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Ministro vê resistência de municípios a revisão de benefícios sociais em ano eleitoral

Wellington Dias reconhece preocupação do governo com repercussão política negativa, mas defende combate a fraudes

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Brasília

No comando de programas que são, simultaneamente, vitrines sociais do PT e alvos principais da revisão de gastos, o ministro Wellington Dias (Desenvolvimento Social) reconhece a preocupação do governo com eventual repercussão negativa das medidas, mas defende o combate às fraudes como forma de melhorar a gestão dos recursos públicos e cumprir regras fiscais.

Dias afirma em entrevista à Folha que, além de Bolsa Família e BPC (Benefício de Prestação Continuada), o Executivo deveria estender a averiguação a outras políticas, como seguro-defeso (pago a pescadores artesanais) e aposentadoria rural.

"Por que teve fraude no Bolsa Família e não teve nos outros? Claramente, é a minha visão, teve fraude em todo lugar", diz.

O ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, durante entrevista à Folha em seu gabinete, na Esplanada dos Ministérios

Segundo o ministro, o desafio hoje é vencer as resistências de alguns municípios que reduziram a marcha na revisão dos benefícios do Bolsa Família. Embora 94% do público do programa já tenha passado pela atualização cadastral, ainda há cerca de um milhão de beneficiários fora do alcance desses esforços.

"É como se estivesse parado por conta do ano eleitoral. É a impressão que eu tenho", afirma.

O Ministério do Planejamento anunciou uma revisão de gastos, que inclui políticas como Bolsa Família e BPC.
Você conhece o presidente Lula. Zero possibilidade de fazer corte no social apenas pelo fiscal. Ele deixa bem claro: não faltará dinheiro para garantir as metas estabelecidas para os mais pobres.

Ocorre que essa destruição [no cadastro de programas sociais] levou a muita fraude. Cito o Bolsa Família. Tinha renda de R$ 12 mil reais, R$ 14 mil ao mês e recebendo o Auxílio Brasil [programa criado pelo governo de Jair Bolsonaro para substituir o Bolsa Família]. Teve um aqui que a renda chegava a R$ 80 mil por mês, o filho morando no exterior, e recebendo o Auxílio. Estavam trocando voto por cartão do Auxílio Brasil.

Mas também tínhamos pessoas que estavam fora, tanto que a fome é uma realidade. Então, tinha também que buscar as pessoas para poder tirar o Brasil do mapa da fome.

Há uma resistência a essa agenda de revisão de gastos, inclusive dentro do PT. O ministro Fernando Haddad participou de um jantar para buscar apoio e fazer esse convencimento. Como vê essa resistência?
Eu estive em uma das agendas. Todo mundo compreende a preocupação e a responsabilidade do ministro Haddad e da ministra Simone [Tebet, do Planejamento]. Por menos, cassaram a Dilma [Rousseff, ex-presidente que sofreu impeachment em 2016 após as pedaladas fiscais]. Então, não cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal? Está doido. Se não cumpre, colocamos o presidente numa linha de risco de ser julgado pelo Congresso e pelo Judiciário.

O que o ministro Haddad tem na cabeça e eu gosto: não é só com corte que a gente vai resolver. É preciso fazer o país crescer. Cresce a receita, a massa salarial, o consumo, também a parte dos investidores. Isso é o lado bom.

Ainda há o que ser revisado dentro do Bolsa Família?
Ainda tem a possibilidade de ter fraude. Eu tenho que revisar ainda 6% [dos beneficiários]. Tem lugares no Brasil que estão resistindo a fazer a revisão.

Lugares o sr. quer dizer municípios?
Municípios.

Pode dizer quais?
É melhor não, porque estamos em uma eleição.

Mas são muitos?
São poucos. Estou falando de 21 milhões de famílias beneficiárias, e falta alcançar aproximadamente 1 milhão.

De que forma os municípios resistem?
Quando o município faz a atualização do cadastro, aquilo tudo vem assinado, escriturado em relatório para o nosso sistema. Então, eu sei quem está com 50%, quem está com 100%. Nós temos municípios com 100%, até estou organizando um prêmio para os melhores.

Tem município com zero?
Não. É como se estivesse parado por conta do ano eleitoral. É a impressão que eu tenho. Mas quando não faz a revisão, o passo seguinte é ter um bloqueio. E ter um bloqueio também causa desgaste. [Não revisar] É uma proposta que não se sustenta. Não tem como fugir do cumprimento da lei. Fraudou, nós vamos alcançar em algum momento.

A trajetória de despesas do BPC chama atenção. A concessão de benefícios cresceu muito desde o fim de 2022. Qual é o diagnóstico?
A gente precisa ter uma parceria de vários ministérios para também ter uma revisão do BPC. Isso já começou. A revisão do cadastro é a parte que o MDS ajuda. Fico sabendo a renda, se tem documento falso, quem já morreu.

Mas tem outra parte, de pessoas com deficiência. É o INSS quem faz a perícia. Temos muita gente há muitos anos sem fazer. Tem pessoas que tinham uma incapacidade para o trabalho que já foi superada.

O trabalho está começando. É um cadastro menor, tem em torno de 6 milhões [de beneficiários]. Nós temos condições de chegar em março do próximo ano com bons resultados.

O que o sr. chama de bons resultados?
Alcançando 6 milhões de beneficiários. Se você tiver, e é real essa possibilidade, 1 milhão de fraudes, de qualquer que seja a natureza, é 1 milhão vezes R$ 1.412 [valor do benefício, equivalente ao salário mínimo] vezes 12 meses. Uma possibilidade de mais ou menos R$ 16,8 bilhões [de economia].

A previsão oficial é uma economia de R$ 6,4 bilhões. Então pode dar mais?
É que ela não acontece da noite para o dia. Tem o direito de defesa [do beneficiário alvo da revisão].

Seu ministério resistia em fazer a revisão do BPC?
Não. Eu defendo a revisão. E venho, desde o ano passado, sustentando até mais. Vai ter que fazer a revisão do seguro-defeso, da aposentadoria rural. Por que teve fraude no Bolsa Família e não teve nos outros? Claramente, é a minha visão, teve fraude em todo lugar.

O sr. teme repercussão política negativa da revisão de gastos?

Não posso negar que internamente tinha esse debate. Pela minha experiência de gestor, com 16 anos de governador, o povo gosta quando o gestor combate fraude. É uma obrigação.

A gente olha muito o Bolsa Família, o BPC. Aqui [o Cadastro Único] é uma porta para vários programas. Uma habitação do Minha Casa, Minha Vida, é o povo brasileiro que paga. É um patrimônio de R$ 140 mil. Imagine eu entregar para alguém que não tem o direito?

Tem o Auxílio-Gás, a tarifa social de energia. Tem o Farmácia Popular, o Pé-de-Meia para os adolescentes que estão fazendo ensino médio. Tem bilhões e bilhões que são repassados para estas pessoas. Cada centavo tem que ser aplicado adequadamente.


Raio-X

Wellington Dias, 62

Nascido em Oeiras (PI), é formado em letras e tem especialização em políticas públicas. Iniciou a carreira política como vereador em Teresina. Foi deputado estadual e deputado federal em 1999. Elegeu-se quatro vezes governador do Piauí, todas as vezes no primeiro turno, exercendo mandatos de 2003 a 2010 e de 2015 a 2022. Foi senador entre 2011 e 2014. Desde janeiro de 2023, é ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.

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