Descrição de chapéu Financial Times mercado de trabalho

Países 'seduzem' nômades digitais com vistos de trabalho para atrair novos residentes

Vistos para trabalhadores remotos indicam competição por mão de obra qualificada e necessidade de atrair novos habitantes

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Emma Agyemang
Londres | Financial Times

Vistos de "nômade digital" estão sendo cada vez mais utilizados por países para atrair trabalhadores corporativos remotos, de acordo com especialistas, à medida que os governos buscam superar uns aos outros em uma guerra global por talentos.

Mais nações introduziram uma forma de visto de nômade digital —que permite que uma pessoa viva em um país diferente e exerça funções remotamente— desde que a pandemia aumentou a demanda de funcionários que querem o chamado "anywhere office", termo em inglês para "trabalhar de qualquer lugar".

Especialistas alertam, porém, que alguns países correm o risco de perder receitas fiscais à medida que os trabalhadores se mudam - shellygraphy/Adobe Stock

A noção de um "nômade digital" tende a sugerir freelancers nômades que fazem mochilões ou trabalham em seus laptops diretamente da praia. Mas os autônomos representam uma fatia relativamente pequena da comunidade total.

Embora seus números tenham crescido mais de 50% desde a pandemia, de acordo com dados da MBO Partners, eles não são o principal grupo que os governos estão tentando atrair, disseram especialistas em mobilidade global ao FT.

"Ironicamente, o visto de 'nômade' não é feito para nômades", disse Gonçalo Hall, CEO da NomadX, uma consultoria de trabalho remoto que aconselha governos sobre como lançar comunidades de nômades digitais.

"A maioria dos governos está vendo [vistos de nômades] como uma maneira de atrair trabalhadores remotos com a clara intenção de fazê-los ficar e se tornar residentes permanentes em seus países."

O número total de nômades digitais dos EUA atingiu 17,3 milhões em 2023, de acordo com a MBO Partners, dos quais 6,6 milhões eram autônomos. A pesquisa rastreia apenas os americanos, considerados o maior grupo de nômades digitais por nacionalidade. A conclusão é que trabalhadores assalariados remotos não estão tirando empregos dos locais e sua atividade de consumo contribui para a economia anfitriã.

Os países estavam aderindo à "palavra da moda" de nômades digitais, mas, na verdade, os vistos "deveriam ser chamados de vistos de trabalhadores remotos", disse Hall.

A Itália se tornou o país mais recente a introduzir um visto de nômade digital no mês passado, juntando-se a vários países europeus, incluindo Portugal, Estônia, Grécia, Malta e Espanha, que estão tentando atrair uma força de trabalho remota global em crescimento.

Pallas Mudist na Enterprise Estônia, uma agência governamental, disse: "O visto de nômade digital da Estônia é especificamente projetado para atrair não apenas empreendedores e freelancers, mas também trabalhadores remotos assalariados."

Os vistos estão abertos apenas para não europeus, com cerca de 600 emitidos desde o lançamento do esquema em agosto de 2020. Mas, no geral, o governo estima que 51.000 nômades digitais visitaram a Estônia em 2023, incluindo europeus que não precisam de visto.

Programas semelhantes também foram introduzidos no Brasil, bem como em Barbados, Cabo Verde, Costa Rica, Ilhas Maurício, Emirados Árabes Unidos, entre outros. Embora não existam números oficiais sobre o número de países que introduziram os vistos, especialistas em impostos apontam para fontes compiladas por nômades digitais como nomadgirl.co, que diz que agora existem 58 países oferecendo-os.

Daida Hadzic, especialista em impostos de mobilidade global na KPMG, disse que as populações envelhecidas eram uma das razões pelas quais os governos estavam buscando atrair funcionários corporativos remotos usando vistos de nômades digitais. Se esses funcionários se estabelecerem permanentemente no país, eles contribuirão com suas habilidades e trabalho a longo prazo também.

"A força motriz por trás dos vistos de nômades digitais é que esses países estão em competição uns com os outros pela mão de obra", disse ela.

Giorgia Maffini, especialista em impostos da PwC UK, disse que os países que oferecem vistos de nômades digitais tendem a ser "um pouco menos competitivos" na atração de trabalhadores estrangeiros, citando Costa Rica, Croácia e Indonésia como exemplos.

Steve King, pesquisador da MBO Partners, consultoria de força de trabalho dos EUA, disse que os países com programas de visto de nômade digital muitas vezes preferiam funcionários assalariados.

"Muitos países veem nômades digitais com empregos tradicionais como turistas turbinados que gastarão dinheiro localmente, mas não ocuparão empregos locais ou serão um fardo para os serviços sociais", disse ele.

Marta Aguilar, que mora na Espanha, disse que passou quase metade do ano viajando pelo mundo enquanto trabalhava para a Coverflex, uma empresa de compensação flexível sediada em Portugal.

A empresa não usa escritórios e tem um orçamento de trabalho remoto em € 1.000 (US$ 1.087, ou R$ 5.547) por ano.

"Eu não gosto do inverno. Então, não tive inverno por dois anos. Eu simplesmente pulei", disse Aguilar.

No entanto, o sistema de tributação internacional pode ser difícil de navegar para trabalhadores remotos, pois as regras não foram projetadas para forças de trabalho móveis.

Para as empresas, um risco-chave quando os funcionários trabalham remotamente é que o país em que estão pode ser considerado uma filial ou um "estabelecimento permanente" do empregador para fins fiscais. Isso impõe requisitos de relatórios fiscais à empresa e significa que parte dos lucros dela é potencialmente tributável no país em que o funcionário está trabalhando.

Trabalhadores remotos também podem se expor a impostos sobre renda e previdência social sobre ganhos gerados enquanto trabalham no exterior e potencialmente ser responsáveis por impostos em múltiplos lugares, expondo também o empregador à responsabilidade.

Várias entidades intergovernamentais, incluindo a União Europeia, OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e ONU (Organização das Nações Unidas), estão estudando maneiras de facilitar para empresas e países.

Em fevereiro, o Comitê Econômico e Social Europeu recomendou que a tributação de funcionários remotos ocorra no país de residência do empregador, com parte da receita tributária compartilhada com o país de residência do empregado.

Especialistas também alertam que alguns países correm o risco de perder receitas fiscais à medida que os trabalhadores se mudam, especialmente se forem para jurisdições com impostos mais baixos.

"O problema com o Reino Unido, por exemplo, é que somos muito dependentes de trabalho e nosso clima não é ótimo. A tendência de mais trabalho remoto pode levar muitas pessoas a irem, digamos, para a Grécia, e minar nossa base tributária", disse Grant Wardell-Johnson, líder global de política tributária da KPMG International.

Esses riscos são considerados pequenos, por enquanto. Estimativas aproximadas do FMI em 2022 descobriram que o aumento do trabalho remoto realoca cerca de US$ 40 bilhões (R$ 204 bilhões) do imposto de renda que os trabalhadores pagam globalmente. Isso representa aproximadamente 1,25% da base tributária global. A receita potencial perdida ou ganha entre os países foi encontrada entre 0,1 e 0,2% do PIB.

Economias emergentes pequenas "com taxas de imposto abaixo da média e boa capacidade de trabalho remoto" geralmente se beneficiam mais da tendência, descobriu a pesquisa —destacando o potencial de vencedores e perdedores fiscais.

Dino Jangra, sócio da Crowe, disse: "Na maioria dos países, o imposto sobre salários é o maior arrecadador. Se você começar a ver muitas pessoas deixando seu país, isso se torna um problema."

No entanto, o crescimento do trabalho remoto diminuiu ultimamente. De acordo com a MBO, o número de nômades digitais dos EUA aumentou apenas 2% no ano passado.

"Eu não acho que o conceito de nômade digital tenha se concretizado até agora como as pessoas pensavam que seria. Definitivamente houve uma onda de 'voltem para o escritório' acontecendo em todo o mundo", disse Jangra.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.