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O home office vai acabar? Entenda por que empresas estão voltando aos escritórios

Queda de produtividade explica declínio do trabalho remoto no mercado pós-pandemia

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São Paulo

Ter internet em casa não era uma prioridade para Maria Geralda Pereira, 80, até pouco tempo atrás. A instalação, porém, permitiu que a neta Laísa Andrade, 30, a visitasse em Nova Serrana (MG) sem perder o dia de expediente. "Já fui visitar minha família várias vezes sem parar de trabalhar", afirma a trabalhadora, hoje moradora da capital do Rio de Janeiro.

O trabalho totalmente remoto de Laísa, designer de produto na empresa Frete Rápido, permite que ela exerça todas as funções do dia a dia onde quer que esteja. É o tal do "anywhere office" (ou escritório em qualquer lugar, em tradução livre), um dos botes salva-vidas da economia durante a pandemia de Covid. Mas o fim das quarentenas colocou um prazo de validade nesse modelo de trabalho.

Hoje, a contragosto dos profissionais, postos remotos como o de Laísa estão minguando no mercado, conforme companhias apertam o cerco para a volta aos escritórios. De acordo com dados do LinkedIn’s Economic Graph, braço de análise da rede social, 25% das vagas publicadas por lá mencionavam a possibilidade de trabalhar de casa em fevereiro deste ano, incluindo o formato híbrido. No mesmo período do ano passado, eram 39%.

Jovem branca, de óculos, com blusa preta, em frente ao seu computador prata
Laísa Andrade, 30, em uma lanchonete; trabalho remoto a ajuda a ficar mais perto da família - Arquivo pessoal

O fenômeno também aparece lá fora. Ainda segundo o LinkedIn, 9% das ofertas de emprego nos Estados Unidos ofereciam o trabalho totalmente remoto em julho de 2023, ante 18% no ano anterior. O híbrido, lá, aumentou de 8% para 13% na mesma base de comparação.

Mesmo grandes empresas de tecnologia –as chamadas "Big Techs", como Google, Amazon, Apple e até Zoom–, antes vocais sobre os benefícios do home office, passaram a exigir a presença dos funcionários nos escritórios pelo menos algumas vezes na semana.

O último caso significativo aconteceu no final de agosto. O CEO da Amazon, Andy Jassy, chegou a fazer um ultimato aos funcionários que relutavam a volta presencial: "Já passou da hora de discordar e se comprometer. E, se não pode fazer isso, provavelmente a Amazon não vai dar certo para você". A gigante do e-commerce passou a exigir a presença no escritório ao menos três dias na semana.

A explicação para esse movimento recai no que antes era o grande trunfo do trabalho remoto: a produtividade. Uma pesquisa da Universidade de Stanford, publicada em julho, aponta que o trabalho totalmente remoto pode ser de 10% a 20% menos eficiente a depender da área de atuação e de como as empresas se preparam para ele.

"As empresas não estão conseguindo mais atingir metas de resultados ou atuar com tanta eficiência", diz Ricardo Basaglia, CEO do PageGroup Brasil, à Folha. "E isso é sintoma de que boa parte delas não tem uma visão clara de como se adaptar ao trabalho remoto, então a decisão mais fácil é voltar para o conhecido: o presencial."

Ilustração mostra pessoa sentada em frente a uma mesa, sobre a qual estão um computador e um copo de água. Do lado esquerdo, há um vaso de plantas no chão. Na parede, ao fundo, há alguns retratos pendurados.
Ilustração sobre home office - Catarina Pignato

Ele diz que, durante a pandemia, a produtividade de muitas companhias aumentou justamente pelo isolamento e pela preocupação em não perder o emprego em um momento extremamente delicado. "As pessoas trabalhavam 14 horas por dia, e esse excesso de trabalho era visto como produtividade. Mas isso não seria nunca perene. É só olhar quantos trabalhadores tiveram a saúde mental afetada."

Com a volta do "velho normal", o equilíbrio entre vida pessoal e profissional se reestabeleceu –e a alta produtividade, obtida à custa do bem-estar dos profissionais, caiu. A consequência foi exigir o retorno aos escritórios, muitas vezes sem fazer adaptações para manter o trabalho de casa de forma sustentável.

Essa sustentabilidade, segundo Basaglia, passa por quatro pilares: cultura organizacional, preparo da liderança, ferramentas e tecnologias apropriadas e designação clara de responsabilidades.

"A cultura organizacional prega pela autonomia? A liderança está preparada para gerenciar pessoas de forma remota? A empresa está usando e fornecendo ferramentas adequadas para a colaboração online? Papéis e responsabilidades são bem definidos e os trabalhadores sabem o que é esperado deles? Sem isso, dificilmente dará certo."

Para Anna Cherubina, professora de MBA’s da FGV (Fundação Getulio Vargas) e especialista em gestão de pessoas e carreiras, ainda há mais um motivo por trás da volta aos escritórios: a desconfiança dos empregadores.

Segundo ela, as empresas estão acostumadas a uma gestão "autocrática", que preza pela supervisão constante. "Percebo que muitos gestores se incomodam com o remoto. Eles se perguntam: ‘Será que as pessoas estão trabalhando de fato? Será que essa câmera fechada na reunião é por problemas técnicos mesmo ou a pessoa está fazendo outra coisa?’", diz.

"Ainda existe a demanda por controle e, no escritório, é mais fácil detectar desengajamento do que em casa."

Os especialistas também apontam que o presencial estimula interações sociais –não raro, fonte de criatividade e inovação– e o aprendizado, especialmente entre colaboradores juniores. Mas ele não é tão bem-quisto assim pelos funcionários.

Cabo de guerra

"Só voltaria para o modelo totalmente presencial se eu não tivesse outra escolha", afirma Laísa.

A opinião dela encontra coro pelo país. Uma pesquisa realizada pelo Infojobs e Grupo Top RH, entre abril e maio deste ano, apontou que mais de 85% dos profissionais que voltaram aos escritórios de forma integral trocariam de emprego caso pudessem trabalhar mais dias em casa.

O apego faz sentido: o home office não só elimina horas de deslocamento, mas ajuda a economizar gastos e leva a uma melhor gestão de tempo. Para Laísa, ainda é sinônimo de concentração. "Preciso de silêncio, de poucas distrações. Trabalho muito melhor assim", diz.

Mas, para muitas empresas, demandas como essas têm pouco –ou nenhum– peso na tomada de decisão. Pelo contrário: a pressão pelo regime totalmente presencial tem criado um cabo de guerra entre empregados e empregadores. O resultado é um baque agudo no clima organizacional e dificuldades em atrair e reter talentos.

"O braço de ferro indica que a comunicação e as relações ficaram desgastadas, e isso impacta profundamente a cultura da empresa", diz Basaglia, do PageGroup Brasil. "A performance de uma companhia está muito ligada às relações de confiança estabelecidas com os funcionários."

Para Cherubina, flexibilidade é a palavra de ordem, e empresas com foco em pessoas precisam se moldar ao mercado para não perder talentos.

“O melhor modelo de trabalho é aquele que age conforme a demanda. Os trabalhadores perceberam que são do mercado, e não dos lugares para os quais trabalham”

Anna Cherubina

Professora de MBA’s da FGV (Fundação Getulio Vargas) e especialista em gestão de pessoas e carreiras

E se a demanda é por mais dias em casa, o híbrido pode ser o melhor dos dois mundos. A mesma pesquisa da Universidade de Stanford que indica queda de produtividade no modelo remoto aponta que, no híbrido, o desempenho é igual – se não melhor – do que no presencial.

"Combinar dias em casa com dias no escritório pode ser a forma mais saudável de lidar com esse dilema", resume Cherubina.

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