Descrição de chapéu The New York Times

É preciso revogar a Segunda Emenda da Constituição dos EUA

Interpretação da lei do século 18 como direito individual inviolável municia lobby das armas

Manifestante aparece entre multidão entre outros cartazes segurando cartaz com um fuzil desenhado na parte superior e a mensagem abaixo
Manifestante carrega cartaz com a expressão "A Segunda Emenda [da Constituição] está nos matando" em protesto a favor do controle de armas em Sacramento, na Califórnia - Bod Strong - 24.mar.2018/Reuters
JOHN PAUL STEVENS
The New York Times

A preocupação de que um Exército nacional ameace estados norte-americanos é uma relíquia do século 18

Raramente durante minha vida vi o tipo de participação cívica que estudantes e seus apoiadores demonstraram em Washington e outras grandes cidades dos Estados Unidos no sábado (24).

Essas manifestações exigem nosso respeito. Elas revelam o amplo apoio público a uma legislação para reduzir o risco de chacinas de estudantes e de outras pessoas em nossa sociedade.

Esse apoio é um claro sinal aos legisladores para que aprovem leis proibindo a propriedade por civis de armas semiautomáticas, aumentando a idade mínima para comprar uma arma de 18 para 21 anos e estabelecendo uma verificação mais ampla da ficha policial de todos os compradores de armas de fogo.

Mas os manifestantes deveriam buscar uma reforma mais efetiva e duradoura [da legislação]. Eles deveriam exigir a revogação da Segunda Emenda da Constituição.

A preocupação de que um Exército nacional possa representar uma ameaça à segurança de estados americanos independentes levou à adoção da emenda, que estabelece que "sendo necessária para a segurança de um estado livre uma milícia bem regulada, o direito de as pessoas manterem e portarem armas não deve ser violado".

Hoje essa preocupação é uma relíquia do século 18.

Por mais de 200 anos após a aprovação da Segunda Emenda, ela foi uniformemente entendida como não impondo nenhum limite à autoridade federal ou estadual de aprovar leis sobre o controle de armas.

Em 1939, a Suprema Corte aprovou por unanimidade que o Congresso poderia proibir a posse de espingardas de cano serrado, porque essa arma não tinha uma relação razoável com a preservação ou a eficiência de uma "milícia bem regulada".

Durante os anos em que Warren Burger foi o presidente da Suprema Corte, de 1969 a 1986, nenhum juiz, seja federal ou estadual, até onde tenho conhecimento, manifestou qualquer dúvida quanto à cobertura limitada dessa emenda.

Quando organizações como a Associação Nacional do Rifle (NRA) discordaram dessa posição e começaram sua campanha afirmando que a regulamentação federal das armas de fogo infringia os direitos garantidos pela Segunda Emenda, o juiz Burger afirmou publicamente que a NRA perpetrava "uma das maiores peças de fraude, e repito a palavra 'fraude', contra o público americano por grupos de lobby que vi na minha vida".

Em 2008, a Suprema Corte derrubou a opinião do juiz Burger e outras havia muito tempo estabelecidas sobre o alcance limitado da Segunda Emenda, ao decidir, no caso Distrito de Colúmbia versus Heller, que havia um direito individual a portar armas.

Eu fui um dos quatro [de nove] juízes que discordaram.

Essa decisão —que certamente era discutível e continuo convencido de que foi errada deu à NRA uma arma publicitária de imenso poder.

Derrubar essa decisão por meio de uma emenda constitucional para livrar-se da Segunda Emenda seria simples, e mais eficaz para enfraquecer a capacidade da NRA de conter o debate legislativo e bloquear leis construtivas de controle de armas que qualquer outra opção disponível.

Essa ação simples, mas drástica, aproximaria os manifestantes de sábado de seu objetivo mais que qualquer outra reforma possível.

Ela eliminaria a única decisão legal que protege os vendedores de armas de fogo nos EUA —diferentemente do que ocorre em qualquer outro mercado do mundo.

Ela tornaria nossos estudantes mais seguros do que eles jamais estiveram desde 2008 e honraria a memória das muitas —na verdade, demasiadas vítimas— da violência das armas.


Natural de Chicago, JOHN PAUL STEVENS, 97, foi o juiz de idade mais avançada da Suprema Corte dos EUA e o terceiro mais duradouro na máxima instância do Judiciário dos EUA. Nomeado em 1975 pelo republicano Gerald Ford, aposentou-se em 2010, aos 90 anos, sob Barack Obama.

Visto inicialmente como moderado, Stevens virou líder da ala progressista. Entre suas decisões mais significativas estão a de que o uso de videocassetes não representava violação das leis de direitos autorais e a proibição da pena de morte para pessoas com deficiência mental.

Foi de Stevens o voto de minerva no julgamento pela Suprema Corte da eleição presidencial de 2000 no estado da Flórida. Ele se opôs à interrupção da recontagem de votos, e o republicano George W. Bush venceu.

Desde 2010, Stevens tem defendido temas da agenda progressista como a abolição da pena de morte e a legalização da maconha.

Em "Seis Emendas: como e por que deveríamos mudar a Constituição", de 2014, ele propõe que a Segunda Emenda seja reescrita para dizer: "O direito das pessoas de manter e portar armas quando servindo na milícia não deve ser violado."

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.