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'Fake news' podem preocupar, mas não têm tanto poder assim

Estudos mostram que propaganda política online tem pouco efeito para mudar voto

Brendan Nyhan
The New York Times

É fácil mudar o voto das pessoas em uma eleição?

A resposta, de acordo com diversos estudos, é que a maioria das formas de persuasão política parece ter pouquíssimo efeito.

Essa conclusão pode parecer incômoda em um momento no qual as pessoas estão preocupadas com o efeito dos artigos noticiosos falsos que inundaram o Facebook e outros veículos noticiosos online na eleição de 2016. Observadores especularam que esses artigos, rotulados como "fake news" [notícias falsas], podem ter virado a eleição em favor de Donald Trump.

Insinuações semelhantes foram feitas quanto aos fortes efeitos persuasivos da propaganda online veiculada pela empresa Cambridge Analytica e quanto ao conteúdo difundido por bots russos.

Ainda resta muito a descobrir sobre os efeitos desse tipo de atividade online, mas as pessoas não deveriam presumir que ela tenha tido efeito muito forte.

Estudos anteriores constataram, por exemplo, que até mesmo os efeitos da propaganda televisiva (supostamente uma mídia de maior peso) são muito pequenos. De acordo com uma estimativa confiável, o efeito líquido da exposição a um anúncio adicional muda os votos de cerca de duas pessoas em cada 10 mil.

De fato, uma recente meta-análise de numerosas formas diferentes de persuasão de campanha, incluindo propaganda de pessoa a pessoa e pelo correio, constata que seu efeito médio sobre as eleições gerais é zero.

Experiências de campo realizadas para testar os efeitos da publicidade online quanto a candidatos e questões políticas também constataram efeito zero. Isso não deveria surpreender —é difícil mudar a opinião das pessoas.

Os votos delas são determinados por fatores fundamentais, como o partido que elas costumam apoiar e sua opinião sobre a situação da economia. As "fake news" e os bots provavelmente terão efeitos muito menores, especialmente se levarmos em conta a polarização da política dos Estados Unidos.

Eis o que  considerar ao avaliar afirmações sobre os vastos efeitos persuasivos de conteúdo online dúbio:

– Quantas pessoas de fato viram o material questionável. Muitas estatísticas alarmantes foram produzidas desde a eleição sobre o número de vezes que notícias falsas foram compartilhadas no Facebook ou sobre o número de retweets enviados pelos bots  russos no Twitter. Essas estatísticas obscurecem o fato de que o conteúdo assim compartilhado pode não atingir muitos americanos (a maioria das pessoas não usa o Twitter, e seu consumo de notícias políticas é relativamente baixo), e talvez nem mesmo atinja muitos seres humanos (muitos dos seguidores de bots devem eles mesmos ser bots).

– Determinar se as pessoas expostas a esse conteúdo são passíveis de persuasão. O conteúdo político dúbio que existe na Internet tem probabilidade muito elevada de chegar a consumidores de notícias em volume pesado, que já terão opiniões fortes. Por exemplo, em um estudo que conduzi com Andrew Guess, da Universidade de Princeton, e Jason Reifler, da Universidade de Exeter, no Reino Unido, ficou demonstrado que a exposição aos sites de notícias falsas, antes da eleição de 2016, se concentrou entre os 10% dos norte-americanos cuja dieta de informações era mais conservadora —e dificilmente se poderia defini-los como eleitores indecisos.

– A proporção de notícias falsas no conteúdo visto pelas pessoas. O número total de compartilhamentos ou likes que as notícias falsas e bots atraem pode parecer enorme até que você considere o volume de informação que circula online. O Twitter, por exemplo, informou que bots russos postaram 2,1 milhões de tuites antes da eleição —certamente um número preocupante. Mas eles representam apenas 1% dos tuites com teor eleitoral e 0,5% do total lido de tuites relacionados à eleição.

Da mesma forma, meu estudo com Guess e Reifler constatou que o número médio de artigos portando notícias falsas em sites visitados pelos eleitores de Trump era de 13,1, mas que apenas 40% dos eleitores dele visitavam esses sites, e eles representavam apenas 6% das páginas visitadas por esses leitores em sites com foco em tópicos noticiosos.

Nenhuma dessas constatações indica que notícias falsas e bots não são sinais preocupantes para a democracia dos Estados Unidos. Eles podem iludir e polarizar os cidadãos, solapar a confiança na mídia e distorcer o conteúdo do debate público. Mas aqueles que desejem combater a desinformação deveriam agir com base em provas e dados, não em exageros e especulações.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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