Descrição de chapéu arte

Começar no ramo de galerias de arte exige paixão pelo negócio

Paciência e persistência também entram na fórmula de sucesso, dizem empreendedores

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Fernanda Ravagnani
São Paulo

Empreender com uma pequena galeria de arte exige mais paciência e persistência que investir em outros negócios, porque o retorno financeiro costuma ser lento.

Tanto o processo de decisão dos compradores quanto a construção da relação de confiança com a marca levam anos e até décadas para acontecer.

Profissionalismo, um bom olho para artistas, relacionamento com outras galerias e pé no chão são os elementos mais essenciais para o sucesso, de acordo com galeristas ouvidos pela Folha.

Retrato de Ian e Allan, dois homens brancos com cabelos curtos e escuros, vestidos com camisas brancas, em uma galeria de arte; à esquerda, uma escultura
Ian Duarte (esq.) e Allan Seabra, da galeria Verve, em estande na feira SP-Arte - Lucas Seixas/Folhapress

Eles citaram de forma unânime uma outra característica imprescindível: ter paixão pelo mundo da arte.

"O investimento inicial não costuma ser alto, porque as obras são vendidas em consignação", afirma Victoria Zuffo, sócia-diretora da galeria Lume, de São Paulo e presidente da Abact (Associação Brasileira de Arte Contemporânea), entidade que reúne cerca de 60 galerias no Brasil.

O maior obstáculo é o longo tempo de maturação do negócio.

"Temos dados de que menos de 4 em cada 10 galerias sobrevivem aos primeiros quatro anos de vida."

Galerias de arte pequenas se concentram no chamado mercado primário, a primeira venda de uma obra, que sai do ateliê do artista para a galeria e dali para o comprador, que pode ser um colecionador ou uma instituição, como um museu.

O mercado secundário, de revenda de obras de artistas já consagrados, a valores mais altos, fica quase sempre reservado a galerias maiores e já consolidadas no mercado.

Retrato de Vanessa, uma mulher branca, com cabelos ondulados e castanhos na altura do ombro, em uma galeria de arte; Vanessa usa um vestido florido e está em pé, com as mãos apoiadas em uma cadeira
Vanessa Monteze, da galeria ArteFasam, na SP-Arte - Lucas Seixas/Folhapress

"Quando se investe em um artista jovem, é muito difícil ele estar bombando em um período de três anos. São apostas de longo prazo, que demandam investimento", afirma Tamara Perlman, diretora da SP-Arte, a maior feira brasileira do tipo, que comandou também por quase dez anos a feira Parte, dedicada a galerias pequenas.

"Vender arte não é como assumir uma franquia, em que tudo vem pronto. É preciso conhecer arte, para poder selecionar bem os artistas com quem trabalhar", afirma Perlman.

Para descobrir artistas, Zuffo recomenda que galeristas circulem, promovendo e frequentando exposições coletivas, ficando de olho nas residências artísticas e transitando em museus.

Ela considera que, para começar, um número razoável é de até quatro artistas, para que eles possam ser bem trabalhados.

"É muito importante ter um recorte. Quando fui abrir minha galeria, fiz uma série de consultorias e me foquei em pequenos formatos, com trabalhos de mulheres, ligados à transcendência", afirma Vanessa Monteze, que abriu a galeria ArteFasam em 2019 em Belo Horizonte e em 2022 se estabeleceu também em São Paulo.

Serviços de curadoria ajudam a fazer a seleção e também auxiliam no relacionamento com outros atores do mercado de arte, por exemplo, indicando para outras exposições ou instituições o artista escolhido por uma galeria.

A definição do conceito e do nicho da galeria passa pelo gosto do galerista, use ou não uma curadoria formal.

"É mais fácil vender o que você ama", afirma Fernanda Resstom, dona da galeria Central, de São Paulo. "Como é uma aposta, você precisa acreditar nela."

Monteze conta que teve a assistência de curadores desde o início da ArteFasam. "Nem todo curador vai ser acessível para uma jovem galeria, mas a maioria é muito generosa, o trato com eles é fácil, pois eles querem fazer as coisas acontecerem."

Tendo os artistas, o próximo passo é estabelecer um calendário de exposições e atividades em um espaço físico. Apesar de a presença online da galeria ser fundamental no plano de comunicação, empresas e pessoas que apenas vendem pela internet não são consideradas galerias de arte pela Abact.

Quem abre uma galeria normalmente tem alguma familiaridade com o mercado: ou tem parentes do ramo, ou é admirador e colecionador, ou é artista. Foi para dar espaço a um grupo de artistas como ele que Allan Seabra abriu a Verve, de São Paulo, que hoje é tocada em sociedade com o marido, Ian Duarte.

Por mais talentosos que os artistas representados sejam, a galeria não terá sucesso se não se profissionalizar, dizem eles. Processos, administração, documentação, tudo tem de estar organizado e planejado. Além disso, a galeria precisa ter uma linha, um programa coerente.

"Como não existe faculdade de galerista, precisamos aprender na prática, observando, conversando com outros galeristas", afirma Seabra. "Uma das coisas que fizemos foi estudar por conta própria a trajetória das galerias já estabelecidas, como elas formaram seu programa. Dá para fazer isso olhando os sites das galerias", diz Duarte.

Um dos responsáveis pelo fracasso de galerias novas são gastos fixos. Como as obras são consignadas, não é necessário gastar com estoque, mas as despesas da folha de pagamento, do aluguel de um imóvel e da participação em feiras podem acabar sendo pesados demais.

A maior fonte de renda para galerias é a participação na venda das obras dos artistas representados por elas, frequentemente de 50%, mas o fluxo é imprevisível.

"Feiras são ótimas, mas caras. Já vi galeria de arte quebrar por causa de feira. Vale escolher estrategicamente para qual ir e começar com um estande pequeno, com um artista só", diz Zuffo, da Abact. "Há opções como a ArPa (feira de artes do Pacaembu), a Art PE, no Recife, mesmo a ArtRio é mais barata que a SP-Arte."

Mesmo sem participar das feiras no começo, frequentá-las é praticamente obrigatório, para fazer pesquisa de mercado, formar relações e identificar qual evento tem o perfil mais adequado para a galeria.

Já como alternativa para aluguéis muito caros a presidente da Abact recomenda espaços coletivos. Gruta, Canteiro e Casa Ondina são alguns exemplos em São Paulo. Outra opção é usar espaços provisórios ou rachar as despesas com outras galerias, como faz Monteze, que divide seu espaço paulistano da ArteFasam com a galeria Mamute, de Porto Alegre.

A logística é outro gasto pesado no ramo: transporte, montagem e segurança das obras são trabalhos especializados que encarecem a participação em feiras e exposições. Há também as despesas com a comunicação, pois a galeria precisa ter material de divulgação caprichado.

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