melhor maneira de conservar era dar um sentido econômico ao lugar."

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