Operação no Brasil expõe nós da Camargo Corrêa na América Latina

Empreiteira é investigada por fazer pagamentos a políticos em ao menos cinco países da região

Gonzalo Torrico Milagros Salazar Herrera
Lima

Os documentos apreendidos pela Polícia Federal brasileira em 2009 durante a Operação Castelo de Areia escondem supostos pagamentos de propinas e financiamento oculto de campanhas eleitorais pela empresa Camargo Corrêa em diversos países da América Latina e África, que abrem um novo capítulo para a Justiça dessas nações.

Os casos mais reveladores até agora são os do Peru, Argentina, Venezuela e Bolívia, países onde a Camargo Corrêa desenvolveu projetos infraestruturais milionários e nos quais a rede de jornalistas Investiga Lava Jato já publicou diversas reportagens.

O caso do Peru é emblemático. Em junho de 2015 o site noticioso Convoca.pe trouxe à tona os primeiros documentos relacionados a esse país. 

Eles continham anotações de pagamentos ilícitos relativos à rodovia Interoceânica Sul entre 2005 e 2008, nos governos de Alejandro Toledo (2001-2006) e Alan García (2006-2011). Isso permitiu à Procuradoria abrir o dossiê principal para investigar as construtoras brasileiras.

Nesses documentos aparecem o sobrenome Toledo, os valores de propinas ("capilés") a pagar pela obra (mais de US$ 6,3 milhões, ou R$ 26 milhões pelo câmbio atual) e como parte desse pagamento —no valor de US$ 180 mil, ou R$ 745 mil— seria feito nas últimas semanas do governo de Alejandro Toledo.

O ex-presidente está foragido nos Estados Unidos, enquanto sua extradição tramita na Justiça. A Procuradoria peruana reconstruiu a trajetória do pagamento de US$ 3,9 milhões (R$ 16 milhões), obtendo novos documentos.

Entre os mesmos papéis da Operação Castelo de Areia há uma anotação que apontaria para outro ex-presidente, Alan García (2006-2011):"INT. Político. GIP. García. 50.000. Campanha. [um visto]". O documento assinala uma data em maio de 2006, quando Alan García e Ollanta Humala se enfrentavam pela Presidência.

O Convoca.pe, em publicação em 9 de setembro, mostrou como os funcionários da construtora estavam organizando por email uma "contribuição" para a campanha presidencial de García.

Em redes sociais, García negou ter recebido qualquer contribuição. Durante seu governo, a Camargo Corrêa e os consórcios dos quais ela fez parte obtiveram contratos valendo mais de US$ 450 milhões (R$ 1,9 bilhão).

Os advogados da Camargo Corrêa no Peru argumentam que a Operação Castelo de Areia foi "definitivamente julgada ilegal e inválida pelo Supremo Tribunal da República do Brasil" e que, por essa razão, "o material compilado pela investigação é inválido".

Nos últimos dias também foram feitas revelações novas na Argentina, onde a construtora está sendo investigada pela cartelização de obras da empresa estatal de água, Aysa, durante o governo Kirchner.

De acordo com o jornal Perfil, que integra a rede de jornalistas Investiga Lava Jato, Pietro Giavina Bianchi, ex-diretor da Camargo Corrêa e gestor do "caixa dois" da construtora, guardou num pendrive os documentos oficiais que comprovavam o pagamento de um adiantamento financeiro recebido para a obra da estação de tratamento de água Bicentenário, da Aysa, no valor de US$ 12 milhões (R$ 50 milhões).

O executivo deixou claro que desse dito adiantamento a construtora e sua sócia local, Esuco, destinaram um primeiro pagamento de US$ 490 mil (R$ 2 milhões) ao "Grupo PSI", ainda não identificado. O consórcio não conseguiu explicar esse pagamento. 

Além disso, Giavina Bianchi registrou um pagamento de US$ 25 mil (R$ 104 mil) para "alteração orçamentária", uma modificação que o consórcio obteve.

Mas essa não é a única suspeita que recai sobre os projetos da Aysa. O Investiga Lava Jato revelou neste ano que a usina dessa estatal de água vinculada à Odebrecht aparece na folha de pagamentos do Setor de Operações Estruturadas com vários pagamentos. Os arquivos publicados foram incorporados à investigação judicial.

As autoridades argentinas ordenaram para 13 de setembro, via carta precatória ao Brasil, o interrogatório de Antonio Miguel Marques, ex-presidente da Camargo Corrêa, por suposto pagamento de propinas na obra da Aysa. Marcelo Odebrecht deveria depor dia 11 de setembro, também via carta precatória. Os ex-executivos das duas empresas não compareceram.

Na Venezuela, os sites noticiosos El Pitazo e Runrun.es noticiaram esta semana que desde 2005 a construtora procurou o apadrinhamento do ex-presidente Hugo Chávez por meio de seu irmão Adán e do presidente Nicolás Maduro, para receber a obra da empresa Tocoma. 

A obra, de US$ 800 milhões (R$ 3,3 bilhões), foi ganha pela Odebrecht, mas os documentos mais recentes obtidos revelam o tráfico de influências nos altos escalões políticos venezuelanos e seu desespero por não conseguir uma audiência com o presidente.

Na Bolívia, os primeiros indícios de pagamentos de propinas pela Camargo Corrêa vieram à tona em abril de 2018. O jornal El Deber detalhou pagamentos de US$ 550 mil (R$ 2,2 milhões) na licitação da obra de um trecho da rodovia Roboré-El Carmen. Ninguém foi condenado. O Parlamento boliviano já está investigando as empresas da Lava Jato e os ex-presidentes Eduardo Rodríguez e Carlos Mesa.

Apesar de a Castelo de Areia ter sido anulada no Brasil, o processo conserva importantes tesouros de informação para o resto da América Latina, onde a construtora fez investimentos milionários.
 

Colaboraram Emilia Delfino (Argentina) e Nelfi Fernández (Peru), tradução de Clara Allain Acesse as reportagens do Investiga Lava Jato: investigalavajato.convoca.pe

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.