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Líderes jovens do setor público relatam ter sofrido preconceito por idade

Fato de serem mais novos eleva pressão para conquistar confiança de servidores da equipe que chefiam e de outros gestores, segundo secretários

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Rio de Janeiro

As políticas públicas que beneficiaram Jéssica Silva, 30, ao longo da vida foram sua inspiração para trabalhar no setor público. Hoje, como secretária-adjunta de Planejamento em Mogi das Cruzes, na região metropolitana de São Paulo, ela diz querer ser conhecida como líder de uma equipe diversa que tem liberdade para equilibrar vida pessoal e profissional.

Em posições de chefia, jovens da geração Z, nascidos entre 1995 e 2010, tendem a promover ambientes de trabalho mais próximos daqueles em que gostariam de atuar, com hierarquia menos rígida, jornada de trabalho flexível e representatividade. Assim como Jessica, eles buscam cargos que possam trabalhar com propósito.

No entanto, a autoridade dos líderes mais novos é desafiada por terem pouca experiência profissional, pela falta de relacionamento prolongado com demais servidores e até pelo preconceito pela idade.

Pessoas com até 30 anos são 3,2% dos líderes no setor público federal, o grupo etário com menor presença nesses cargos. Servidores acima dos 60 são mais que o dobro de jovens no setor e, em posições de liderança, são o triplo, de 2.956 contra 9.616. As informações se referem a este ano e são do painel estatístico de pessoal do governo federal.

Esta é a última reportagem da série Servidores da Geração Z, em parceria com o Instituto República.org, que aborda a presença e atuação de jovens profissionais no setor público.

Para a secretária Jéssica Silva, o maior desafio é conseguir a confiança dos servidores. Mesmo formada em gestão pública pela USP e com sete anos de experiência no setor, ela notou que, por vezes, profissionais atuando há muito tempo no mesmo órgão estão menos abertos a transformações, por estarem acostumados com os procedimentos usados.

Jéssica é uma mulher negra de cabelos crespos e curtos, castanhos, e olhos escuros. Na imagem, ela usa óculos de grau. Ela veste um blazer lilás sobre uma blusa de botão branca e calças pretas.
Jessica Silva, 32, é secretária-adjunta de Planejamento e Gestão Estratégica em Mogi da Cruzes, na região metropolitana de São Paulo (SP) - Osvaldo Birke

"Conquistar credibilidade é muito difícil. Muitas vezes, a pressão para corresponder às expectativas por ocupar essa posição de destaque sendo tão jovem é muito alta", afirma. "Mas sempre me coloquei nesse espaço de que tenho mais a aprender com os servidores do que a ensiná-los."

Líderes jovens chegam à gestão pública "cheios de gás" para promover inovações, de acordo com Márcia Miranda Soares, professora de gestão pública da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Isso ocorre até porque a geração Z é mais qualificada: pessoas entre 18 e 29 anos têm, em média, 11,6 anos de estudo, número que cai para 9,9 entre adultos de 40 a 59 anos e para 7,1 nos idosos acima dos 60. Os dados são da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) Contínua de Educação de 2023.

No entanto, no setor, esses jovens se deparam com um espaço que nem sempre vai estar aberto a mudanças. Além disso, eles têm menos experiência profissional e ainda estão desenvolvendo habilidades interpessoais.

"É preciso chegar com capacidade de ouvir e de considerar o aprendizado que essas pessoas têm pela experiência, o que não é fácil, porque, às vezes, eles estão muito enrijecidos e desmotivados", afirma a professora Márcia Soares.

Ele tem cabelo castanho liso, olhos escuros e barba em cavanhaque. Na imagem, ele veste um blazer a calça azuis escuras e uma blusa de botão branca
Salvino Oliveira, 26, foi secretário de juventude do Rio de Janeiro, a pessoa mais jovem a assumir uma pasta na cidade - Divulgação

Ela diz que o bom relacionamento deve ser cultivado não só com pessoas da própria equipe, mas com gestores de outros órgãos e pastas, devido à transversalidade do trabalho no setor público.

Salvino Oliveira, 26, foi o secretário mais jovem da história do Rio de Janeiro, assumindo o cargo aos 23 anos. Segundo ele, o convite para chefiar a pasta dedicada à juventude surgiu após ter sido apadrinhado pelo atual prefeito, Eduardo Paes (PSD).

Para Salvino, o preconceito geracional veio de fora de sua equipe, que era composta principalmente por jovens e foi construída especificamente para a pasta. Já em outros espaços, ele diz que poucos entendiam o intuito da secretaria e não concordavam com sua posição de autoridade.

Nascido na Cidade de Deus, na periferia do Rio, Salvino afirma que o preconceito também passou por questões raciais e de classe. "É um ambiente difícil, porque muitas vezes me olhavam como mais um subalterano. No início, arrumei embates para ser respeitado, porque não nos levavam a sério."

Ele é um homem branco de cabelos castanhos e olhos escuros. Na imagem, ele usa óculos de grau e um paletó cinza sobre uma blusa de botão azul clara
Marcel Beghini, 32, é Secretário-Geral de Minas Gerais - Dirceu Aurélio/Imprensa MG

No setor público, a geração Z pode trazer inovações à comunicação e tecnologia, por serem nativos digitais com maior uso das redes sociais, de acordo com especialistas. No entanto, segundo o ex-secretário, as postagens da pasta nas mídias também foram criticadas.

"Publicamos um vídeo no TikTok e escutamos umas besteiras, só que as pessoas não entendem que é uma nova geração, uma nova forma de fazer política. Já recebi mensagem de pessoas falando que gestor público deveria ter mais seriedade, mas, para atrair jovem, preciso falar a linguagem dos jovens."

Para Marcel Beghini, secretário-geral de Minas Gerais, o desafio maior também foi com pessoas de fora da sua equipe. Ele já tinha sete anos de experiência em cargos comissionados na gestão pública, inclusive como secretário-adjunto da pasta que chefia agora.

Segundo Marcel, o trabalho que desenvolveu com a equipe ajudou a conquistar a confiança dos servidores e a quebrar possíveis resistências à sua liderança.

"As pessoas me conhecem e se surpreendem pela minha idade, mas a dificuldade de validação é mais em ambientes externos. Se estou diante de alguém que ainda não me conhece, passo como se fosse um assessor. A pessoa assume um tom de perplexidade quando percebe que eu sou secretário, mas encaro isso com naturalidade."

Marcel afirma que faria concursos para voltar ao setor público caso saísse dessa gestão, já que mudanças de governo afetam cargos comissionados.

Segundo Márcia Soares, da UFMG, cada vez mais pessoas estão alcançando cargos de liderança por mérito, e não apenas por ligações políticas.

No governo federal e em alguns estados, por exemplo, já existem leis que obrigam a gestão a ter parte dos cargos de confiança ocupados por servidores concursados. De acordo com a professora, isso pode favorecer a chegada da geração Z a essas posições, pois o grupo tem mais tempo de estudo.

No entanto, esse alcance pode ser maior no setor público federal, que tem mais transparência e visibilidade.

"O governo federal é mais propício à meritocracia, devido aos recursos, às carreiras mais atrativas e estruturadas. Em alguns municípios, pode haver lideranças mais meritocráticas e, em outros, pessoas com alta qualificação podem ter dificuldade para ascender devido à centralização da política local."

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