Vaidade fragiliza Donald Trump ante Kim Jong-un, dizem analistas

Desejo de ser reconhecido pode levar presidente a fazer concessões a ditador norte-coreano

O presidente dos EUA, Donald Trump, e o líder norte-coreano, Kim Jong-un, aparecem batendo palmas em diferentes eventos
O presidente dos EUA, Donald Trump, e o líder norte-coreano, Kim Jong-un, aparecem aplaudindo em diferentes eventos - AFP
Estelita Hass Carazzai Silas Martí
Washington e Nova York

O mundo ainda digere o anúncio de um possível encontro do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, com o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, dois dos chefes de Estado mais erráticos do planeta.

Enquanto a Casa Branca tenta relativizar a notícia dizendo que a conversa só acontecerá se o país asiático tomar "ações concretas e mensuráveis" para acabar com seu arsenal nuclear, porém, analistas dizem que Trump será vítima de sua vaidade ao se sentar com Kim.

"A Coreia do Norte sempre foi um manipulador hábil, e Kim parece ter conseguido agendar o encontro com Trump se aproveitando da vaidade dele como autoproclamado melhor negociador do mundo", afirmou Evan Medeiros, especialista na política da região e ex-assessor de Barack Obama.

"Se Trump ficar obcecado em se tornar o presidente americano que enfim deu um jeito no problema da Coreia do Norte, Kim pode até arrancar mais concessões dele, com o relaxamento de sanções no topo da lista", disse.

"É uma enorme vitória política para Kim, que legitima e impulsiona a estatura de seu regime."

Na visão de Medeiros, o fato de o encontro ter sido planejado às pressas e sem articulação com o resto da equipe diplomática, que vem sofrendo desfalques na atual administração, leva a crer que Pyongyang não deve oferecer contrapartida.

Muito menos aceitar a desnuclearização, antes da histórica reunião com Trump.

"Isso só reforça o apelo de Kim de ter seu regime reconhecido como um poder nuclear de fato", diz Medeiros.

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Isaac Stone Fish, especialista na região e estudioso do think tank Asia Society, concorda que a equipe de Trump e o próprio presidente não estão preparados para lidar com um assunto de tamanha delicadeza, mas argumenta que o republicano faz bem em aceitar o encontro com Kim.

bom ele tentar. Presidentes americanos se sentam desde sempre para conversar com outros chefes de Estado desagradáveis", diz o analista. "O nosso maior interesse é evitar uma guerra com a Coreia do Norte e evitar que sejamos ameaçados por eles."

Stone Fish reconhece, no entanto, que é extremamente improvável que a exigência de Washington de que Pyongyang abandone seu arsenal nuclear seja cumprida e, ainda que fosse, não seria possível inspecionar o "país mais opaco do mundo" para averiguar.

"É mais fácil mudar o desejo de Kim de usar suas armas nucleares do que exigir que ele se livre delas", ele diz.

Rex Tillerson, o chefe da diplomacia americana que se disse surpreso com o anúncio do encontro, afirmou logo depois que Trump e Kim vão conversar e que não haverá negociações envolvidas.

"O presidente diz há algum tempo que está aberto a conversar e que estava disposto a se encontrar com Kim se as condições fossem adequadas", declarou Tillerson. "Creio que, na avaliação do presidente, a hora chegou."

Representantes da Casa Branca também voltaram a dizer que as sanções à Coreia do Norte serão mantidas e que um eventual acordo só será negociado se houver uma inspeção das instalações nucleares do país.

Mesmo rodeado de incertezas, o possível encontro entre o presidente dos EUA e o líder norte-coreano, o primeiro desde o início da Guerra da Coreia em 1950, foi bem recebido pela comunidade global.

O líder chinês, Xi Jinping, que falou por telefone com Trump, elogiou a busca por uma solução pacífica para questão coreana. Ele pediu também que todos entrem no encontro com boa vontade para resolver essa situação.

Serguei Lavrov, chefe da diplomacia russa, disse que a reunião é "um passo na direção certa" e pediu participação da ONU em negociações futuras. "Não deve ser só um encontro, é preciso que abra caminho para resgatar o processo de solução da questão nuclear norte-coreana."

Trump também recebeu um recado do ex-jogador de basquete Dennis Rodman, um dos poucos americanos a já terem se reunido com Kim.

"Por favor, mande meus cumprimentos ao marechal Kim Jong-un e sua família", disse o ex-atleta, dono de cinco títulos da NBA. Rodman, que já viajou diversas vezes para Pyongyang, disse que planeja voltar em breve ao país para ajudar no que chamou de diplomacia do basquete, em alusão à diplomacia do pingue-pongue que usou o esporte para aproximar EUA e China nos anos 1970.

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