Descrição de chapéu Venezuela

Jornalista é preso sob acusação de ajudar a causar apagão na Venezuela

Luís Carlos Díaz ficou desaparecido por horas, até ser levado por agentes para uma busca em sua casa

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O jornalista venezuelano Luiz Carlos Díaz, preso pelo regime de Nicolás Maduro
O jornalista venezuelano Luis Carlos Díaz, preso pelo regime de Nicolás Maduro - Reprodução/Twitter
Belo Horizonte e São Paulo

O jornalista venezuelano Luis Carlos Díaz, 34, foi capturado na noite de segunda-feira (11) por agentes do regime do ditador Nicolás Maduro, segundo sua mulher, Naky Soto. 

O sindicato de jornalistas da Venezuela acredita que Díaz seja uma das duas pessoas presas por terem sido relacionadas por Maduro aos apagões de energia dos últimos dias. 

O ditador diz que a falta de energia foi provocada por ataques de hackers, agindo junto com o governo de Donald Trump. O Grupo de Lima, que reúne 14 países das Américas, inclusive o Brasil, culpou Maduro pelo problema. 

Naky, que também é comentarista política e ativista de direitos digitais, fez o último contato com o marido às 17h30 desta segunda-feira. O jornalista avisou que estava a caminho de casa para descansar antes de apresentar um programa ao vivo na Unión Radio, das 22h às 5h. 

“Luis Carlos não chegou e não me preocupei, porque achei que ele havia preferido aproveitar a eletricidade e a conexão da rádio, ficando por lá, mas há meia hora me ligaram para avisar que o estavam procurando, porque ele não estava na emissora”, escreveu ela em uma rede social. 

Na madrugada de terça-feira (12), o sindicato de jornalistas publicou a informação de que agentes do serviço de inteligência do país, o Sebin, apreenderam computadores, pen drives, celulares e dinheiro da casa de Díaz. 

Em um vídeo, Naky diz que a casa foi revistada, que o jornalista estava presente e algemado e relatou que sofreu agressões físicas durante sua detenção. 

À Folha, Naky, 45, que está em tratamento contra um câncer de mama desde setembro do ano passado, relatou que também foi ameaçada de prisão. “Um membro da comissão [que prendeu seu marido] me disse que não fizesse barulho, que não me expusesse, porque havia uma ordem de apreensão contra mim também e só não me levaram agora por causa da minha condição.” 

Segundo ela, era "impressionante" a dimensão do grupo que foi até sua casa. "Tinha umas 16 a 18 pessoas e umas 11 ou 12 subiram, dois deles usavam armas grandes. Levaram não só os equipamentos, mas também o dinheiro que tínhamos", disse, enquanto se preparava para ir à procuradoria para pedir a libertação do marido.

"Ele é acusado de ser hacker, quando na verdade trabalha pelo contrário, pelos direitos digitais. Ele forma pessoas para usar as redes, não tem especialidade em mexer com códigos. Isso é uma loucura", afirmou. 

Naky ainda não sabia para qual prisão Díaz havia sido levado, mas uma das possibilidades é que ele esteja no Helicoide —edifício construído para ser um shopping center, em Caracas, que vem sendo usado como prisão de presos políticos e comuns pelo serviço de inteligência. Em uma reportagem do jornal The Guardian, de 2017, foi descrito por ex-presos como “inferno na terra”. 

Uma comitiva do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, que chegou à Venezuela no mesmo dia da detenção, pediu às autoridades "acesso urgente a Díaz", segundo informou a alta comissária, Michelle Bachelet. 

"Estou profundamente preocupada com a suposta detenção do reputado jornalista Luis Carlos por parte dos serviços de inteligência venezuelanos, e com seu bem-estar", escreveu a ex-presidente do Chile em seu Twitter.

O grupo de cinco pessoas prepara, entre outros assuntos, uma possível visita de Bachelet ao país e deve continuar na Venezuela até o dia 22. A alta comissária foi convidada para a visita por Maduro, em novembro de 2018. 

Antes de Díaz chegar com a polícia à sua casa para a revista, a família e colegas buscaram informações sobre seu paradeiro durante horas. Uma campanha internacional, mobilizando seguidores, jornalistas e órgãos internacionais de direitos humanos e liberdade de imprensa, perguntava nas redes: "onde está Luís Carlos?".

Forças de segurança contatadas pelo sindicato chegaram a negar que soubessem do paradeiro do jornalista. Segundo a entidade, nos últimos dias, ele vinha recebendo ameaças nas redes sociais. 

Na sexta-feira (8), a conta no Twitter do programa “Con el Mazo Dando”, apresentado por Diosdado Cabello, número 2 do chavismo, publicou um vídeo editado de uma transmissão feita por Díaz e Naky. 

Na publicação, além de chamar o jornalista de “influencer fascistóide”, Cabello o acusa de ter participação nos blecautes e de ter organizado uma operação com “a direita local e a direita gringa” para colapsar o país. 

O vídeo de cerca de um minuto e meio mostra Díaz respondendo a uma pergunta de um seguidor sobre os efeitos que um apagão pode ter em um país em situação de crise. Em um dos cenários hipotéticos citados por ele, o jornalista fala que as pessoas podem sair às ruas para recuperar o “tecido social rompido”. 

“Eles fizeram uma tergiversação do conteúdo, selecionaram um trecho de uma gravação mais longa. Luis Carlos estava respondendo a uma pergunta de ouvinte sobre o que aconteceria em caso de um blecaute informativo”, afirma Naky Soto. 

O autodeclarado presidente interino e líder da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, também se manifestou sobre o desaparecimento do jornalista: “Atenção, continua a perseguição a jornalistas na Venezuela”. 

Díaz faz parte da equipe do programa de rádio Circuitos Éxitos, junto com um dos jornalistas mais respeitados do país, César Miguel Rondón. O programa foi encerrado no dia 15 de fevereiro, segundo Rondón, “porque se tornou um incômodo para o regime”. 

No final de janeiro, em entrevista, Rondón disse que foi censurado por reconhecer Juan Guaidó como presidente interino. Desde 2017, ele participava do programa à distância, fora da Venezuela, por perseguição. 

A última vez em que postou algo em sua conta no Twitter, na qual tem 329 mil seguidores, Díaz criticou a narrativa adotada pela ditadura de Nicolás Maduro para explicar as quedas de energia que causaram o maior apagão recente da história da Venezuela. 

“Já não dizem que foi um ataque. Tampouco que houve dois. Não. A nova cifra são cinco ataques consecutivos contra o sistema elétrico, segundo porta-vozes oficiais. É a hiperinflação das desculpas”, escreveu. 

Nas redes sociais, ele seguia denunciando a situação de falta de alimentos e remédios em vários pontos do país, além de criticar abertamente o governo. 

Díaz também colabora para um projeto internacional de ativismo pró-liberdade de expressão, o Advox-Global Voices. Segundo a editora desse site, Ellery Biddle, as acusações contra o jornalista são uma tentativa do regime Maduro de "semear a falta de confiança na mídia independente e na sociedade civil e de calar uma fonte crucial de notícias e comentários no momento em que a Venezuela mais precisa”. 

"Luís Carlos é um jornalista perspicaz e determinado que tem se dedicado à proteção dos direitos humanos na Venezuela por mais de uma década. E tem sido um professor e uma inspiração para muitos de nós na comunidade de direitos digitais", comentou Biddle, após a prisão do venezuelano.

No final de fevereiro, o regime de Maduro expulsou o jornalista Jorge Ramos e sua equipe da rede Univision do país. Os equipamentos e materiais de gravação da entrevista que Ramos fazia com o ditador foram apreendidos. 

A suspeita é que o segundo preso nesta segunda (11) pelo governo Maduro sob acusação de ter relação com a falta de energia seja Geovany Zambrano Rodríguez, trabalhador do setor elétrico, que participou de uma entrevista coletiva no dia 18 de fevereiro, denunciando a situação crítica do setor. 

Há relatos de testemunhas que viram Rodríguez ser abordado por pessoas em uma caminhonete Tucson por volta das 18h de segunda.

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