Descrição de chapéu The New York Times

Após 50 dias separado da mãe nos EUA, menino brasileiro de cinco anos regride

Criança pede para mamar, se esconde de visitas e imita agentes de centro de detenção de migrantes

Thiago aparece pendurado no brinquedo, enquanto a mãe beija sua cabeça.
Ana Carolina Fernandes beija o filho, Thiago, 5, enquanto brinca com ele em um parque na Filadélfia, onde mora com parentes - Todd Heisler - 31.jul.18/The New York Times
Miriam Jordan
Filadélfia | The New York Times

Antes que eles fossem separados na fronteira sudoeste dos EUA, o filho de Ana Carolina Fernandes, Thiago, de 5 anos, gostava de brincar com os Minions, personagens amarelos dos filmes “Meu Malvado Favorito”. Agora sua brincadeira preferida é apalpar e prender “migrantes” com algemas de plástico.

Depois de ser separado da mãe durante 50 dias, Thiago não é o mesmo menino que foi tirado dela por agentes da Patrulha de Fronteiras dos EUA quando vieram do Brasil, disse Fernandes na semana passada. 

Quando eles chegaram em casa após se reencontrarem, o menino —que ela não amamentava havia anos— implorou para mamar. Quando chegaram visitas à nova casa da família em Filadélfia, ele se escondeu atrás do sofá. 

“Ele está assim desde que o recuperei”, disse Fernandes. “Não quer falar com ninguém.” 

Thiago é uma das quase 3.000 crianças que foram afastadas à força do pai ou da mãe na fronteira nesta primavera, como parte da nova política de imigração de “tolerância zero” do governo Trump. 

Depois de uma reação nacional, o presidente Donald Trump acabou com as separações familiares em 20 de junho, e mais de 1.800 crianças separadas foram reunidas aos pais nas últimas semanas.

Mas muitas das crianças libertadas dão sinais de ansiedade, introversão, regressão e outros problemas de saúde mental, segundo relatos de advogados, defensores de imigrantes e voluntários que trabalham com as famílias reunidas.

“Nossos voluntários estão vendo o preço real e significativo que essas separações traumáticas tiveram na vida dessas crianças e suas famílias, que persiste mesmo depois da reunificação”, disse Joanna Franchini, que coordena uma rede nacional de voluntários que trabalham com crianças migrantes e seus pais, chamada Together & Free [Juntos & Livres].

Um menino de 3 anos que foi separado de sua mãe fingia algemar e vacinar pessoas ao seu redor, comportamento que quase certamente presenciou sob custódia da Polícia de Imigração e Alfândega, segundo os profissionais que o assistem. Uma dupla de irmãos pequenos irrompeu em lágrimas quando avistou policiais na rua.

A maioria das crianças que experimentam problemas até agora demonstra ansiedade aguda em torno de rotinas que os separam brevemente de seus pais, como quando o adulto toma banho ou vai para outro cômodo, segundo os que monitoram esses relatórios.

“Essas crianças não querem ficar sem suas mães; isso provoca uma sensação de abandono, ou que sua mãe será tirada deles”, disse Luana Biagini, uma assistente jurídica que trabalha com famílias brasileiras reunidas.

“Algumas mães se queixam de que seu filho era mais extrovertido e comunicativo, e hoje está quieto e desanimado. Algumas crianças demoram um pouco para processar a informação ou uma situação, e a mãe tem de dizer: ‘Ei, ei, acorde’”, disse Biagini, que trabalha na firma de advocacia Jeff Goldman em Boston.

Thiago está com uma bermuda preta com listra branca e segura as mãos do primo, que as junta de costas
Thiago, 5, brinca como se estivesse algemando o primo Rogério, 9, na casa da família depois de ficar mais de um mês separado da mãe devido à política de tolerância zero de Trump - Todd Heisler - 19.jul.18/The New York Times

A recente rodada de separações foi dura para as crianças em parte porque os próprios pais estavam tão traumatizados, segundo os que trabalham com as famílias. 

Em alguns casos, as crianças foram arrancadas dos braços dos pais entre lágrimas e súplicas. Outras crianças parecem ter sido enganadas —disseram-lhes que iam brincar com outras crianças, mas não foram devolvidas aos pais. 

Muitas vezes, pais e filhos foram impedidos de se comunicar durante semanas ou mais. No limbo e confusas, muitas crianças provavelmente interiorizaram a separação como um castigo, segundo especialistas.

Décadas de pesquisa concluíram que as crianças separadas de forma traumática dos pais têm grande probabilidade de desenvolver problemas emocionais, atrasos cognitivos e traumas duradouros. 

Estudos mais recentes descobriram que a separação pode prejudicar a memória e a produção de cortisol, um hormônio produzido em reação ao estresse.

“Não há maior ameaça para o bem-estar emocional de uma criança do que ser separada de um cuidador primário. Mesmo que seja por um curto período, para uma criança é uma eternidade”, disse Johanna Bick, professora de psicologia na Universidade de Houston que estuda experiências negativas na infância. 

Fatores como quanto tempo um pai e um filho ficaram separados, quão carregada de emoção e abrupta foi sua separação e a dificuldade da viagem da família pelo México podem influenciar a evolução em longo prazo das crianças separadas. 

A parentalidade responsável, intervenção profissional e outras medidas podem atuar como amortecedores que atenuam o trauma.

“A má notícia é que os primeiros anos de vida são um período delicado do desenvolvimento cerebral; o que acontece pode ter um impacto traumático mais tarde”, disse Bick, cuja pesquisa se concentra em crianças colocadas em lares adotivos e instituições. 

“A boa notícia é que as crianças são resilientes, e a intervenção precoce pode ajudá-las.”

O governo Trump colocou crianças separadas em cerca de cem abrigos, muitas vezes a centenas de quilômetros de distância dos pais. Embora as necessidades básicas das crianças pequenas fossem satisfeitas nos abrigos, o ambiente era mais restritivo que positivo. 

Por razões de segurança, as crianças não podiam tocar nas outras. Funcionários na maioria dos abrigos podiam segurar as crianças menores, de 4 anos ou menos, mas tinham instruções para manter as mais velhas à distância.

Uma pequena parcela de crianças, cerca de 10% das que foram retiradas dos pais, foi colocada em famílias adotivas provisórias. Mas essas famílias muitas vezes hospedam várias crianças, o que torna difícil para qualquer uma receber atenção pessoal. 

Perguntado se ganhou abraços de sua família adotiva, Thiago fez “não” com o dedo e depois disse baixinho: “Eles não gostavam de mim”. 

Mas retornar a um pai amoroso também pode ser doloroso.

“As crianças diferem na maneira como reagem, mas é ingênuo pensar que essas reuniões poderiam ser felizes”, disse Oliver Lindhiem, um psicólogo clínico na Universidade de Pittsburgh que pesquisou crianças que sofreram separação. “As coisas não voltam a ser como eram antes.”

Depois de uma separação prolongada, disse ele, as crianças muitas vezes oscilam entre se isolar e ficar agarradas aos pais. 

Thiago e sua mãe foram apreendidos pela Patrulha de Fronteiras no Novo México em 22 de maio. No dia seguinte, policiais informaram a Fernandes e a outras mães brasileiras detidas no mesmo prédio na fronteira que seus filhos seriam retirados delas. 

Thiago chorou até dormir quando a mãe lhe deu a notícia. Outro menino teve um ataque de pânico e precisou ser hospitalizado.

“Quando o policial veio buscar Thiago, teve de carregá-lo nos braços porque ele estava sonolento”, disse Fernandes. “Então ele começou a chorar.”

Cerca de quatro dias depois, Fernandes, que tinha sido transferida para um presídio federal, foi chamada para atender um telefonema. Uma mulher na linha lhe informou que Thiago havia se trancado, recusando-se a comer e a tomar banho.

Thiago foi colocado ao telefone, soluçando descontroladamente. Ela pediu que seu filho comesse e garantiu que em breve estariam novamente juntos.

Mas se passaram várias semanas antes que mãe e filho pudessem conversar de novo. Fernandes não tinha ideia de que Thiago havia sido levado de avião para Los Angeles e colocado com uma família adotiva.

Depois de pagar fiança e ser libertada da detenção em 10 de junho, Fernandes recebeu um número de ligação gratuita para localizar seu filho. 

Ela ligou imediatamente depois de chegar a Filadélfia, onde foi morar com parentes, mas precisou da ajuda de um advogado de Boston, Jesse Bless, para conseguir a libertação de Thiago.

Isso só aconteceu em 13 de julho. Quando ela viu seu filho no setor de bagagens do aeroporto, correu para ele com o coração disparado, disse Fernandes. “Eu chorei e o abracei —mas ele nem ligou. Ficou ali gelado”, lembrou ela.

Quando Thiago falou, pediu para falar com sua avó no Brasil e fez a primeira de várias ligações diárias pelo WhatsApp. 

Naquela noite, ele procurou os seios da mãe, querendo mamar. Pensando que o acalmaria, Fernandes lhe deu uma mamadeira com leite, o que logo se transformou em hábito.

Com o passar do tempo, Thiago continua distante e fechado, e de repente entra no armário para evitar interações. Mas em outros momentos ele baixa a guarda.

Em um restaurante brasileiro, ficou entusiasmado pelas sobremesas expostas e mais tarde comeu um pudim enquanto assistia a desenhos de “Peppa Pig” em um celular. 

Quando sua mãe desapareceu momentaneamente, porém, ele ficou ansioso e assustado. “Onde está a mamãe?”, perguntava repetidamente, com os olhos percorrendo a sala. Quando ela voltou, Thiago perguntou por que havia demorado tanto.

Mais tarde, adotando o ar de um policial moderno, ele vestiu óculos escuros de plástico, colocou uma arma de plástico nos shorts e correu para sua bicicleta vermelha com rodinhas de apoio. 

Ele riu feliz quando correu com seu primo Rogério, 8, até um playground, onde destemidamente se pendurou de uma gaiola-labirinto e de uma corda.

Thiago pediu para ir à piscina comunitária no parque, e Fernandes inscreveu Thiago e Rogério nas últimas duas vagas em uma aula de natação gratuita.

Mas no primeiro dia de aula Thiago saltou da piscina assim que o instrutor se aproximou dele.

Fernandes disse que está pensando em encontrar um terapeuta para o filho, porque há algo errado que não parece desaparecer rapidamente. “Meu filho costumava ser corajoso”, disse ela. “Ele não era assim.”

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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