Guinada de Biden à esquerda embaralha corrida democrata à Presidência

Movimentação provoca reação de principais expoentes progressistas do partido

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Washington

Joe Biden entendeu o recado. Aos 76 anos, o ex-vice-presidente dos EUA decidiu adaptar o discurso e acenar à esquerda para não perder o favoritismo no Partido Democrata na disputa pela Casa Branca.

Pressionado pela ala progressista que embala democratas desde 2016, Biden viu que era preciso fincar os pés na defesa de temas caros a esse grupo para se consolidar como o nome de oposição a Donald Trump em 2020.

O roteiro em que se despiu de parte de seu figurino centrista foi colocado em marcha na semana passada. 

O pré-candidato democrata Joe Biden faz campanha em Clinton, Iowa - Scott Olson/Getty Images/AFP

Em três dias, o líder das pesquisas democratas —com 32% — lançou ambicioso plano de combate a mudanças climáticas e trocou de posição sobre o uso de verba federal para financiar o aborto: agora ele se diz favorável à medida.

A plataforma do clima promete ir além das políticas do governo Barack Obama, de quem Biden foi vice-presidente, e tem a meta de zerar as emissões de gases do efeito estufa nos EUA até 2050. 

Mas o que surpreendeu até mesmo aliados próximos foi revisão de Biden sobre o apoio à chamada Emenda Hyde.

Desde 1976, a regra limita o uso de dinheiro público para financiar aborto em casos de estupro, incesto ou risco de vida da mãe. 

Católico, ele é contra interromper a gravidez em qualquer circunstância e apoiou por décadas a regra que impede o governo de pagar pelo procedimento.

A mudança de postura veio forçada por críticas de outros pré-candidatos de oposição, que atacaram Biden por manter o respaldo em meio ao esforço de republicanos aprovarem medidas estaduais que restringem o aborto.

Legalizada nos EUA, a prática é mais difícil de ser realizada por mulheres pobres, que dependem justamente do dinheiro federal para realizar o procedimento.

Principal expoente progressista e segundo lugar nas pesquisas democratas — com 18% — , o senador independente Bernie Sanders fez a contraposição direta e disse que era preciso derrubar a emenda Hyde. 

Foi ecoado por Elizabeth Warren, que também disputa a indicação do partido e continua em terceiro lugar, com 7%. "Não apoio a emenda Hyde e lutarei por sua derrubada", afirmou a senadora.

A arena de ataques entre Biden e progressistas alarmou líderes democratas ao ser inaugurada antes mesmo dos debates dentro do partido, marcados para ter início no fim de junho.

 

A avaliação no Congresso é que a disputa pública antecipada entre os 23 nomes que querem concorrer contra Trump só fragiliza o discurso e expõe o racha da oposição.

O Partido Democrata se moveu para o centro a partir do governo Bill Clinton (1993-2001), mas a campanha de 2016 mudou os paradigmas adotados até então.

Há três anos, Sanders perdeu a nomeação para Hillary Clinton, mas ganhou a agenda que dominou as eleições legislativas do ano passado, na qual os democratas recuperaram o comando da Câmara dos Deputados.

Com discurso forte, ele levou para o centro do debate eleitoral propostas como saúde e educação grátis para todos, combate às mudanças climáticas e aumento de impostos para os ricos — temas que voltam a figurar neste ano.

A marca pró-trabalhador e anti-establishment, porém, não é mais apenas dele. Warren tem ganhado força entre os eleitores e disputa com Sanders a retórica mais à esquerda da oposição.

Na economia, a senadora arrasta os democratas para longe do livre-comércio, que sempre foi a marca do partido, e obriga Biden a se adaptar também a esse cenário.

Ainda não está claro qual será o discurso mais eficaz para convencer a oposição a Trump no ano que vem, mas Biden entendeu que não pode abrir mão de certos debates e bandeiras.

De abril para junho, o ex-vice-presidente caiu de 39% para 32% nas pesquisas democratas, enquanto Sanders se manteve no patamar de 20%.

O cenário da eleição americana é inédito: apesar dos bons índices econômicos e desemprego baixíssimo, o presidente não lidera a corrida para 2020. 

Segundo pesquisa divulgada pela CNN esta semana, Trump hoje perderia de pelo menos seis candidatos de oposição, Biden (53% a 40%), Sanders (51% a 42%) e Warren (49% a 42%) entre eles.

Caso a estratégia de Biden dê certo será interessante observar a disputa entre dois candidatos com mais de 70 anos em uma eleição que era prevista para ser também geracional nos EUA.

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