Descrição de chapéu estados unidos Donald Trump

Tillerson, ausência que preenche lacuna

Secretário defenestrado não demonstrou habilidade para negociar

Rex Tillerson, durante mensagem a funcionários do Departamento de Estado, em Washington - Bao Dandan - 3.mai.2017/Xinhua
Clóvis Rossi
São Paulo

Há ausências que preenchem uma lacuna. Essa frase cruel, atribuída, no Brasil, a Sérgio Porto, mais conhecido como Stanislaw Ponte Preta, é a que se aplica bem ao caso de Rex Tillerson, o agora defenestrado secretário de Estado.

Nos seus 14 meses à frente daquele que é considerado o segundo posto mais importante dos Estados Unidos, depois apenas do presidente, Tillerson não deixou uma única marca, uma única iniciativa, nada realmente importante.

Para que a ironia da frase cruel se aplicasse inteiramente, seria preciso apenas que o novo secretário de Estado tivesse uma presença marcante, o que é discutível. Mike Pompeo, o indicado, parece muito mais talhado para a espionagem do que para a diplomacia.

É verdade que uma pode complementar a outra, mas, no mundo moderno, negociar —a essência da diplomacia— tende a ser mais relevante que espionar.

O problema é que Tillerson tampouco mostrou habilidades para negociar. Prova-o o fato de que a negociação mais midiática em curso, entre as duas Coreias e os Estados Unidos, passou ao largo do Departamento de Estado. Foi, na verdade, uma iniciativa do novo presidente sul-coreano, a que o presidente Donald Trump aderiu depois de colocada a semente.

O caso da Coreia ilustra, de toda maneira, que não dá para culpar unicamente Tillerson pela inação. Quando o presidente toma um caminho isolacionista e prefere governar por tuítes, pouco pode fazer de fato o chefe da diplomacia.

Um segundo exemplo de inação está se dando na Síria: quem decidiu a guerra em favor do ditador Bashar al-Assad foi a Rússia, enquanto os Estados Unidos apoiavam sem muita força e sem muita convicção os diferentes grupos rebeldes, prestes a serem definitivamente derrotados.

Da mesma forma, foi Trump —e não Tillerson— que tirou os EUA da negociação entre Israel e palestinos, consequência indireta — e previsível —   da decisão de transferir a embaixada americana de Tel Aviv para Jerusalém.

Para o Brasil e a América Latina, aplica-se mais ainda a frase cruel: a ausência de Tillerson preenche uma lacuna na diplomacia americana. Os Estados Unidos de Trump passaram ao largo do Brasil, nesses 14 meses de gestão Tillerson. Nem veio ao país mais importante do subcontinente na sua viagem recente nem o presidente Michel Temer foi recebido na Casa Branca.

A única iniciativa mais ou menos marcante no âmbito regional foi a sugestão de Tillerson de que uma intervenção militar talvez fosse a solução para a crise da Venezuela. Sugestão rechaçada imediatamente pelos grandes da região e até pela oposição venezuelana, por mais que esta esteja desesperada para livrar-se de Nicolás Maduro.

Um sinal nítido de quão inábil foi Tillerson.

Na prática, o único gesto do então secretário de Estado com o qual muita gente concordou, ainda que silenciosamente, foi quando ele, em conversa informal, chamou Trump de “moron” (idiota). É razoável supor que, agora, Tillerson tenha uma razão adicional para assim julgar seu ex-chefe, pela maneira deselegante como foi defenestrado.

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