Transição torta em Cuba terá impacto psicológico, diz opositor

Historiador e opositor celebra que o país não vá mais ser conduzido oficialmente por um Castro

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Isabel Fleck
Havana

Uma “transição torta”, mas que mesmo assim tem um impacto psicológico importante para os cubanos e para o mundo.

Essa é a avaliação do historiador e opositor cubano Manuel Cuesta Morúa, 55, sobre o processo que levou Míguel Díaz-Canel a suceder Raúl Castro no comando do país, nesta quinta (19). 

Porta-voz do pequeno partido não reconhecido Arco Progressista e um dos líderes da plataforma Otro18, que defende eleições plurais no país, Cuesta Morúa celebra o fato de, em quase seis décadas, o país não ser mais oficialmente conduzido por um Castro.

“É um momento importante. Apesar de não convidar a pensar em mudanças estruturais, pela primeira vez começa a se dissociar a ideia de que a nação cubana está ligada a um sobrenome”, disse o opositor à Folha.

“Até agora, era a Cuba de Castro, a nação de Castro, a revolução de Castro. Isso tem um impacto psicológico muito importante para os cubanos.”

Cuesta Morúa reconhece que, na prática, Díaz-Canel estará ainda sob o comando de Castro, que seguirá à frente do Partido Comunista e das Forças Armadas —e que isso por si só já significa pouca margem para mudanças.

Ele, no entanto, afirma que o fato de Díaz-Canel não ser um Castro o torna mais suscetível a pressões não só de quem está acima dele, mas também dos membros do parlamento de sua geração e mesmo da sociedade.

“Há agora um ensaio de separação entre o poder político e a governança, e a sociedade cubana já não é mais a mesma. Díaz-Canel terá que justificar bem a administração do que já está determinado politicamente”, diz. “Ele terá que justificar as ações na lei, nas instituições e na Constituição.”

Para o historiador, contudo, essa maior suscetibilidade do novo presidente do Conselho de Estado pode fazer com que seus interesses se distanciem dos da população. 

Isso porque Díaz-Canel, em sua opinião, terá que se preocupar nos primeiros dois anos em se legitimar politicamente, antes de se arriscar com as reformas que não foram feitas por Castro, como a monetária —uma forte demanda popular.

“Ele não tem a mesma legitimidade histórica que Raúl Castro, que podia se aventurar a fazer mais reformas. Ao fim, se desse certo ou errado, ninguém iria contestar Raúl Castro”, diz.

Cuesta Morúa reconhece que há uma apatia política, principalmente entre os jovens cubanos, mas diz que os cubanos precisam de apenas alguma esperança de mudança para se “ativar como cidadãos”.

“Os jovens não se sentiram representados e não viram esperança de que o que aconteceu agora significaria uma mudança em suas vidas”, afirma.

O opositor calcula que haja hoje mais de cem presos políticos no país, acusados de crimes comuns, mas diz ter mudado, nos últimos três anos, a forma de repressão. 

Segundo ele, agora as detenções geralmente duram horas, apenas para impedir que a pessoa participe de um protesto ou reunião, por exemplo.

O regime também tem mirado dissidentes que não estejam em posições de liderança, para fazer “menos barulho”.

Para ele, a perda de apoio regional foi um fator a pressionar o governo Castro a mudar suas estratégias contra opositores.

“Era mais fácil para o regime quando Nicolás Maduro tinha mais tranquilidade, quando estava o Hugo Chávez na Venezuela, Lula ou Dilma Rousseff, no Brasil, Cristina Kirchner, na Argentina. [O regime cubano] tinha um ambiente político mais favorável.” 

O opositor diz ainda ter esperanças de reformas políticas que um dia permitam que ele se candidate a presidente em Cuba.

“Eu luto para que um dia possa ser candidato, e trabalho nessa direção porque, creio que tenho direito de compartilhar uma visão de como Cuba deve ser”, afirma. 

“Tenho 55 anos, acho que tenho mais 15 para sonhar com isso”. Mas Raúl tem 86, a repórter argumenta.

Ao que ele prontamente retruca: “Não me atreveria a ter esse sonho com mais de 80”.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.