Descrição de chapéu The New York Times

Como Ártico vem se tornando a arena mais recente da ambições globais chinesas

País vê recuo do gelo marítimo como oportunidade ampliar sua influência no norte do planeta

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Somini Sengupta, Steven Lee Myers
ROVANIEMI (FINLÂNDIA) E PEQUIM (CHINA) | The New York Times

O Ártico está derretendo, e a China está aproveitando a oportunidade para ampliar sua influência no norte do planeta.

O navio corta-gelo Tor na península do Yamal, no Ártico, onde há projetos de extração de gás
O navio corta-gelo Tor na península do Yamal, no Ártico, onde há projetos de extração de gás - Kirill Kudryavtsev/AFP

Para a China, o recuo acelerado das geleiras tem o potencial de oferecer dois grandes prêmios: novas fontes de energia e uma rota de transporte marítimo mais rápida, passando pelo topo do mundo. 

Com essa finalidade em vista, Pequim procura aprofundar seus laços com a Rússia.

A quase 5.000 quilômetros de casa, equipes chinesas vêm fazendo perfurações exploratórias à procura de gás sob as águas geladas do mar de Kara, ao largo da costa norte da Rússia. 

A cada verão dos últimos cinco anos, navios de carga chineses abriram caminho entre as calotas de gelo ao largo da costa russa —uma nova passagem que as autoridades em Pequim descrevem como a Rota da Seda Polar. 

E, em Xangai, armadores chineses lançaram recentemente o segundo navio quebra-gelo chinês, o Dragão de Neve 2.

Segundo Aleksi Harkonen, o embaixador da Finlândia para assuntos árticos, as ambições da China para o extremo Norte espelham suas ambições no resto do mundo. “O que a China almeja é influência global, incluindo no Ártico”, ele disse.

A parceria sino-russa beneficia as agendas dos dois países na região, pelo menos por enquanto.

E ela ocorre contra o pano de fundo de hostilidades crescentes entre China e os Estados Unidos em torno de questões como comércio, reivindicações territoriais e alegações de espionagem.

Essa tensão está chegando ao Ártico.

Em abril, o Pentágono, no relatório anual que apresenta ao Congresso sobre o poderio militar da China, incluiu pela primeira vez uma seção sobre o Ártico e avisou sobre os riscos de uma presença chinesa crescente na região —riscos esses que incluem o possível envio de submarinos nucleares no futuro.

E neste mês o secretário de Estado, Mike Pompeo, aproveitou uma reunião de chanceles em Rovaniemi, alguns quilômetros apenas ao sul do Círculo Ártico, para criticar a China pelo que descreveu como seu “comportamento agressivo” na região e apontar para as ações de Pequim em outras partes do mundo.

Seus comentários foram recebidos com pouco-caso por muitos delegados presentes, e analistas que acompanham as atividades chinesas no Ártico disseram que Pompeo exagerou a natureza das atividades chinesas no Norte. 

A China não tem presença militar no Ártico nem quaisquer reivindicações territoriais na região. Suas atividades são de cunho apenas comercial e científico, por enquanto.

Mas Pequim tem muito a ganhar estrategicamente com o aquecimento do Ártico. E está de olho no longo prazo.

A China está tentando injetar dinheiro em quase todos os países árticos. Ela já investiu bilhões de dólares na extração de energia do subsolo permanentemente congelado da península de Yamal, no norte da Rússia. 

Está fazendo perfurações à procura de gás em águas russas, trabalhando com a empresa russa Gazprom. 

Está procurando minerais na Groenlândia. E sua gigante das telecomunicações está ansiosa por formar uma parceria com uma empresa finlandesa que quer deitar um novo e enorme cabo submarino de internet para conectar o norte da Europa à Ásia.

A abordagem não é inteiramente nova. A China fechou um acordo de livre comércio com a Islândia seis anos atrás, abrindo para esse pequeno país um mercado gigantesco para um de seus principais produtos de exportação: pescado. 

Uma empresa chinesa propôs a formação de uma parceria com a Groenlândia para a reconstrução de aeroportos, levando a Dinamarca a intervir e assumir o projeto ela própria. 

Outra empresa chinesa se propôs a construir um porto para a Suécia, mas recuou quando as relações diplomáticas entre os dois países ficaram tensas.

“Os países árticos não podem dizer ‘não’ a investimentos”, disse Harkonen, o diplomata finlandês. “Isso já está claro. Queremos ter certeza de saber o que a China procura de fato.”

Além disso, navios chineses andam percorrendo a Rota Marítima Boreal. A estatal China Ocean Shipping Co. já enviou seus navios cargueiros pelo Ártico várias vezes nos últimos cinco anos e planeja mais viagens para este verão. 

Em reunião recente promovida em Xangai para discutir assuntos relativos ao Ártico, um representante da empresa disse que a rota boreal reduz em dez dias uma viagem da Ásia à Europa, comparada com as rotas que passam pelo oceano Índico e o canal de Suez.

A mudança climática vem deixando a rota marítima aberta por períodos mais longos a cada ano.

O Ártico vem se aquecendo duas vezes mais rapidamente que a média global, e em abril a extensão média do gelo marítimo ártico chegou ao nível mais baixo já visto, segundo o Centro Nacional de Dados sobre Neve e Gelo.

Finalmente, e o que talvez seja o ponto mais importante, a China está formando uma parceria com a maior potência expansionista na região: a Rússia, que enxerga o Ártico como crucial para seu poder e riqueza futuros.

É uma relação cada vez mais vital para os dois países. A Rússia precisa do investimento chinês para extrair os recursos naturais presentes no subsolo congelado e monetizar sua longa costa ártica, especialmente desde que os EUA lhe impuseram sanções devido à anexação da Crimeia, em 2014.

Por essa razão, a cautela com que a Rússia antes encarava a competição no Ártico deu lugar a uma nova abertura em relação à China.

“Apesar de Rússia e China serem concorrentes naturais pelos recursos e a influência no Ártico, os dois países iniciaram uma cooperação nessa área, conscientes de que apenas assim poderão competir com o Ocidente”, explicou Agnia Grigas, especialista energética em Washington e autora de um livro recente sobre gás natural e geopolítica. 

“A demanda chinesa por fontes energéticas e a dependência econômica russa das exportações de combustíveis fósseis dependem dessa cooperação no Ártico.”

O presidente Vladimir Putin já se reuniu mais vezes com seu colega chinês, Xi Jinping, que com qualquer outro líder estrangeiro. Putin está promovendo pessoalmente investimentos de companhias chinesas em infraestrutura energética e de transportes na vasta região ártica russa.

Em abril, Putin apareceu ao lado de Xi em Pequim para propor que a Rota Marítima Boreal, em águas russas, fosse ligada à enorme iniciativa infraestrutural da China conhecida como a Nova Rota da Seda. 

Segundo Putin, isso possibilitaria a criação de uma “rota global competitiva” interligando boa parte da Ásia à Europa.

A China vem dando apoio financeiro crucial a um enorme projeto de extração de gás natural na península de Yamal. Em troca, ela conseguiu acesso a algo que necessita com urgência: energia para seu mercado doméstico.

O primeiro carregamento de gás natural líquido foi para a China no verão passado pela Rota Marítima Boreal. Hoje empresas chinesas têm uma participação de 30% no projeto de gás na península de Yamal.

Há outras cooperações sendo planejadas. China e Rússia anunciaram recentemente que vão criar um centro conjunto de pesquisas para estudar, entre outros temas, mudanças nas condições do gelo marítimo no trajeto da Rota Marítima Boreal. 

E o Poly Group, uma estatal chinesa, se propôs em 2017 a construir um novo porto de águas profundas em Arkhangelsk, na costa ártica russa.

Mas o relacionamento entre os dois países é complicado.

A China está construindo um segundo navio quebra-gelo para poder percorrer águas polares. Segundo uma análise do Pentágono divulgada neste ano como parte do relatório anual do Pentágono para o Congresso, a Rússia (que essencialmente aluga sua frota muito maior de navios quebra-gelo para guiar navios estrangeiros pela Rota Marítima Boreal) não vê essa competição com bons olhos.

A Rússia se manifestou fortemente contra a ideia de que qualquer navio quebra-gelo estrangeiro possa percorrer essa rota, hoje dominada pela Rússia.

As forças armadas russas estão marcando posição na região, tendo reativado bases militares dos tempos da Guerra Fria ao longo de sua costa norte e modernizado seus submarinos nucleares.

A China já disse que, para proteger seus interesses crescentes em nível global, quer formar uma Marinha capaz de estar presente em águas profundas. Isso significa que onde são feitos investimentos estratégicos chineses, a Marinha chinesa provavelmente vai segui-los.

Mas a China está de olho no longo prazo e pode ter o tempo a seu favor. Se o recuo do gelo marítimo continuar, partes muito maiores do Ártico podem tornar-se navegáveis, e com isso a Rússia terá mais dificuldade de comandar as águas do extremo Norte.


Tradução de Clara Allain
 

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