Na Casa Branca de Donald Trump, o assessor que realmente importa é ele

Com saída do cargo de membros da equipe, presidente se baseia cada vez mais em seu julgamento

O presidente dos EUA, Donald Trump, passa para trás as canetas que usou para assinar decretos para aumentar tarifas de metais na Casa Branca
O presidente dos EUA, Donald Trump, passa para trás as canetas que usou para assinar decretos para aumentar tarifas de metais na Casa Branca - Leah Millis/Reuters
Peter Baker Maggie Haberman
Washington | The New York Times

O presidente Donald Trump disse em certa ocasião: “Só eu posso consertar”. Talvez seja obrigado a fazê-lo. Parece que ninguém mais está permanecendo na Casa Branca.

O índice recorde de rotatividade na Casa Branca chegou a 43% com a saída iminente do assessor econômico nacional, Gary D. Cohn.

Os membros da equipe que chegou ao governo com Trump 13 meses atrás estão procurando a saída em número crescente, e o presidente se baseia cada vez mais em seu próprio julgamento para tomar decisões cruciais.

O ritmo alucinado de saídas contribui para o clima de desordem na Casa Branca, mas reflete o modo como Trump vem operando desde que anunciou que seria candidato à Presidência.

Ele procura novas vozes constantemente, mas esgota assessores à medida que vai rapidamente perdendo confiança nas pessoas que o cercam, deixando-o com poucos assessores dos quais ele depende genuinamente. Na prática, a impressão que se tem é de uma Presidência de uma pessoa apenas.

Trump disse esta semana que isso não gera caos, mas uma renovação sadia de sua equipe, acrescentando que um grau razoável de conflito o ajuda a tomar decisões melhores.

Mas veteranos de Washington enxergam uma operação disfuncional no qual o presidente fica preso dentro de uma bolha que o isola e se torna excessivamente dependente de seus próprios instintos e julgamentos, por mais informados estes possam ser ou deixar de ser.

“A verdade é que ninguém tem bons instintos”, disse James K. Glassman, que foi funcionário sênior do Departamento de Estado no governo de George W. Bush (2001-2009) e, depois de deixar seu cargo, fundou o instituto de políticas públicas de Bush.

“Todo o mundo precisa de uma base de valores e crenças e depois de bons pareceres e conselhos com os quais avaliar suas posições.”

Glassman disse que Trump parece ter concluído que seus predecessores cometeram erros por terem ouvido maus conselhos. “Trump olha para Bush e Obama e pensa: ‘Eles tomaram algumas decisões péssimas —Iraque, Irã, saúde, então por que eu deveria fazer as coisas à maneira deles? Eu estava certo durante a campanha eleitoral, quando segui meus próprios instintos. Vou fazer a mesma coisa na Presidência.”

O senador Chuck Schumer, de Nova York, líder da minoria democrata no Senado, disse que a decisão de Gary Cohn de renunciar a seu cargo demonstra que a Casa Branca de Trump não consegue formar uma equipe coerente que consiga se orientar no meio dos desafios políticos e de políticas públicas com que um presidente se defronta.

“Um dos problemas aqui é a Casa Branca está sendo esvaziada, e o número de pessoas capazes de fazer coisas, de fazer coisas reais, quer você concorde ou discorde ideologicamente, está encolhendo sem parar”, disse Schumer a jornalistas. “Por isso, acho que vamos assistir a mais e mais dos desentendimentos e tropeços que vimos acontecer nesta semana que passou.”

A Casa Branca atribuiu a culpa ao lado oposto, acusando Schumer de bloquear a confirmação de muitos funcionários nomeados por Trump, sem qualquer razão a não ser a política partidária.

“O senador Schumer está bloqueando indiscriminadamente pessoas nomeadas para cargos”, disse a secretária de imprensa da Casa Branca, Sarah Huckabee Sanders. “Ele impõe a realização de votações burocráticas de nomes indicados, coisa que apenas gera perda de tempo, e depois acaba votando em favor deles. Isso é uma vergonha, é perigoso e precisa acabar.”

Mas muitas dos nomes recentes a terem deixado o governo são funcionários da Casa Branca, que não precisam ter suas indicações confirmadas pelo Senado. Cohn anunciou esta semana que vai deixar o governo depois de ter perdido uma batalha interna acirrada em torno da imposição de tarifas. Muitos funcionários da Casa Branca preveem que alguns de seus assessores seniores também acabem saindo.

SEQUÊNCIA

A renúncia de Cohn foi anunciada pouco depois de Hope Hicks, a diretora de comunicações e confidente do presidente, ter dito que deixará seu cargo em breve. Rob Porter, o secretário de pessoal da Casa Branca e membro do círculo interno, foi obrigado a renunciar depois de ser acusado de violência doméstica por duas ex-esposas.

O índice de rotatividade de 43% calculado por Kathryn Dunn Tenpas, acadêmica do Brookings Institution, supera de longe o que foi visto no primeiro ano de qualquer Presidência nas últimas quatro décadas.

E muitos preveem que deve aumentar ainda mais, em meio a especulações sobre a saída possível de John Kelly, o chefe de gabinete, do general H.R. McMaster, assessor de segurança nacional, ou até mesmo de Jared Kushner, genro e assessor sênior do presidente.

Mesmo que eles não renunciem, as especulações constantes aumentam a dificuldade dos funcionários da Casa Branca em concentrar-se sobre seu trabalho. Poucos nomes da equipe original continuam em seus cargos. Entre os sobreviventes estão Kellyanne Conway, conselheira do presidente, e Stephen Miller, seu assessor sênior de políticas públicas.

Conway disse que costuma recordar a seus colegas que eles servem segundo a vontade do presidente. “Há apenas duas pessoas no prédio que foram eleitas a algum cargo”, ela teria dito a colegas. “Se você não ouvir seu nome na lista —Donald J. Trump e Michael Pence--, se alinhe com o programa ou saia.”

Não é de hoje que Trump chama pessoas novas e se desfaz de outras, em um ciclo perpétuo de assessores. Os poucos que permanecem por mais tempo tendem a ser membros de sua família, se bem que mesmo os assessores “exilados” muitas vezes permaneçam na órbita dele, de alguma maneira.

Várias pessoas próximas a Trump disseram esta semana que Trump está cada vez mais comandando o Salão Oval do mesmo modo como dirigia seus negócios em seu escritório no 26º andar do edifício Trump Tower, com equipes divididas em grupinhos pequenos que o visitam.

“Obviamente isso é muito diferente do que faz a maioria dos presidentes, mas é como Trump tem operado”, disse Andy Surabian, ex-assistente especial de Trump. “Ele é alguém que gosta de que lhe apresentem opiniões diferentes. Isso é fascinante para um sujeito que é muito empedernido sobre determinadas questões. Mas eu vejo isso como uma coisa muito positiva para ele.”

Roger Stone, o assessor político que acompanha Trump há mais tempo, disse que as mudanças na equipe são em última análise “uma coisa positiva, porque acho que é assim que se recupera o trumpismo. As pessoas que estão partindo são as pessoas que diziam a ele ‘você não pode fazer isso’, as pessoas que gostariam de diluir a plataforma em cima da qual ele foi eleito.”

Trump rebateu preocupações expressas por aliados e assessores em relação às tarifas, dizendo que tem razão e acha que isso será comprovado. Falando reservadamente, criticou Cohn fortemente por ter escolhido partir.

Tradução de CLARA ALLAIN

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