Fornecer ao governo dá estabilidade e segurança, mas exige cuidados

Desde 2020, pequenas empresas venderam R$ 271 bilhões ao Executivo federal

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São Paulo

Pequenos empreendedores podem estabilizar seu fluxo de caixa, expandir operações e obter mais previsibilidade logística ao vender produtos e serviços para órgãos públicos.

Participar deste mercado, no entanto, exige cuidados. Estar em dia com obrigações trabalhistas e fiscais, ler atentamente editais de compra e se planejar para cumprir adequadamente os contratos com órgãos públicos, evitando sanções, são alguns deles.

"Vendas públicas são uma grande oportunidade de ampliar o seu negócio, de ter receita continuada e garantida", afirma Cláudio Tomanini, professor do MBA em Gestão de Varejo da Fundação Getulio Vargas.

Falta de atenção à descrição dos objetos da compra, aos prazos de entrega e às exigências documentais são erros comuns, segundo o professor. Ele recomenda fazer cursos de licitações antes de entrar nesse mercado e diz que, no geral, o Estado oferece mais garantia de pagamento do que a iniciativa privada.

"O empresário precisa levar em consideração custo da compra, transporte e margem de lucro ao precificar o produto num pregão ou licitação", afirma Rodolpho dos Anjos, criador do Siga Pregão.

Por R$ 397 mensais, o site disponibiliza ao assinante boletins diários com editais de compra pública adequados ao perfil da empresa. O usuário pode filtrar por distância, órgão público e objeto da licitação. É uma ferramenta para empreendedores com dificuldade em vasculhar portais de compras públicas e diários oficiais.

"Muita gente não entende do processo, não sabe o que é edital, termo de referência, especificação de produto", diz dos Anjos.

Outro erro comum, apontado por especialistas, é propor preços inexequíveis na tentativa de vencer a licitação.

Essa prática gera desclassificação do processo licitatório ou, pior, descumprimento do contrato com o órgão público. No último caso, o Estado pode impedir a empresa de participar de novas licitações por até três anos.

"Varejo é muito sofrido, uma cadeia de porta aberta", diz o comerciante Rodrigo Antonio dos Santos, de Jaboticatubas (MG). Ele se refere à sua rotina antes de se converter em fornecedor de alimentos e produtos de limpeza para o setor público, há 25 anos.

Hoje o supermercado Maloca, de Santos, atende 12 prefeituras da região com arroz, feijão, açúcar, óleo, macarrão, biscoitos, carnes e itens de hortifrúti para a merenda escolar.

Com a previsibilidade das entregas e 90% da receita oriunda de compras públicas, o empresário conquistou uma vida mais confortável: não trabalha aos fins de semana, tira 15 dias férias em julho e outros 45 entre dezembro e janeiro. O faturamento da empresa é de R$ 2,8 milhões.

Compras institucionais também beneficiam produtores rurais. Um quinto da receita com vendas de café torrado e moído auferida pela Coopfam, que reúne 560 produtores da região de Poço Fundo (MG), vem de compras públicas.

"Já atendemos o Comando da Marinha, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Polícia Rodoviária Federal, Fundação João Pinheiro e secretarias de Educação", recorda a coordenadora do departamento de indústria da cooperativa, Thaís Oliveira. A entidade também forneceu café para a Copa do Mundo da Fifa de 2014 e para a Olimpíada de 2016.

"É um processo educativo", diz Adilson Ribeiro, presidente da baiana Coopercuc (Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá). "Ao vender para o governo, o agricultor aprende a fazer conta, entender o comércio, e a produzir com mais qualidade e segurança".

A Coopercuc acessa compras institucionais por meio do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e do Pnae (Programa Nacional de Aquisição de Alimentos) –programas que compram de agricultores familiares e distribuem alimentos a escolas, comunidades vulneráveis e estoques estratégicos.

Os agricultores cooperados produzem melancia, abóbora, feijão de corda, milho e feijão verde, entre outros gêneros alimentícios e produtos processados. Em 2023, o faturamento via Pnae foi de R$ 900 mil.

Homem branco de barba grisalha, boné e camiseta verde estende as mãos em direção a uma planta de café
Agricultor cooperado da Coopfam trabalha na lavoura em Poço Fundo (MG) - Coopfam

Em entrevista à Folha, o presidente do Sebrae Nacional, Décio Lima, ressaltou a importância dos pequenos empreendedores para a economia e defendeu a legalização de consórcios para participação em compras públicas de bens e serviços.

Nessa modalidade, hoje restrita à disputa de obras públicas, empresas somam recursos para participar de licitações que, sozinhas, seriam incapazes de disputar. "As grandes obras estruturais do Brasil são disputadas por consórcio", diz Lima. "Por que os pequenos não podem se aglutinar?".

Para o professor Paulo Feldmann, que leciona economia na USP, a formação de consórcios permitiria a modernização do maquinário de pequenas empresas, gerando ganho de escala e facilitando exportações –que hoje representam cerca de 1% do total. "Permitiria que os pequenos competissem em pé de igualdade com os grandes", afirma.

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