Descrição de chapéu The New York Times

NYT investiga jornalista por caso com encarregado de dados sigilosos no Senado

Repórter teve relação por 3 anos com funcionário que tinha acesso a informações confidenciais

 
A jornalista Ali Watkins, do New York Times
A jornalista Ali Watkins, do New York Times - Divulgação
New York Times News Service

A pulseira de pérolas chegou em maio de 2014, na primavera do último ano de Ali Watkins na faculdade. Foi um presente de formatura de um homem muito mais velho. O tipo de bijuteria que poderia dar a entender algo mais profundo que mera amizade —ou talvez não.

Watkins tinha 22 anos na época e era estagiária na sucursal de Washington da McClatchy Newspapers. O presente não a pegou inteiramente de surpresa. Ela conhecera James Wolfe, de 50 e alguns anos, assessor sênior do Comitê de Inteligência do Senado, enquanto procurava furos de reportagem no Capitólio. Ele se tornara uma fonte útil de informações para ela, mas havia momentos em que ele parecia estar interessado em outro tipo de atividades, como quando ele lhe deu um cartão do Dia dos Namorados.

Nessa ocasião, Watkins explicou a Wolfe que a relação deles era estritamente profissional. A pulseira indicou que ele não teria captado a mensagem. Ela pediu o conselho de um editor, que lhe disse que, desde que o presente não tivesse valor muito alto, não havia problema.

Watkins ficou com a pulseira.

A história do que aconteceu a seguir —de um caso de três anos entre uma jovem repórter e um funcionário governamental com acesso a informações altamente classificadas— faz parte de uma investigação federal que agitou o mundo dos jornalistas de Washington e as fontes das quais eles dependem para fazer seu trabalho.

James Wolfe foi preso em 7 de junho e acusado de mentir a investigadores sobre seus contatos com Watkins e três outros jornalistas. Promotores federais apreenderam o histórico de mensagens de email e telefone de Watkins, repórter do New York Times em Washington.

James Wolfe, que foi assessor de Comitê de Inteligência do Senado dos EUA
James Wolfe, que foi assessor de Comitê de Inteligência do Senado dos EUA - Zach Gibson - 13.jun.2018/Getty Images/AFP

 A jornalista, que hoje tem 26 anos, foi contratada pelo New York Times em dezembro —cerca de quatro meses depois de seu relacionamento com Wolfe ter terminado, segundo ela— para cobrir o trabalho da Justiça e da polícia federal. 

A publicação agora está analisando seu histórico de trabalho e a influência que o relacionamento com Wolfe pode ter tido sobre ele. 

O New York Times também está analisando a decisão de Watkins, tomada a conselho de seu advogado pessoal, de não informar aos editores imediatamente sobre uma carta que recebeu em fevereiro informando-a que seus registros de email e telefone tinham sido apreendidos.

O confisco dos registros de Watkins preocupa defensores da primeira emenda constitucional. Eles disseram que, sem qualquer alegação de revelação de informações classificadas, não há nada que justifique uma tática rara e agressiva como essa, que pode prejudicar a capacidade de jornalistas de noticiarem erros de conduta do governo.

“A questão mais importante aqui é a apreensão das mensagens pessoais da jornalista, algo que todos condenamos e que achamos que deve ser motivo de preocupação profunda para todos os americanos”, disse uma porta-voz do jornal americano, Eileen Murphy.

Fato notável é que o processo contra James Wolfe toca em várias das preocupações do presidente Donald Trump: vazamentos de informações, algo contra o qual ele vem clamando desde que tomou posse; a burocracia de Washington, que ele descreve em tom de escárnio como o “Estado profundo”; a imprensa, o alvo favorito do presidente, e a investigação sobre os vínculos de sua campanha com a Rússia. 

O presidente tuitou sua satisfação pelo fato de o FBI ter detido “um vazador muito importante”, levando os advogados de Wolfe a protestar que seu cliente foi acusado de mentir, não de vazar informações, e que se declarou inocente.

O seguinte relato é baseado em entrevistas com cerca de três dúzias de amigos e colegas de Watkins e Wolfe, muitos dos quais pediram anonimato para falar com franqueza sobre temas delicados. Watkins se negou a falar “on the record”, mas compartilhou muitos detalhes do que lhe aconteceu com outras pessoas que conversaram com o New York Times. 

Os advogados de Wolfe se negaram a falar com detalhes, dizendo que ele está combatendo as acusações que lhe foram feitas no tribunal, não no jornal.

Wolfe, que é casado mas cuja esposa hoje vive no Connecticut, se aposentou em dezembro, pouco depois de investigadores o terem interrogado sobre possíveis vazamentos.

Evitar conflitos de interesse é umas das máximas básicas do jornalismo e envolver-se intimamente com uma fonte é considerado proibido. 

Em sua curta carreira, Watkins revelou seu relacionamento com Wolfe a seus empregadores em grau maior ou menor —às vezes citando o nome e cargo de Wolfe, às vezes não—, dizendo que não o utilizara como fonte enquanto manteve um relacionamento com ele.

Se o romance com Wolfe provocou alguma preocupação, não foi o suficiente para impedir várias organizações noticiosas de empregarem Watkins, nem para convencer seus editores a afastarem a repórter da cobertura de inteligência. 

Desde que conheceu Wolfe, em 2013, Watkins escreveu sobre o Comitê de Inteligência do Senado para  Politico, BuzzFeed News, The Huffington Post e McClatchy —nesta última suas reportagens fizeram parte de um conjunto de trabalhos que foi finalista para o Prêmio Pulitzer.

Em maio de 2017 Watkins foi trabalhar para o Politico, enquanto ela e Wolfe ainda estavam juntos. Ela disse a amigos que, quando foi contratada, informou ao editor do Politico, Paul Volpe, que estava namorando um homem da comunidade de inteligência, mas não informou seu nome ou cargo.

No dia 2 de junho de 2017, abalada, Watkins procurou seus editores no Politico para contar uma história bizarra.

No dia anterior, explicou, ela recebera um email anônimo de um homem que dizia trabalhar para o governo e queria um encontro com ela. Enquanto tomavam um drinque, o homem lhe perguntou sobre as fontes que ela usara para uma reportagem sobre a espionagem russa. Ele então a deixou espantada, citando o itinerário que ela seguira em férias recentes na Espanha. Ele também sabia com quem ela havia viajado: James Wolfe.

O homem disse que tinha se mudado temporariamente para Washington para trabalhar em investigações sobre vazamentos. Pediu a Watkins que o ajudasse a identificar funcionários governamentais que estariam vazando informações para a imprensa. 

Ele disse a Watkins que, se isso saísse no Washington Post, “colocaria seu mundo de pernas para o ar”. A jornalista disse aos editores que achou que o homem estava ameaçando expor seu relacionamento pessoal com Wolfe.

Watkins voltou ao bar mais tarde e obteve um recibo com o nome do homem: Jeffrey A. Rambo, agente do serviço de Alfândega e Proteção das Fronteiras lotado na Califórnia.

Dois antigos funcionários do Departamento de Justiça disseram que no ano passado houve um aumento no número de funcionários governamentais encarregados de caçar vazamentos —uma prioridade da Casa Branca de Trump—, mas um funcionário atual disse que não há evidências de que Rambo tenha sido encaminhado para trabalhar para o FBI.

Procurado por telefone, Rambo se negou a dar declarações. Um porta-voz do serviço de Proteção das Fronteiras disse que o caso foi encaminhado ao Escritório de Responsabilidade Pessoal do órgão.

No Politico, havia curiosidade sobre o porquê de um agente da Patrulha das Fronteiras estar aparentemente mirando contra uma de suas jornalistas. Mas os editores também se surpreenderam ao ficar sabendo que o homem com quem Watkins se relacionava era uma figura poderosa de um comitê que ela cobrira como repórter.

Se os editores do Politico tiveram reservas em relação ao relacionamento de Watkins com Wolfe, isso não se refletiu no trabalho que lhe foi encomendado: nos seis meses seguintes, ela continuou a escrever sobre o trabalho do Comitê de Inteligência do Senado.

Em agosto, Watkins disse a amigos que havia terminado com Wolfe. Ele teria se assustado com o encontro dela com Rambo e estaria se negando a revelar o relacionamento dele com a jornalista a seus próprios empregadores no Senado.

Em dezembro, antes de começar a trabalhar para o New York Times, Watkins contou à editora de Segurança Nacional do jornal, Amy Fiscus, sobre seus relacionamentos anteriores com membros do staff do comitê do Senado e sobre seu encontro com Jeffrey Rambo. Fiscus transmitiu a informação à chefe do sucursal do jornal em Washington, Elisabeth Bumiller.

Fiscus e Bumiller disseram em entrevistas que não acharam que os relacionamentos passados de Watkins deveriam ser um empecilho à contratação dela, porque Watkins disse que Wolfe não tinha sido sua fonte enquanto eles tiveram um relacionamento e porque ela não iria cobrir o Comitê de Inteligência do Senado para o New York Times.

Em 14 de dezembro, dias antes da data prevista para ela começar no jornal, Watkins foi abordada por dois agentes do FBI que lhe fizeram perguntas sobre Wolfe. 

Ela avisou seus editores na sucursal de Washington imediatamente sobre o acontecera. Mas em fevereiro Watkins recebeu uma carta sobre a qual não informou os editores: um aviso do Departamento de Justiça de que investigadores haviam apreendido algumas de suas mensagens de email e telefone.

A apreensão de comunicações pessoais de um jornalista é tão incomum que frequentemente é dada como notícia, e as organizações noticiosas geralmente protestam contra esse tipo de ato. 

Mas, a conselho de seu advogado, Watkins não informou seus editores sobre o ocorrido. Ela só contou ao New York Times quase quatro meses mais tarde, quando uma reportagem de seus colegas sobre a prisão de Wolfe estava prestes a ser publicada. 

Em comunicado divulgado na época, Murphy, a porta-voz do New York Times, disse que o jornal “obviamente teria preferido ter conhecimento”.

O jornal se negou a comentar sobre sua revisão interna. 

Desde a prisão de James Wolfe, a precisão dos artigos de Watkins para o New York Times e outras publicações não foi contestada. 

Nos últimos dias a jornalista tem estado ausente do trabalho, de férias previamente programadas.

Tradução de Clara Allain

Emily Flitter, Scott Shane e Michael M. Grynbaum
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