Estado dos EUA já arma professores contra massacres em escolas

Proposta feita por Trump foi implementada em diversos colégios de Ohio

Joe Heim
Riverside (EUA) | Washington Post

Os cofres foram instalados no verão passado. São 32 ao todo, espalhados entre as quatro escolas primárias, as duas escolas de ensino fundamental dois, a escola de ensino médio e o prédio administrativo do distrito escolar de Mad River aqui em Riverside, nos arredores de Dayton (a 600 quilômetros a oeste de Washington).

No dia 14 de agosto, o primeiro dia de aulas dos 3.900 estudantes do distrito, cada cofre continha o elemento fundamental do novo plano de segurança do distrito: uma pistola semiautomática e um pente removível carregado de balas.

As armas não estão ali para ser usadas para policiamento. Não há seguranças armados nas escolas. Pagas com dinheiro do orçamento operacional do distrito escolar, as armas são para o uso de professores e outros funcionários que tenham se candidatado voluntariamente e passado por treinamento para fazer parte da equipe de reação da escola, a ser acionada no caso de um atirador entrar no prédio. Cada membro da equipe tem acesso a um cofre que pode ser alcançado rapidamente no caso de acontecer o impensável.

Entrada de prédio da administração do distrito escolar de Mad River tem aviso sobre funcionários armados
Entrada de prédio da administração do distrito escolar de Mad River tem aviso sobre funcionários armados - Luke Sharrett/The Washington Post

Chad Wyen, 42, o superintendente do distrito, pensa no impensável com frequência. Ele tem filhas gêmeas que estudam em escolas de Mad River. Para ele, armar funcionários e professores aumentará a segurança de todos os estudantes do distrito.

“Um criminoso faz o que quiser no prédio até que alguém o enfrenta, sua munição acaba ou ele próprio se mata”, disse Wyen em entrevista em sua sala de trabalho. “Se você não tem como reagir, vira um alvo fácil numa escola. E não estou disposto a fazer isso. Não estou disposto a colocar nossas crianças em risco.”

Em dez estados americanos as escolas permitem que professores e funcionários se armem, com a autorização dos administradores das escolas. Após o massacre que fez 17 mortos na escola Marjory Stoneman Douglas, na Flórida, no mês passado, crescem as pressões para ampliar essa abordagem.

A Casa Branca anunciou na noite de domingo (11) que vai criar uma Comissão Federal de Segurança nas Escolas, a ser presidida pela secretária de Educação, Betsy DeVos, e vai começar a trabalhar com os estados para oferecer “treinamento rigoroso no uso de armas de fogo” a alguns professores.

O presidente Donald Trump e a National Rifle Association (Associação Nacional dos Rifles, que representa o lobby pró-armas nos EUA) já deixaram claro: é preciso converter as escolas em fortalezas. Empregar todas as medidas de dissuasão. Combater fogo com fogo. Armar os professores.

“Educadores armados (e pessoas que trabalham em escolas) amam nossos estudantes e vão protegê-los”, tuitou Trump no mês passado. “... Não vão ocorrer mais massacres –uma medida de dissuasão muito grande e de baixo custo.”

Na quarta-feira (7), legisladores da Flórida aprovaram uma lei que destina US$ 67 milhões (R$ 218 milhões) para o esforço de treinar e armar determinados funcionários de escolas, embora exclua professores em tempo integral das fileiras dos funcionários que podem se oferecer voluntariamente para ser treinados. O governador Rick Scott, republicano, assinou a lei na sexta-feira (9).

Na visita que fez à escola Stoneman Douglas na quarta-feira, DeVos disse que armar professores não deve ser compulsório, mas apontou para programas de treinamento em segurança e uso de armas voltados a professores no Texas e no condado de Polk, na Flórida, como sendo exemplos para escolas que queiram aumentar sua segurança.

Acho que é um modelo que pode ser adotado e que deve ser uma opção para escolas, Estados e comunidades”, disse DeVos.

Mas os proponentes do controle de armas e os sindicatos de professores também têm deixado claro: é preciso elevar a idade mínima de quem pode comprar armas. Ampliar o acesso à saúde mental. Proibir os fuzis e similares. Não obrigar professores a assumir um papel duplo, atuando também como seguranças voluntários.

“A proposta do lobby de armas de armar professores constitui um esforço intencional e revoltante de desviar a atenção das ameaças reais que enfrentamos e da discussão séria sobre políticas públicas que é necessária”, opinou Ari Freilich, advogado junto ao Centro Jurídico Giffords de Prevenção da Violência Armada.

Segundo uma análise do Washington Post, armar e treinar 20% dos professores americanos —uma porcentagem sugerida por Trump— pode custar mais de US$ 1 bilhão (R$ 3,26 bilhões).

A Casa Branca disse no domingo que a administração vai ajudar militares veteranos e policiais aposentados a fazerem a transição para novas carreiras no setor educacional e que o Departamento de Justiça vai cooperar com as polícias municipais e estaduais para oferecer treinamento em armas de fogo a professores e funcionários das escolas.

Uma pesquisa recente da Rádio Pública Nacional revela que 59% dos americanos são contra a ideia de se treinarem professores para portar armas. E 51% dos entrevistados numa pesquisa feita pelo Washington Post e pelo canal de TV ABC News do mês passado disseram que o massacre na escola Stoneman Douglas não poderia ter sido evitado se professores estivessem armados. Para 42% dos entrevistados, poderia.

Ao mesmo tempo em que líderes eleitos e organizações nacionais pesam o impacto político de se armarem professores, alguns distritos escolares já estão aderindo a programas que colocam armas de fogos nas mãos de professores e funcionários de escolas.

A discussão sobre armar professores ou não está sendo travada em todo o país, mas já estava ocorrendo em distritos escolares do Ohio nos últimos cinco anos. Ela começou pouco após a chacina de 2012 na escola primária Sandy Hook, no Connecticut, que deixou 26 alunos e professores mortos. Vários distritos escolares do Ohio, especialmente os de áreas mais rurais, temeram que suas escolas fossem vulneráveis e começaram a armar seus funcionários e treiná-los para reagirem a um possível atirador.

“O Ohio é o ponto zero nisto”, diz a educadora Kate Way, co-produtora do documentário “G Is for Gun: The Arming of Teachers in America", a ser transmitido pela televisão pública no Ohio este mês. “Depois de acompanhar esta questão há três anos, minha impressão é que a campanha para armar professores está se espalhando por aqui como um incêndio na mata.”

Wyen não procurou ocultar os potenciais riscos para os professores e funcionários de seu distrito que queiram participar.

“Dissemos a eles: ‘Você precisa entender que, se optar por fazer isto, vai estar colocando sua vida em risco e precisa estar de acordo’”, ele disse. Os professores e funcionários não recebem acréscimo salarial por isso.

De sua equipe de 460 professores e funcionários no distrito escolar, 50 se ofereceram voluntariamente para tomar parte. Todos já tinham experiência com armas de fogo e tinham porte de arma. Cada um foi entrevistado diversas vezes. Tiveram que responder a várias perguntas: “Por que você quer fazer isso? Você é capaz de avançar na direção de uma ameaça? Se o suspeito fosse um aluno, conseguiria atirar nele para impedi-lo de atingir outras pessoas?”

Wyen escolheu 32 professores e funcionários para integrar sua equipe. Apenas o próprio Wyen e a polícia sabem quem eles são. Seu anonimato faz parte da estratégia de segurança do distrito. O único sinal externo de sua existência é uma placa que saúda os visitantes na entrada de todas as escolas de Mad River: “AVISO: Neste prédio nossos alunos são protegidos por uma equipe de reação armada e treinada”.

Jade Deis, caloura na escola de segundo grau do distrito, disse que se sente mais segura sabendo que os professores estão armadas. “O que um grampeador pode fazer contra um fuzil?”, ela pergunta. Para ela e seus amigos, o novo programa não tem sido tema de muita discussão.

“Os professores não falam sobre isso, eles não exibem as armas”, ela diz. “Eu meio que esqueço que as armas estão aqui.”

Mas alguns pais, alunos e professores receiam que a presença de armas numa escola aumente a possibilidade de ocorrerem incidentes de disparos acidentais –ou algo pior.

“É bom que eles queiram nos proteger, mas, e se um professor resolver disparar uns tiros? Qualquer pessoa pode enlouquecer de repente, e eles estão com uma arma à mão”, fala o calouro Jalen Yarbrough. “Ou digamos que um aluno vira desordeiro. O professor pode dizer ‘achei que estava correndo risco de vida e atirei nele’.”

Amanda Gallagher, que tem duas filhas na escola primária no distrito de Mad River, acha que os administradores não pesquisaram o suficiente sobre o perigo de se ter armas de fogo em escolas.

“Eles parecem estar muito preocupados com a rapidez da reação armada, mas não igualmente preocupados com os outros riscos de haver professores armados na escola”, fala Gallagher. “Entendo o medo deles. Tenho muito medo da possibilidade de minhas filhas não voltarem da escola um dia, mas ter professores armados não me tranquiliza. Apenas me dá novos motivos para me preocupar.”

No Ohio, a decisão sobre armar professores é tomada pelos distritos escolares e estes não são obrigados a divulgar essa informação ao público. Logo, não se sabe quantos dos 610 distritos escolares do Estado têm professores armados.

Michael Hanlon, superindentente do distrito escolar de Chardon, no nordeste do Ohio, disse que lhe perguntam com frequência se deu distrito arma os professores.

Seis anos atrás um jovem de 17 anos, T.J. Lane, entrou na escola de ensino médio Chardon High armado com um fuzil semiautomático calibre 22. Ele matou três alunos e feriu outros três. Em questão de minutos, diz Hanlon, a escola passou a integrar “um clube do qual ninguém quer fazer parte”.

Sempre que ocorre uma chacina numa escola em qualquer lugar do país, diz Hanlon, os professores e funcionários em seu distrito o sentem profundamente. “Nunca mais se escapa dessa lembrança”, ele disse.

Depois de cada massacre, Hanlon ouve novos chamados para que se armem os professores. Seu distrito optou por não fazê-lo.

“Se víssemos a mesma coisa acontecer em um hospital, duvido que começássemos a dizer que é preciso armar médicos e enfermeiros”, diz Hanlon. “Eles têm um trabalho importante a fazer, salvando vidas. E o trabalho que os professores realizam é igualmente importante. O argumento de que se deve armar os professores prejudica o trabalho fundamental dos professores.”

Numa sala de conferências do Centro Premier de Tiro e Treinamento, ao norte de Cincinnati, Joe Eaton contou que ouve as mesmas perguntas de todos os professores, motoristas de ônibus escolares, funcionários de refeitórios e administradores escolares que participam do treinamento tático e de armas oferecido por sua organização a escolas em todo o Ohio.

“Será que vou conseguir fazer isso? Vou conseguir desempenhar? Vou estar em situação de desvantagem?”

Eaton, que tem 52 anos, é avô, profissional de informática e aficionado por armas diz que tem uma pergunta a colocar aos professores e outros: se o atirador for aluno ou ex-aluno da escola, como é o caso da maioria dos atiradores em escolas, você vai conseguir puxar o gatilho contra ele?

“As regras de combate preveem que se alguém está assassinando pessoas em sua escola, você deve matar essa pessoa o quanto antes e interromper o massacre”, diz Eaton, que é diretor de de um programa de treinamento em resposta emergencial para escolas criado há cinco anos pela Buckeye Firearms Foundation, uma ONG do Ohio que defende o porte de armas e oferece treinamento no uso delas.

Segundo Eaton, mil dos 1.300 participantes do programa saíram de mais de 200 distritos escolares do Ohio. A demanda pelo programa nunca esteve maior.

Quando o programa começou, a maioria dos participantes era formada por ex-policiais, ex-militares ou caçadores. Mas essa situação mudou nos últimos dois anos: mais de metade dos participantes nunca havia tocado uma arma de fogo até suas escolas lhes pedirem para participar.

Durante um curso de três dias, os participantes estudam uma história de situações com atiradores em ação, participam de manobras e treinamentos táticos, treinam o uso de armas de fogo e técnicas de assistência de primeiros socorros.

Até agora, diz Eaton, nenhum dos professores do Ohio treinados para usar armas foi obrigado a fazer uso de uma arma na escola.

“Nós lhes damos treinamento e ferramentas simples que eles podem utilizar no caso de acontecer um cenário do tipo pior possível em suas escolas”, ele fala.

Um dos primeiros distritos do Ohio a armar seus professores foi Sidney, comunidade rural a menos de uma hora ao norte de Dayton. Ali o treinamento é extenso e os participantes são cuidadosamente selecionados, diz o superintendente John Scheu, que iniciou o programa cinco anos atrás.

“Não é apenas entregar uma arma a uma pessoa. Não estamos falando de um hobby, mas de algo muito sério”, diz um professor de Sidney que participa do programa e pediu para não ser identificado, devido ao protocolo de segurança da escola. “Adoro fazer o treinamento e espero jamais precisar fazer uso dele. Se sua mentalidade é de caubói, você não tem lugar neste programa.”

O professor, que começou na profissão pouco antes do massacre de 1999 que fez 15 mortos na escola Columbine, no Colorado, diz que entende que armar professores não é uma opção que agrada a todos os distritos escolares.

“Os professores são educadores”, ele disse. “E agora também somos protetores.”

Mas Lori Hedberg, diretora do sindicato de professores de Sidney, diz que essa é uma escolha que os professores não deveriam ter que fazer. Ela lutou para impedir que o distrito escolar adotasse o programa. O sindicato perdeu. Hedberg continua a lutar.

“Esta é uma reação imediata e impensada que não vai resolver o problema”, diz ela, que trabalha com o distrito escolar há 29 anos. “Vamos reforçar nossas barreiras para que professores não precisem disparar armas. Não quero que um professor dispare um tiro, nunca. Isso não faz parte de suas responsabilidades profissionais.”

Tradução de Clara Allain

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