Descrição de chapéu Governo Trump

Salvadorenha narra périplo em busca de seu bebê de um ano nos EUA

Criança foi separada do pai na fronteira e mãe levou três meses para achá-la em abrigo no Texas

Delphine Schrank Julia Love
Reuters

Foram necessários 85 dias para que Olivia Caceres recuperasse seu bebê, tirado dos braços do pai na fronteira dos Estados Unidos, uma experiência traumática que muitos outros pais experimentam em seu esforço por se reunirem com filhos dos quais foram separados pelas políticas de imigração do presidente Donald Trump.

Protesto contra a separação de crianças imigrantes de seus pais em frente a centro de detenção em El Paso, Texas, nos EUA
Protesto contra a separação de crianças imigrantes de seus pais em frente a centro de detenção em El Paso, Texas, nos EUA - Brendan Smialowski/AFP

Agora com quase 20 meses de idade, Mateo foi devolvido à sua família em 8 de fevereiro, depois de uma batalha de fronteiras, burocracias e idiomas. Ele estava imundo e tinha pavor do escuro, disse a mãe. Meses mais tarde, o menino ainda grita de medo, mesmo que Caceres o segure no colo e o nine, às vezes até o amanhecer.

A história da luta dessa família salvadorenha contra a detenção pelo serviço de imigração americano pressagiava o que aconteceria: a política de "tolerância zero" de Trump que resultou em mais de 2.300 filhos de imigrantes serem separados de seus pais nas últimas semanas.

O esforço de Caceres para encontrar seu filho permite antever a longa estrada que muitas famílias de imigrantes terão de percorrer, agora que Trump reverteu a decisão de separá-las e instruiu as agências do governo americano a que comecem a reunir as famílias.

No ano passado, Caceres, seu marido, Jose Demar Fuentes, e os filhos do casal, Mateo e Andree, 5, fugiram de El Salvador, onde gangues exigiam que pagassem proteção, e cruzaram o México como parte de uma das "caravanas" regulares de imigrantes, que viajam juntos em busca de segurança.

Em 12 de novembro, Fuentes solicitou asilo na fronteira entre o México e os Estados Unidos; ele trazia Mateo nos braços, e citou as ameaças das gangues como motivo do pedido. Caceres o seguiria dias mais tarde, com Andree.

Mas Caceres foi informada de que agentes de imigração americanos haviam separado Mateo de Fuentes em 16 de setembro, quando Fuentes foi transferido ao centro de detenção de San Diego. Ainda em Tijuana, ela iniciou uma busca frenética por seu filho.

Quando por fim recuperou Mateo, em fevereiro, "ele parecia não ter tomado um banho em três meses", disse Caceres em entrevista por telefone à Reuters nesta semana, de Los Angeles.

"Foi muito difícil ver a condição em que ele estava. Não quero imaginar aquela montanha de crianças, a maneira pela qual estão sendo tratadas", ela disse, segurando as lágrimas.

As potenciais consequências dessas separações incluem impactos sobre o desenvolvimento do cérebro e a saúde mental, bem como persistentes problemas comportamentais e nos estudos, especialmente para as crianças com menos de cinco anos de idade, afirmam especialistas em desenvolvimento infantil.

Na primeira noite de seu retorno, Mateo parecia inconsolável, enquanto Caceres repetia, murmurando, que ele estava "com a mamãe", ela conta.

Caceres terminou por localizar Mateo em uma instalação no Texas. O número de telefone daquele centro, que ela forneceu à Reuters, está registrado à International Educational Studies (IES).

A IES é uma organização sem fins lucrativos que fechou seus centros no Texas em março depois de perder a verba que recebia do Escritório para Reacomodação de Refugiados, de acordo com reportagens na mídia local. Uma porta-voz da Comissão de Saúde e Serviços Humanos do Texas confirmou que as instalações estavam inativas.

A agência texana encontrou diversas violações em sua inspeção das instalações da IES, entre as quais impropriedades na maneira pela qual remédios eram ministrados, de acordo com o site da comissão.

Em comunicado à mídia local, a IES não explicou por que as instalações haviam sido fechadas. O Escritório para Reacomodação de Refugiados não respondeu de imediato a pedidos de comentários. Ligações para o número de telefone que consta da lista para a IES não foram atendidas, assim como mensagens para os endereços de email de seu pessoal. A Comissão de Saúde e Serviços Humanos do Texas não ofereceu razão para o fechamento.

"Ele está aqui"

Caceres passou uma semana ligando para instituições semelhantes antes de localizar Mateo. Os números lhe foram fornecidos depois que ela recorreu a uma linha telefônica de assistência a pais separados de seus filhos.

Caceres teve de ligar para alguns desses números dez vezes, antes de obter respostas. Um funcionário disse que o nome de Mateo não constava do sistema.

Por algum tempo, parecia que seu filho nem existia na burocracia americana.

No sétimo dia de ligações, no final de novembro, ela conseguiu falar com a IES.

"Sim, ele está aqui", disse a pessoa do outro lado da linha. "Você é a mãe?"

Trêmula de alívio, ela pediu informações sobre a saúde de Mateo, seu estado de espírito, como ele estava sendo alimentado, e se ele estava conseguindo dormir.

A resposta foi que essas respostas seriam dadas a ela, mas só quando provasse que era a mãe do menino.

Com a ajuda de uma advogada que ofereceu assistência não-remunerada, Caceres enviou por email à IES os documentos de que dispunha: a certidão de nascimento de Mateo, um formulário hospitalar que continha impressões de seus pés e sua carteira de identidade salvadorenha.

O diretor da instalação no Texas exigiu um teste de DNA. Por fim, o parentesco foi estabelecido com a ajuda de um representante do consulado salvadorenho no Texas, que atestou os documentos, disse Caceres.

Mas ainda assim foi preciso tempo para convencer a IES a permitir que ela falasse com Mateo, e isso só em forma de um vídeo de cinco minutos que Caceres lhes enviou. Ela ouviu o choro de Mateo pelo telefone, quando o vídeo foi mostrado, porque ele não conseguia entender de onde estava vindo a voz de sua mãe.

"Ele achou que ela estava lá para apanhá-lo", disse Erika Pinheiro, advogada de Caceres; "Mateo ficou muito perturbado depois do telefonema".

Dirigentes do centro disseram a Caceres que não tinham informações sobre seu caso, e nem sobre como o filho dela havia sido encaminhado a eles. Disseram a Caceres que as autoridades de imigração simplesmente lhes encaminhavam bebês, de acordo com Caceres.

Ela não podia viajar ao Texas para apanhar seu filho por conta das limitações de movimento que lhe foram impostas. Caceres tem de usar um dispositivo de localização eletrônico preso ao tornozelo desde que cruzou a fronteira dos Estados Unidos com Andree e pediu asilo. Ela está hospedada com parentes em Los Angeles.

Em dado momento, contam Caceres e sua advogada, foi solicitado a ela que pagasse US$ 2.000 para que um agente levasse Mateo a ela. Pinheiro disse que o especialista do Escritório para Reacomodação de Refugiados encarregado do caso por fim concordou em abrir mão da cobrança.

Detenção

Em seu país, Fuentes, 30 e Caceres, 29, tinham uma loja de sapatos artesanais. Como muitos donos de pequenas empresas, eles eram forçados a pagar uma "taxa de guerra" semanal à Mara Salvatrucha, ou MS-13, uma das duas gangues brutais que têm feudos em todo o país.

Quando a taxa dobrou de uma semana para outra, para US$ 100 (R$ 375), eles já não conseguiam pagar, disse Caceres. Mas deixar de fazê-lo representaria a morte, ela disse. A família fugiu.

Por motivos que não estão claros, as autoridades de imigração americanas decidiram separar Mateo de Fuentes quando ele estava sendo transferido para o centro de detenção de Otay Mesa; o mesmo aconteceu com os filhos de três outros homens. Ele não foi informado sobre o local a que o menino foi enviado.

Um funcionário do serviço de alfândega e patrulha de fronteira americano informou à Reuters que a agência havia determinado que Fuentes e seu filho eram cidadãos salvadorenhos e não tinham autorização legal para entrar nos Estados Unidos, e os entregou ao ICE (Serviço de Imigração e Alfândega, na sigla em inglês).

Naquele momento, uma porta-voz da ICE divulgou um comunicado afirmando que Fuentes não tinha documentos que confirmassem que era o pai do menino, e que a criança era jovem demais para responder às perguntas das autoridades.

Pinheiro e ativistas dizem que os documentos salvadorenhos de Fuentes e a certidão de nascimento de Mateo são prova da conexão familiar entre eles.

Fuentes buscou asilo com Mateo porque o menino estava doente depois da jornada pela América Central, boa parte da qual realizada no topo do vagão de carga de um trem, e eles queriam chegar aos Estados Unidos em busca de tratamento, disse Caceres.

Fuentes, que estudou jornalismo, continua detido em Otay Mesa; seu pedido de liberdade condicional foi negado, e ele não pode receber visitas da família, de acordo com Caceres e Pinheiro.

"Para mim, é difícil entender que haja um risco de fuga no meu caso, quando me apresentei às autoridades e solicitei asilo", ele escreveu em uma carta angustiada aos dirigentes do centro de detenção de Otay Mesa, vista pela Reuters.

"Vim para buscar segurança para minha família, e o que consegui foi ser separado de meu filho, que tinha 14 meses de idade", ele escreveu.

Mateo agora aprendeu a dizer "pa" e "ma" e, quando ele chora, a única maneira de acalmá-lo, para Caceres, é niná-lo e repetir essas palavras.

Tradução de Paulo Migliacci

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